Política

Presidente do TJES admite demora em processos, fala de legado e conta "causos"

Desembargador Fabio Clem de Oliveira deixa o cargo nesta quinta-feira (14), após dois anos à frente do Poder Judiciário capixaba

Tiago Alencar

Redação Folha Vitória
Foto: Tais Valle/TJES

Por volta das 15h da última segunda-feira (11), em um Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) tomado por um clima de despedida, o atual presidente da Corte, desembargador Fabio Clem de Oliveira, de 72 anos, recebeu a reportagem do Folha Vitória para uma entrevista.

Pontual, Fábio Clem aguardava em seu gabinete no horário em que a conversa havia sido marcada. 

Em uma das mesas do local, em que cada detalhe revela o perfil minimalista e discreto do magistrado, estavam sacolas e embrulhos de presentes ainda não abertos, lembranças trazidas, a cada instante, pelos servidores do Tribunal como forma de agradecimento ao período em que o desembargador esteve à frente do Poder Judiciário capixaba como presidente.

O mandato de Fabio Clem, que preside o TJES desde dezembro de 2021, chega ao fim nesta quinta-feira (14), quando o desembargador Samuel Meira Brasil Júnior toma posse do cargo e deverá presidir a Corte pelos próximos dois anos. Ele agora seguirá apenas como desembargador do Tribunal.

Ao longo de quase uma hora de conversa com a reportagem, Clem fez um balanço de sua gestão, reconheceu falhas presentes no funcionamento da Justiça capixaba, falou sobre seu perfil político que, segundo ele, poucos conhecem, repercutiu o número considerável de magistrados julgados pelo Tribunal nos últimos anos, além de abrir espaço para contar alguns "causos".

Um deles foi a vez em que, mesmo sendo um representante do direito dos cidadãos, com o poder de decidir destinos, teve de cortar um dobrado para convencer ao telemarketing de uma empresa de telefone que não havia solicitado  o cancelamento de sua linha.

É no momento em que conta coisas mais pessoais, durante a entrevista, que vai surgindo um Fabio Clem menos inibido e de humor rápido, derrubando a primeira impressão que sempre causa a quem o vê apenas atuando como desembargador: a de um homem austero e de pouca conversa.

Confira abaixo os principais pontos da entrevista:

FOLHA VITÓRIA –  Como o senhor avalia os dois anos em que ficou à frente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo?

Fabio Clem de Oliveira – Quando começamos a gestão, eu não tinha muita noção de que como mandato terminaria, de como ele se desenvolveria. O Tribunal estava muito desmotivado. Os servidores estavam desmotivados, os juízes também com dificuldades de interrelacionamento, acho que por conta do distanciamento que pandemia (da Covid-19) impôs a todo mundo. Então, era uma incógnita.

Então, resolvi colocar meu nome à disposição para o Tribunal, para ver se eu poderia ajudar, de alguma forma, a resolver algumas coisas que observava e percebia que os outros presidentes não davam muita atenção à importância que elas tinham.

A primeira preocupação que eu sempre tive foi com o Processo Judicial Eletrônico (PJE). Mesmo muito preocupado com isso, não tinha muita noção do que fazer, porque não sou especialista na área de Tecnologia da Informação (TI). Pedi ajuda ao desembargador Pedro Valls Feu Rosa, que aceitou o cargo, não remunerado, de presidente do Comitê de Governança da Secretaria de Tecnologia da Informação do Tribunal e isso foi fundamental.

Então, em seguida, investimos tudo que foi possível nessa área e conseguimos, em dois anos, implantar o PJE em todas as comarcas do Estado.

O primeiro ano do mandato do senhor ocorreu quando a pandemia da Covid-19 ainda não estava totalmente controlada. Que ensinamentos o TJES tirou desse período, no que se refere à até então falta de modernização dos serviços prestados à sociedade?

A pandemia, embora tenha causado estragos imensuráveis, obrigou a todos os tribunais a aprender. Foi um aprendizado trabalharmos de forma remota e usar a tecnologia de informação. 

Isso, sem dúvida nenhuma, foi a largada para que a gente começasse a enxergar como a utilização de ferramentas tecnológicas criam funcionalidades para o Tribunal prestar os serviços que precisam ser prestados à população, dando respostas mais rápidas nas decisões sobre os processos das pessoas que necessitam de procurar o Poder Judiciário para resolver os seus problemas. E, em termos de implantação dessa nova tecnologia, nós estávamos parados no tempo.

O Justiça em Números, relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça, revelou, este ano, que o TJES é o 5º pior do país em solução de demandas. O senhor acredita que esse cenário pode mudar em algum momento?

A partir do momento em que houver digitalização de todos os processos, que eles forem inseridos no filtro do PJE, nós criaremos essa funcionalidade, que vai nos permitir, dentro de um breve tempo, expedir relatórios mais fidedignos da nossa realidade.

