Orçamento secreto: relator desmente Pacheco e Lira e diz que há lista com nomes
O deputado Domingos Neto, confirma que a liberação de recursos se deu por meio de acordo com o Palácio do Planalto
Um documento assinado pelo relator-geral do Orçamento de 2020, deputado Domingos Neto (PSD-CE), desmente a versão da cúpula do Congresso de que não há registros sobre as indicações de parlamentares no esquema do orçamento secreto e confirma que a liberação de recursos se deu por meio de acordo com o Palácio do Planalto.
Segundo Domingos Neto, parlamentares interessados em destinar recursos para seus redutos eleitorais solicitaram diretamente à Secretaria de Governo da Presidência da República (Segov), então comandada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos, R$ 5,4 bilhões do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).
O relato de Domingos Neto, registrado em ofício obtido pelo Estadão, dá uma versão diferente do que disseram os presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em manifestação ao Supremo Tribunal Federal para destravar os pagamentos de emenda de relator, base do orçamento secreto - revelado em maio em série de reportagens do Estadão -, no qual um grupo de parlamentares indica como e onde o dinheiro público deve ser aplicado e, em troca, vota a favor das propostas do governo Jair Bolsonaro.
Ao solicitar a liberação dos pagamentos à ministra Rosa Weber, do STF, Lira e Pacheco afirmaram que não era possível revelar quem foram os autores dos pedidos de repasses. "A impossibilidade fática resulta da inexistência de documentos que registrem essas solicitações", afirmam os presidentes das duas casas do Legislativo.
PRAZO
Anteontem, Rosa Weber recuou na decisão de suspender a execução das emendas de relator, mas não aceitou o argumento de que não é possível identificar os solicitantes dos repasses. A relatora da ação no Supremo deu mais 90 dias, porém, para que o Legislativo apresente os reais autores das indicações.
No ofício, datado de 11 de junho deste ano, Domingos Neto escreveu que os empenhos do Ministério do Desenvolvimento Regional "no montante de R$ 5.470.052.917,00 (cinco bilhões, quatrocentos e setenta milhões, cinquenta e dois mil e novecentos e dezessete reais) foram encaminhados pelo Congresso Nacional, através de senadores, deputados federais e líderes, com apoio institucional do presidente do Congresso Nacional, à Secretaria de Governo da Presidência da República - SEGOV, sendo objeto de seleção, avaliação e encaminhamento feito pela mesma". Outros R$ 2,56 bilhões, segundo ele, foram "executados em obras estruturantes definidas exclusivamente pela própria Pasta, na forma da lei e dos normativos regulamentares".
O documento foi encaminhado pelo deputado em resposta a uma solicitação do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. O ministro havia pedido para o relator-geral confirmar que as indicações dos beneficiários dessas emendas, classificadas com o código RP9, "foram realizadas de forma consensual entre os poderes Executivo e Legislativo". A resposta de Domingos Neto também reforça que, por trás da fachada do relator-geral do Orçamento, os parlamentares apresentaram formalmente ao governo as suas indicações.
As reportagens do Estadão foram citadas por Rosa Weber em seu despacho para justificar a cobrança por mais transparência por parte do Congresso.
Os ofícios trocados entre o relator-geral do Orçamento de 2020 e o ministro do Desenvolvimento Regional indicam, ainda, que o governo descumpriu a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) ao distribuir recursos por orientação política, sem levar em consideração critérios socioeconômicos, exigidos no artigo 77 da lei.
Na semana passada, ao aprovar uma nova resolução, a fim de institucionalizar as emendas de relator, o Congresso não incluiu qualquer regra que garanta critérios de distribuição, como por exemplo, a equitatividade, exigida na Constituição para emendas individuais e de bancada. Esse ponto ainda vai ser analisado no julgamento de mérito no Supremo.
Na manifestação enviada à Corte, Pacheco havia pedido 180 dias (seis meses) para o relator-geral do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AP), encaminhar as informações sobre quem solicitou os repasses do orçamento secreto. Ele não incluiu, porém, o próprio Domingos Neto, responsável por relatar a proposta orçamentária de 2020 - naquele ano, o governo executou R$ 20 bilhões em emendas de relator do Orçamento.
TRANSPARÊNCIA
Na visão de associações da área de transparência ouvidos pelo Estadão, o documento do relator-geral de 2020, Domingos Neto, reforça a necessidade de uma atuação mais dura do Supremo para exigir que os documentos ocultos venham à tona.
"Este ofício é a prova cabal de que parlamentares que integram a cúpula do Congresso Nacional mentiram para o Supremo Tribunal Federal. ", afirmou o economista Gil Castello Branco, fundador da associação Contas Abertas.
O advogado e cientista político Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária, disse que os ofícios do relator-geral de 2020, Domingos Neto, e do ministro Rogério Marinho "reconhecem a existência do orçamento secreto, envolvendo e implicando a cúpula do Congresso e do Palácio do Planalto".
Luciano Santos, diretor do Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE), afirmou que os ofícios escancaram a existência de listas que estão sendo omitidas do público. "O que fica evidente aqui é que tem a lista", afirmou.
Procurados, Lira, Pacheco, Domingos Neto, Marinho e a Segov não se manifestaram a até a publicação desta matéria. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.