Anistia: desembargador aponta 'mercado bilionário de indenizações ilícitas'
Apesar de negar o recurso, o desembargador pondera que Lovecchio foi vítima de "vergonhosas parcialidades", por ser negada a ele a pensão pela Comissão de Anistia
O desembargador Fábio Prieto de Souza, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3/SP-MS) apontou a existência do que classifica como um "mercado bilionário de indenizações ilícitas" ao criticar duramente pensões concedidas pela Comissão de Anistia do Governo Federal, relativas à ditadura militar (1964-1985).
O magistrado integra a 6ª Turma da Corte. Ele reconheceu, por unanimidade, a prescrição de uma ação de danos morais movida por Orlando Lovecchio Filho, que perdeu a perna em 1968, durante atentado de uma guerrilha de extrema esquerda.
Apesar de negar o recurso, o desembargador pondera que Lovecchio foi vítima de "vergonhosas parcialidades", por ser negada a ele a pensão pela Comissão de Anistia.
Lovechio foi atingido em um atentado ao Conjunto Nacional, em São Paulo. No processo do TRF-3 argumentou que um seus algozes, ligado a guerrilhas urbanas de esquerda, ganha uma pensão três vezes maior que a dele, concedida pela Comissão de Anistia em 2008. Requereu dois mil salários mínimos de indenização.
Prescrição
O desembargador afirma que "as indenizações por anistia sempre foram prescritíveis e tiveram como termo inicial a data da norma jurídica de benefício - no caso concreto, a Constituição de 1988".
O magistrado afirma que a Constituição teve "um objetivo". "A reparação dos danos decorrentes da frustração ou da interrupção indevida - por isto, anistiada - das relações de trabalho".
"Além da clara redação da Constituição, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, não deixou qualquer dúvida sobre esta exclusiva finalidade."
O desembargador diz que em matéria de "anistia, os beneficiários da norma decidida pelos representantes do povo terão tudo que lhes cabe". "Nem mais, nem menos. Juízes não devem ser árbitros de anistias, mas garantidores do que foi chancelado nos parlamentos".
"Na minha interpretação, de hoje e de sempre, seja quem for a parte ou o governo de turno, pretensão indenizatória por anistia é prescritível, o seu termo inicial é a data de vigência da Constituição e qualquer pedido estranho à reparação de dano que não seja por relação de trabalho é juridicamente impossível", conclui.
'Mercado de indenizações'
O desembargador ressalta: "quanto ao controle jurisdicional da extensão da anistia, de seu conteúdo, somo com a posição do STF: ela diz respeito a relações de trabalho, não a outros aspectos, como violações físicas ou patrimoniais de ordem distinta, como já foi explicado acima".
"É exato, porém, que as decisões do Supremo Tribunal Federal não são seguidas, porque emitidas sem efeito vinculante, e isto garantiu o mercado bilionário das indenizações ilícitas", escreve.
O desembargador narra que "em um processo, dizia-se que os documentos oficiais sobre a prática de terrorismo teriam sido obtidos sob tortura".
"No feito seguinte, o interessado mudava a versão e, com base nos mesmos documentos oficiais, na qualidade de protagonista dos assassinatos, dos roubos, dos sequestros, deduzia o milionário pedido de indenização - indenização por dano moral".
Em seu voto, Prieto diz considerar que Orlando Lovecchio foi vítima de "infâmias, incongruências manifestas e vergonhosas parcialidades", quando pediu indenização à Comissão de Anistia, em 2008.
Segundo o desembargador, "a prova de que o embargante foi vítima de atentado terrorista praticado por organização revolucionária armada, de nítida conotação política, é certa".
O magistrado destaca que a "sem prova alguma, um dos terroristas responsáveis pelo infortúnio do embargante recebeu milionária indenização, em homenagem à "magnitude" de sua ação criminosa".
"O embargante, por sua vez, teve que ouvir que a detonação da bomba na calçada pública e a sua permanente mutilação não passaram de 'acidente', de 'triste fatalidade'".
"Compreendo as petições do embargante e de seus combativos advogados contra todas estas infâmias, incongruências manifestas, vergonhosas parcialidades", escreveu.
O atentado
Em 19 de março de 1968, Orlando Lovecchi estava com 22 anos e terminava o curso de aviação civil. Naquele dia, ele foi atingido pela explosão de uma bomba colocada na vitrine das dependências do Consulado dos Estados Unidos, na calçada do Conjunto Nacional, na região da Avenida Paulista.
Em razão do atentado, sofreu uma sequela irreversível: a amputação do terço inferior da perna esquerda.