O relator da Ação Penal 623 no Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Francisco Falcão, proferiu seu voto na tarde desta quarta-feira (4), segundo dia de julgamento da Operação Naufrágio. O magistrado defende a condenação de 14 dos 15 réus.
Entre os que receberam a condenação está o desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), Robson Luiz Albanez. Por corrupção passiva, o relator defende a pena de 9 anos de reclusão em regime inicialmente fechado para Albanez e a perda do cargo na corte.
As demais penas variam de 4 a 21 anos, em regimes fechado ou semi-aberto. O empresário Pedro Scopel não teve voto pela condenação porque teve a pena extinta por ter completado 70 anos.
O processo é decorrente da Operação Naufrágio, deflagrada em 2008 para investigar supostos casos de corrupção no Judiciário do Espírito Santo.
Os denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) – originalmente 26 – são acusados de participar de um esquema de venda de sentenças no TJES, loteamento de cartórios extrajudiciais e interferência em concursos públicos.
O voto de Falcão tem, na íntegra tem 670 páginas. Resumidamente, o ministro disse que não acolhe os argumentos das defesas de que as provas baseadas em interceptações telefônicas são inválidas.
O relator também rejeitou a alegação de que algumas mídias não estariam disponíveis. Segundo ele, todo o material coletado pela Polícia Federal consta no acervo probatório da denúncia.
Ao longo da sessão, foram reproduzidos os áudios utilizados para embasar a acusação do MPF e os demais conteúdos utilizados como prova.
O voto foi feito em partes, conforme os cinco eventos criminosos apontados pela denúncia detalhados. Veja aqui.
Acusados usaram “expressões codificadas”
O ministro defendeu que as interceptações comprovam as atuações ilícitas dos 15 acusados de corrupção. Falcão também citou diversas situações em que eles utilizaram “expressões codificadas” para falar sobre oferecimento e recebimento de vantagens indevidas e manipulação de decisões judiciais.
Sobre o caso que envolve os empresários Pedro Scopel e Adriano Mariano Scopel, pai e filho, Falcão entendeu que eles pagaram para que Frederico Luis Schaider Pimentel (Fred), filho do presidente do TJES à época, Frederico Guilherme Pimentel, e Paulo Guerra Duque, filho de Elpídio José Duque – desembargador já falecido também denunciado pelo MPF –, redirecionassem um processo de seu interesse para obter decisão favorável.
Segundo o relator, as provas dão conta de que os Scopel buscaram alcançar benefícios processuais em detrimento do outro grupo que disputava o controle empresarial do Terminal Portuário Peiú. “Arquitetaram planos em conluio com Frederico Luis Schaider Pimentel e Paulo Guerra Duque em troca de duas motocicletas importadas”.
Já Frederico e Paulo teriam intermediado a relação entre os empresários e os pais.
“O teor das conversas telefônicas, obtidas através das interceptações, é de rigor o reconhecimento da entrega de vantagem ilícita de duas motocicletas pelos réus Pedro e Mariano em favor de Frederico e Paulo Duque em troca da prática de atos de ofício pelos desembargadores, visando o direcionamento de autos, a prolação de decisão favorável aos interesses dos réus, de modo que cometeram os delitos”, afirmou Falcão.
Cartório em Cariacica: provas “cristalinas” de corrupção
Já sobre a implementação de um cartório em Cariacica, que teria sido utilizado para repassar parte da receita dos serviços prestados à família Pimentel, Falcão entendeu que os elementos comprovam de forma “cristalina” a corrupção no procedimento.
O relator concorda com a denúncia ao entender que para garantir o esquema, o presidente do TJES teria, então, nomeado o advogado Felipe Sardenberg Machado para ocupar cargo titular na serventia.
“As incongruências são evidentes”, disse Falcão. “Fica claro que as conversas estavam relacionadas ao recebimento de parte da receita das atividades do cartório de Cariacica. Com isso, fica superada a frágil linha de argumentação da defesa”.
Quase R$ 100 mil encontrados no banheiro da casa dos réus
O ministro ainda pontuou que foram encontrados R$ 99 mil em espécie no lavabo da casa de Frederico Luis Pimentel, Larissa Sarcinelli e Bárbara Sarcinelli, o que comprovaria o recebimento dos lucros indevidos do cartório.
