O julgamento da Ação Penal 623 na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi retomado na manhã desta quarta-feira (4). Trata-se do processo decorrente da Operação Naufrágio, deflagrada em 2008 para investigar um suposto esquema de corrupção no Judiciário do Espírito Santo.
Este é o segundo dia do julgamento, que começou em 21 de maio com a sustentação oral da defesa de 14 dos 15 réus da ação e a manifestação do Ministério Público Federal (MPF) sobre a denúncia apresentada contra os acusados de corrupção.
O primeiro a ser ouvido nesta sessão foi Aluisio Lundgren Correa, que representa a ré Roberta Schaider Pimentel – uma das filhas do ex-presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) já falecido, Frederico Guilherme Pimentel, também réu no caso.
A acusação contra Roberta, que à época dos fatos era escrevente juramentada, trata da implementação de um cartório em Cariacica, que teria sido utilizado para repassar parte da receita dos serviços prestados à família Pimentel.
Para garantir o esquema, o presidente do TJES teria, então, nomeado o advogado Felipe Sardenberg Machado para ocupar cargo titular na serventia.
“Por que se um vereador, um deputado, um senador coloca um funcionário para trabalhar no seu gabinete isso é considerado um peculato, mas quando se nomeia alguém para um cartório isso é considerado uma corrupção ativa e passiva? Eu não vejo diferenciação”, questionou o advogado.
Segundo a defesa, Roberta não tem nenhuma outra denúncia contra ela nem antes e nem depois do caso.
Correa também conta que a ré já foi prejudicada pela denúncia ao responder a um processo administrativo e ser demitida em 2009. Ela conseguiu anular o resultado, mas outro processo foi aberto e, em 2020, ela foi demitida novamente.
“Em qual família brasileira uma mulher, ainda mais sendo a mais nova da família, e casada, consegue ter voz ativa de comando? Ela só vem a ser uma voz ativa criminosa nesta denúncia”, critica o advogado.
Para a defesa, o intuito da denúncia, naquele momento, era “estigmatizar” o Poder Judiciário. Segundo ele, o período é marcado por críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Justiça brasileira.
“O Executivo avançava sobre o Judiciário e fazia uma propaganda muito negativa do Judiciário… Havia um contexto de briga entre os poderes em que o Executivo queria estigmatizar e fragilizar o Judiciário para aprovar o controle interno do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que na época o Judiciário não queria”.
Apontando outros casos que miraram o Judiciário à época, Correa afirma que o MPF também comete “excessos e erros”.
A fim de comprovar a legalidade da instalação do cartório, o advogado sinaliza que o cartório de Cariacica funciona até hoje. “Portanto não foi nenhum ato ilegal que foi feito”.
O réu Jonhny Estefano Ramos Lievori também foi ouvido nesta manhã. Ele havia sido defendido pelo defensor público Felipe Dezorzi no primeiro dia de julgamento, mas pediu para fazer a própria defesa.
Ele é acusado de participação no terceiro eixo da denúncia que trata de uma decisão judicial em favor do ex-prefeito de Pedro Canário, Francisco José Prates de Matos, o doutor Chicô. O mandatário havia sido afastado do cargo em 2007 sob acusação de fraudes em licitações.
Para reverter a decisão e reconduzir Chicô ao cargo, alega o MPF, os advogados Paulo Guerra Duque e Jonhny Estefano Ramos Lievori ofereceram vantagem indevida ao desembargador Josenider Varejão Tavares (já falecido), que concedeu a liminar e devolveu o comando da cidade ao prefeito afastado.
Segundo a Polícia Federal, uma propina de R$ 43 mil seria paga a partir de desvios de recursos públicos.
De forma semelhante às demais defesas, o advogado disse que a denúncia não trouxe um conjunto probatório além daquilo que foi a base do inquérito da Polícia Federal, fundamentado em interceptações telefônicas e interpretações dos investigadores.