Não tenho nenhuma dúvida, pelo estágio que atingimos com a digitalização, de que, em pouco tempo, nós "espancaremos", de uma vez por todas, essa desconfortável convivência com o fato de estarmos sempre nas últimas colocações em termos de produtividade.

Quem acompanha o TJES mais de perto, sempre notou que o senhor possui um perfil mais discreto e até mesmo austero. Como foi a experiência de ser presidente do Tribunal e ter de transitar entre os demais poderes? Necessitou de uma postura mais política, digamos assim?

Não sou de um sorriso constante. Não é uma característica minha. Inclusive sempre brinco que, em fotografias, só saio de cara amarrada. No entanto, tenho, na minha personalidade, essa disposição para conversar. 

Disse, em meu discurso de posse, que trataria, e fiz isso, da interlocução do TJES com os demais poderes, entre eles o Legislativo e o Executivo, bem como com o Ministério Público e com a OAB-ES (seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil). Tratei disso como um investimento para o Tribunal, porque a gente sabe que ninguém faz as coisas sozinho.

Destaco, por exemplo, o restabelecimento do relacionamento com a OAB-ES, que  estava praticamente rompido na última administração. Isso, para mim é um motivo não só de satisfação, mas de saber que isso d´´a certo. 

Tenho, hoje, com o governador do Estado (Renato Casagrande) e com o presidente da Assembleia Legislativa (Marcelo Santos) alto grau de respeitabilidade.

Quem acompanha o Judiciário de fora, e creio que isso represente maior parte dos capixabas, enxerga pouca preocupação com as demandas da população. Na visão do senhor, a que se deve isso?

Essa, realmente, é uma frustração de quem precisa entrar na Justiça. Vou exemplificar para você. Uma vez tive uma linha de telefone minha cujos serviços foram cortados, sem que eu tenha solicitado o cancelamento. E eu discutia com a pessoa que falava comigo de um call center, e ela insistia que eu tinha pedido o cancelamento, enquanto eu dizia que não tinha.

Aí, é nesse momento que a gente se coloca na posição do cidadão comum, quando nós, por exemplo, ficamos totalmente impotentes para resolver uma situação como essa.

É imaginar assim: "Puxa, vida! Será que eu, desembargador, que vivo decidindo ações de indenizações por cortes ilegais de serviços telefônicos, de fornecimento de água e energia, vou ter que entrar na Justiça para resolver o meu problema?".

Então, quando caímos em uma situação dessas, temos noção da frustração da pessoa que precisa de entrar na Justiça e tem lidar com essa demora no resultado do seu processo.

Há uma ´série de fatores que influenciam nessa visão sobre a Justiça, entre eles a complexidade dos casos e o acúmulo de serviço que a gente tem.

Durante a gestão do senhor, um número considerável de magistrados foi julgado pelo TJES, alguns deles com penas severas aplicadas. O senhor poderia falar sobre?

No que se refere à sociedade, acho que ela fica frustrada quando um juiz é condenado e mesmo assim segue recebendo seus vencimentos. Isso me parece ser unanimidade. 

Toda vez que se fala que um juiz foi punido com aposentadoria compulsória (sanção mais severa aplicada a um magistrado), não falta quem questione por que ele não foi demitido. Mas nós vivemos em um sistema de Direito que assegura esses direitos e vantagens. E isso só vai mudar se a Constituição Federal mudar, porque ´é nela que eles estão assegurados.

Todas as vezes em que nós identificamos que um juiz está se desviando da conduta que ele deve ter, e o Tribunal toma providências em relação a ele, acho que isso acaba sendo encarado positivamente pela sociedade, apesar do lado negativo de que ele não é demitido, mas aposentado com vencimentos.

E como é ter que julgar e condenar, caso necessário, um colega de Corte?

Julgar um colega, em qualquer setor, não só como no Tribunal de Justiça, é extremamente desgastante para a gente. Mas, embora saibamos que é desgastante, é preciso ter maturidade suficiente para entender que aquele colega não pode continuar no lugar em que está, se não estiver fazendo o trabalho que um juiz deve fazer.

De professor de matemática a presidente do TJES

Em trecho mais descontraído da entrevista à reportagem, Fabio Clem relembrou a infância pobre em Alto Rio Novo, de onde saiu para tentar realizar o sonho do pai, ex-soldado do Exército, e se tornar engenheiro. 

Ele reforça que a engenharia sempre foi um sonho de seu pai, porque, de tão pobre e sem saber muito do mundo para além do lugar em que morava, o hoje desembargador tinha pouco com que sonhar.

Na Capital, acabou enveredando pela matemática, disciplina da qual se tornou professor, ao se ver obrigado a trabalhar para custear a sua permanência em Vitória. Em seguida, teve seu primeiro contato com o Direito, área em que atua há mais de quatro décadas.

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