O voto, então, conclui que “os réus agiram em conluio com o desembargador e se beneficiaram diretamente da prática criminosa ao receber um percentual dos lucros gerados pela serventia”.
Falcão também afirma que, sobre Felipe Sardenberg Machado, “não ficou comprovada nenhuma experiência em atividades notariais que justificassem sua designação para titularidade provisória do cartório de Cariacica”.
Em relação ao terceiro eixo, que trata de decisão judicial em favor do ex-prefeito de Pedro Canário, Francisco José Prates de Matos – o doutor Chicô -, o ministro mais uma vez se fundamentou nas interceptações telefônicas para defender as condenações:
Agulhas, balas, convites, varas de mandioca, temos tudo isso nesse processo. Fosse o caso de interpretarmos literalmente as conversas, elas seriam absolutamente despedidas de contexto e nexo. Como se sabe pelo contexto… seu real significado chama-se ‘propina’.
Segundo o relator, com base nos diálogos grampeados é possível constatar que os réus tentaram maquiar os sentidos das falas utilizando outras expressões em códigos para se referir ao dinheiro, “na tentativa de não se comprometerem em caso de possível interceptação telefônica”.
Sendo assim, ele concluiu que houve oferecimento e recebimento de vantagem indevida para garantir a distribuição do processo direcionada ao desembargador Josenider Varejão Tavares (réu falecido), que proferiu decisão favorável aos réus.
Sobre o episódio que envolve a empresa Stone Mineração, condenada em honorários em favor do advogado Pedro Celso Pereira (falecido), e o então juiz da 6ª Vara Cível de Vitória, Robson Luiz Albanez – atual desembargador do TJES -, o ministro disse que tratou-se de um “plano criminoso”.
O advogado Pedro – para não perder os honorários – teria contado com o apoio de Paulo Guerra Duque e do desembargador Josenider Varejão Tavares para exercer influência sobre o relator do caso, o desembargador já falecido Elpídio José Duque.
O advogado Gilson Letaif Mansur Filho, também réu no STJ, teria atuado no caso como advogado de Pedro Celso e auxiliou na obtenção da decisão favorável.
Conforme Falcão, as interceptações “mostram que os advogados marcaram encontros pessoais, direcionaram a distribuição, discutiram a composição do órgão julgador e o teor da decisão judicial que efetivamente satisfaz o interesse dos corruptores”.
O último evento diz respeito ao bloqueio de mais de R$ 1 milhão da empresa Viação Serrana pelo então juiz Robson Luiz Albanez.
O réu então juiz, “imprimiu uma celeridade incomum” no caso, conforme o relator. Falcão se fundamentou nos áudios para concluir que o magistrado pediu em troca, de fato, ajuda a Gilson Letaif Mansur Filho para influenciar os desembargadores e se eleger para uma vaga no TJES.
“Esses pedidos realizados pelo magistrado a um advogado representam verdadeira troca de favores. Pelo fato de ter resolvido o impasse anteriormente mencionado, beneficiando Gilson no cumprimento de sentença que tramitava com celeridade incomum para as Varas Cíveis de uma comarca com várias movimentações – comprova-se o favorecimento da parte”.
A atuação de Albanez, que para o ministro pediu uma compensação pela decisão favorável, foi “parcial” – “postura essa sabiamente vedada”. “A imparcialidade do magistrado funciona como a garantia da justiça”, argumentou Falcão.
A ocorrência ou não da promoção desejada ao cargo de desembargador, “constitui mero exaurimento do crime, não interferindo em sua tipicidade”, defendeu o ministro.
“Conclui-se que Gilson promoveu vantagem indevida ao juiz Robson Albanez para que decidisse a seu favor nos autos do cumprimento de sentença… consistente no uso de sua influência ao TJES para que juízes mais antigos fossem promovidos por merecimento com rapidez, dando lugar à sua promoção a desembargador por antiguidade, cometendo o delito”.
Falcão também entendeu que Albanez solicitou recebimento de vantagem indevida.
