Política

STF abre julgamento de extradição de torturador argentino do 'voo da morte'

Após o voto do relator, a análise do processo foi suspensa por pedido de vista de Alexandre Moraes

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento da Extradição (EXT) 1270, requerida pelo governo da Argentina contra o torturador Gonzalo Sanchez, oficial da Marinha do país vizinho acusado dos crimes de homicídio, tortura e cárcere privado. Nesta terça-feira, 17, após o voto do relator, ministro Marco Aurélio, que indefere o pedido, a análise do processo foi suspensa por pedido de vista de Alexandre de Moraes.

O pedido é referente a fatos ocorridos na "guerra suja", entre 1976 e 1983 (governos Jorge Rafael Videla e Roberto Viola), quando Sanchez integrava o famigerado centro clandestino de detenção da Escola de Mecânica da Armada (ESMA), reduto de tortura do governo argentino na época.

Sanchez vive no Brasil desde 2001. Ele foi preso em Paraty (RJ) numa ação conjunta da Interpol e da Polícia Federal.

Formalmente, Sanchez é acusado pelos crimes de privação ilegal de liberdade de pessoas, agravada por ter sido cometido por funcionário público com abuso de suas funções.

É acusado, também dos crimes de tortura na Armada, seguidos do "voo da morte", no qual opositores da ditadura militar eram atirados de aviões sobre o mar territorial argentino ou sobre o rio da Prata.

O governo da Argentina sustenta que os crimes da ditadura militar são considerados crimes contra a humanidade e, como tal, seriam imprescritíveis, segundo a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade e a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado d e Pessoas.

A Defensoria Pública da União sustenta que Sanchez não teve participação nos delitos narrados no pedido, que os crimes seriam políticos e que houve a extinção da punibilidade pela prescrição.

A Procuradoria-Geral da República opinou pelo deferimento parcial, unicamente quanto ao crime de sequestro, por entender que o delito é permanente quando as vítimas não forem encontradas.

Ao votar pelo indeferimento do pedido, o ministro Marco Aurélio observou a presença da dupla tipicidade dos delitos de tortura e homicídio, mas considera que, no ordenamento jurídico brasileiro, esses crimes estariam prescritos, pois os fatos mais recentes dos quais Sanchez é acusado teriam ocorrido há mais de 20 anos, prazo máximo previsto no Código Penal.

Quanto ao crime de sequestro, o ministro entende que a acusação refere-se a desaparecimento de pessoas, ou seja, "a subtração de inimigos políticos dos regimes militares para sua eliminação".

Marco Aurélio ressaltou que a Lei 9.140/1995 considera como mortas as pessoas que tenham sido detidas por agentes públicos por terem participado ou sido acusadas de participação em atividades políticas entre 2 de setembro de 1961 e 5 de outubro 1988, e que estejam desaparecidas desde então.

Para o ministro, a lei brasileira, ao considerar essas pessoas como mortas, impede o reconhecimento da dupla tipicidade, essencial para o deferimento de extradição. Ele destacou, ainda, que fatos semelhantes ocorridos durante a ditadura militar não são puníveis no Brasil em razão da Lei de Anistia.

"Dessa forma, não há como cogitar da dupla tipicidade sobre o sequestro. A narração dos fatos não permite que se conclua pela simetria", afirmou o relator.

Marco Aurélio lembrou que o processo já constou de pauta de julgamento, mas teve sua apreciação suspensa em razão de pedido de refúgio do argentino. Após a comunicação do Ministério da Justiça sobre o indeferimento do pedido, o processo retornou à pauta.

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