O churrasco sempre teve um papel forte na cultura brasileira. Reunir pessoas em volta da grelha é parte da vida social e, durante muito tempo, também representou um sinal de melhora econômica.
A presença da picanha no espeto virou símbolo de estabilidade, dignidade e conquista. Servir carne bovina era, em muitos casos, sinônimo de dizer: “as coisas estão melhorando”. Hoje, esse cenário mudou. A carne ficou mais cara, o consumo caiu e, o que antes era comum, passou a ser exceção para boa parte da população.
Nesse contexto, os números ajudam a entender a dimensão da mudança. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), o consumo de carne bovina no Brasil caiu para 31,9 kg por pessoa ao ano — o menor nível desde 1996.
Enquanto isso, o preço da picanha subiu mais de 100% nos últimos anos, afastando-a cada vez mais do prato do consumidor médio. O churrasco com carne bovina, especialmente com cortes nobres, deixou de ser uma rotina para se tornar um evento raro.
As razões para esse cenário são muitas e se interligam. A alta nos custos de produção, puxada por insumos como milho e soja, aumentou o preço final da carne. A valorização do dólar encareceu os produtos agropecuários e incentivou exportações. Em 2023, o Brasil bateu recordes de venda de carne bovina para mercados externos como China e Emirados Árabes.
Picanha como Símbolo de Esperança e a Realidade Atual
Quando a exportação é mais lucrativa que o consumo interno, o mercado nacional é o primeiro a ser impactado. O resultado é uma oferta reduzida, aumento de preços e um produto que deixa de ser acessível para quem vive em reais. Apesar disso, durante a campanha eleitoral de 2022, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva usou a imagem da picanha como símbolo de esperança. A ideia de que a carne voltaria ao prato dos brasileiros funcionou bem como estratégia de comunicação.
No entanto, dois anos depois, o cenário continua apertado. A inflação nos alimentos desacelerou em relação aos piores momentos da pandemia, mas os preços seguem em patamares altos. O salário médio não acompanhou os aumentos, e o poder de compra segue comprimido. Nas gôndolas dos supermercados, o brasileiro faz escolhas que refletem a dificuldade de equilibrar orçamento e nutrição.
Além das questões de consumo, há problemas de natureza mais ampla que afetam a economia e, por consequência, o dia a dia da população. O governo atual tem adotado uma abordagem econômica que gera dúvidas no setor produtivo. A ausência de um compromisso firme com a responsabilidade fiscal, aliada a críticas recorrentes ao Banco Central e à tentativa de influenciar a política de juros, cria um ambiente de incerteza. Investimentos são postergados, decisões são revistas e a previsibilidade — essencial para quem empreende ou produz — se perde. Isso afeta toda a cadeia produtiva, inclusive a do agronegócio e da alimentação.
Impacto no Churrasco e Novos Hábitos de Consumo
Como reflexo desse cenário, o churrasco passou por mudanças. Cortes mais baratos, como frango, linguiça e carne suína, passaram a ser mais comuns. O consumo de ovos no Brasil já é um dos maiores do mundo, superando 240 unidades por habitante ao ano.
Alimentos vegetais também começaram a ocupar espaço nas grelhas, impulsionados tanto por questões de custo quanto por novos hábitos de consumo. A tradição resiste, mas adaptada à nova realidade. O churrasco de hoje não é o mesmo de anos atrás — e não por uma questão de gosto, mas de necessidade.
Adaptação e Novas Estratégias no Setor Alimentício
Diante dessa nova realidade, empresas que atuam no setor alimentício, varejo e comunicação precisam ajustar sua forma de se posicionar. O consumidor está mais sensível ao preço, mais exigente na escolha dos produtos e menos receptivo a mensagens que retratam um Brasil que não existe. Estratégias de marketing baseadas em fartura e abundância podem soar distantes, quando o que se vê na prática é contenção e ajuste. A conexão com o público, hoje, passa por sensibilidade e adaptação à realidade econômica do país.
Por fim, a pergunta “onde está a picanha que nos prometeram?” carrega um sentimento coletivo. Ela não diz respeito apenas a um corte de carne, mas à distância entre as promessas de campanha e as entregas efetivas de governo. Fala da frustração com políticas que não resolveram os problemas estruturais da economia e com um custo de vida que continua alto, mesmo com discursos otimistas. O churrasco continua, mas, assim como o país, passou por ajustes. E enquanto a retórica oficial insiste em mostrar progresso, a realidade cotidiana segue cobrando soluções concretas.