O relator ainda disse que a pena privativa de liberdade é superior a um ano e o crime foi praticado contra a administração pública, “de modo que incide o efeito secundário da condenação prevista para resguardar a sociedade e a credibilidade da Justiça”.
Condenações por corrupção ativa (voto do relator):
- Adriano Mariano Scopel: 9 anos, 8 meses e 20 dias de reclusão, 426 dias-multa em regime fechado;
- Felipe Sardenberg Machado: 4 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, 80 dias-multa em regime semi-aberto;
- Jonhny Estefano Ramos Lievori: 4 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, 80 dias-multa em regime semi-aberto;
- Gilson Letaif Mansur Filho: 8 anos e 4 meses de reclusão, 213 dias-multa em regime fechado.
Condenações por corrupção passiva (voto do relator):
- Frederico Luís Schaider Pimentel: 16 anos e 6 meses de reclusão, 429 dias-multas em regime fechado;
- Roberta Schaider Pimentel: 4 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, 80 dias-multa em regime semi-aberto;
- Dione Schaider Pimentel Arruda: 4 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, 80 dias-multa em regime semi-aberto;
- Larissa Schaider Pimentel Cortes: 4 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, 80 dias-multa em regime semi-aberto;
- Leandro Sá Fortes: 4 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, 80 dias-multa em regime semi-aberto;
- Henrique Rocha Martins Arruda: 4 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, 80 dias-multa em regime semi-aberto;
- Larissa Pignaton Pimentel: 4 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, 80 dias-multa em regime semi-aberto;
- Bárbara Pignaton Sarcinelli: 4 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, 80 dias-multa em regime semi-aberto;
- Robson Luiz Albanez: 9 anos, 8 meses e 20 dias de reclusão, 249 dias-multa em regime fechado e a perda do cargo de desembargador do TJES.
Condenação por corrupção ativa e passiva (voto do relator):
- Paulo Guerra Duque: 21 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, 506 dias-multa em regime fechado.
Réus da Operação Naufrágio
Dos 26 denunciados, cinco já morreram, entre eles o presidente do TJES à época, Frederico Guilherme Pimentel. Outros seis tiveram as penas prescritas por terem completado 70 anos.
Sendo assim, 15 réus podem ser condenados. Deles, pelo menos oito tinham vínculo familiar com Frederico Pimentel.
Na lista de réus estão os quatro filhos do ex-presidente do TJES:
- Frederico Luís Schaider Pimentel (conhecido como Fred), ex-juiz da Vara da Fazenda Pública de Cariacica;
- Larissa Schaider Pimentel Cortes, analista judiciário especial da 4ª Vara Cível de Vila Velha;
- Dione Schaider Pimentel Arruda, ex-escrevente juramentada do TJES;
- Roberta Schaider Pimentel, ex-escrevente juramentada do TJES.
Relacionados ao grupo estão:
- a esposa de Fred, a juíza aposentada Larissa Pignaton Sarcinelli Pimentel;
- a ex-diretora encarregada da distribuição de processos do TJES e irmã da juíza Larissa, Bárbara Pignaton Sarcinelli;
- Henrique Rocha Martins Arruda, advogado e esposo de Dione;
- Leandro Sá Fortes, ex-assessor especial do presidente Frederico Guilherme Pimentel e ex-namorado de Roberta.
Também serão julgados o atual desembargador do TJES Robson Luiz Albanez, que na época dos fatos atuava como juiz, e o advogado Gilson Letaif Mansur Filho, que teve uma conversa com Albanez grampeada pela Polícia Federal.
No diálogo interceptado, o então juiz teria prometido decidir uma ação em favor de Gilson caso ele influenciasse pela sua promoção ao cargo de desembargador no TJES – o que ocorreu em 2014.
Os empresários presentes na lista, Pedro Scopel e Adriano Mariano Scopel, pai e filho, são acusados de oferecer vantagens a desembargadores para obter decisões favoráveis aos seus interesses.
O advogado Paulo Guerra Duque, filho de Elpídio José Duque – desembargador já falecido também denunciado pelo MPF, é réu ao lado dos também advogados Jonhny Estefano Ramos Lievori e Felipe Sardenberg Machado, servidor demitido do TJES e amigo de Leandro Sá.