Jonhny também alega que nunca foi ouvido pelo MPF. “Na audiência que foi realizada em Vitória, o MPF abdicou do direito de fazer qualquer pergunta a mim, e eu vejo que isso é de uma gravidade muito grande, porque aquele era o momento de construir um processo em um ambiente de cooperação”.
Para o advogado, “poderia ter sido feito um trabalho mais profundo” para levantar provas e sustentar a denúncia.
Finalizando a primeira parte da sessão, a subprocuradora-geral da República Luíza Cristina Frischeisen foi ouvida novamente para esclarecer alguns questionamentos da defesa.
Sobre uma suposta confissão de Felipe Sardenberg Machado – na primeira sessão, Frischeisen disse que ele teria confessado ser laranja da família Pimentel para exercer a função titular no cartório de Cariacica – a subprocuradora explicou que, na verdade, o réu apenas explicou a situação:
“Ele disse que foi convidado, que não tinha experiência e que aceita (o cargo). Foi esse o teor da declaração”.
Frischeisen lamentou o arrastamento do caso ao longo de tantos anos e concluiu sua manifestação dizendo que não é papel do MPF inovar agora.
O julgamento foi interrompido para intervalo e será retomado às 14h30 desta quarta.
Relembre a Operação Naufrágio
Ao todo, 26 pessoas foram denunciadas pelo MPF em 2010 por envolvimento em esquemas de venda de sentenças no TJES, loteamento de cartórios extrajudiciais e interferência em concursos públicos.
Conforme o MPF, o STJ recebeu, em 2021, a denúncia relacionada a cinco eventos.
Estariam envolvidos nos crimes de corrupção desembargadores, servidores e juízes do TJES, pessoas favorecidas pelas decisões supostamente compradas e seus advogados.
Réus no STJ
Dos 26 denunciados, cinco já morreram, entre eles o presidente do TJES à época, Frederico Guilherme Pimentel. Outros seis tiveram as penas prescritas por terem completado 70 anos.
Sendo assim, 15 réus podem ser condenados. Deles, pelo menos oito tinham vínculo familiar com Frederico Pimentel.
Na lista de réus estão os quatro filhos do ex-presidente do TJES:
- Frederico Luís Schaider Pimentel (conhecido como Fred), ex-juiz da Vara da Fazenda Pública de Cariacica;
- Larissa Schaider Pimentel Cortes, analista judiciário especial da 4ª Vara Cível de Vila Velha;
- Dione Schaider Pimentel Arruda, ex-escrevente juramentada do TJES;
- Roberta Schaider Pimentel, ex-escrevente juramentada do TJES.
Relacionados ao grupo estão:
- a esposa de Fred, a juíza aposentada Larissa Pignaton Sarcinelli Pimentel;
- a ex-diretora encarregada da distribuição de processos do TJES e irmã da juíza Larissa, Bárbara Pignaton Sarcinelli;
- Henrique Rocha Martins Arruda, advogado e esposo de Dione;
- Leandro Sá Fortes, ex-assessor especial do presidente Frederico Guilherme Pimentel e ex-namorado de Roberta.
Também serão julgados o atual desembargador do TJES Robson Luiz Albanez, que na época dos fatos atuava como juiz, e o advogado Gilson Letaif Mansur Filho, que teve uma conversa com Albanez grampeada pela Polícia Federal.
No diálogo interceptado, o então juiz teria prometido decidir uma ação em favor de Gilson caso ele influenciasse pela sua promoção ao cargo de desembargador no TJES – o que ocorreu em 2014.
Os empresários presentes na lista, Pedro Scopel e Adriano Mariano Scopel, pai e filho, são acusados de oferecer vantagens a desembargadores para obter decisões favoráveis aos seus interesses.
O advogado Paulo Guerra Duque, filho de Elpídio José Duque – desembargador já falecido também denunciado pelo MPF, é réu ao lado dos também advogados Jonhny Estefano Ramos Lievori e Felipe Sardenberg Machado, servidor demitido do TJES e amigo de Leandro Sá.