
O procurador-geral da República Paulo Gonet pediu nesta terça-feira (14) a condenação de todos os sete réus do núcleo de desinformação (núcleo 4) do plano de golpe. Entre eles está o major da reserva do Exército do Espírito Santo Ângelo Martins Denicoli.
No núcleo 4 estão sete denunciados que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), ficaram responsáveis por “operações estratégicas de desinformação” e ataques ao sistema eleitoral e a instituições e autoridades, o que Gonet chamou de “guerra informacional”.
O procurador-geral conectou a campanha de fake news diretamente ao desfecho violento de 8 de Janeiro de 2023. Na visão dele, o grupo fez um “manejo estratégico de informações sabidamente falsas como instrumento de desestabilização social”.
“A revolta popular verificada ao final do iter criminis (caminho do crime) tem relação causal com a trama gerada e insuflada pela ação deste núcleo de acusados”, defendeu.
“Foram os integrantes deste núcleo que se dedicaram a fabricar e a disseminar narrativas falseadas no intuito de incutir na população a convicção de que a estrutura democrática estava se voltando sordidamente contra o povo”, complementou Gonet.
O procurador-geral foi o primeiro a apresentar seus argumentos aos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele falou por uma hora. As defesas têm a prerrogativa de falar por último.
Veja quem responde ao processo no núcleo 4:
– Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão reformado do Exército;
– Ângelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército;
– Carlos César Moretzsohn Rocha, ex-presidente do Instituto Voto Legal (IVL);
– Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército e ex-servidor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
– Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel do Exército;
– Marcelo Araújo Bormevet, policial federal e ex-servidor da Abin;
– Reginaldo Vieira de Abreu, coronel do Exército.
Este é o segundo julgamento da trama golpista no STF. No mês passado, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os outros sete réus do “núcleo crucial” do plano de golpe foram condenados.
Ao condenar Bolsonaro, a Primeira Turma do STF reconheceu a existência dos crimes narrados na denúncia, o que na prática torna o contexto desfavorável para os outros núcleos.
O procurador-geral defendeu que, com a condenação do “núcleo crucial”, os demais grupos que estavam a seu serviço também devem ser declarados culpados.
“É certo que dentro de uma organização criminosa os seus integrantes respondem pela totalidade dos ilícitos cometidos. Mesmo as condutas distantes cronologicamente são alcançadas pelas novas ações praticadas por outros integrantes, uma vez que dirigidas para a mesma finalidade”, argumentou Gonet.
Com isso, o procurador-geral busca neutralizar argumentos das defesas, que tentam descolar os réus das lideranças do plano de golpe. Os advogados alegam que seus clientes não tinham poder decisório nem influência suficiente para contribuir para o 8 de Janeiro.
O procurador-geral da República organizou as provas em uma linha do tempo. Gonet descreveu ações que, na avaliação dele, foram coordenadas com um único objetivo: manter Bolsonaro no poder em detrimento do resultado das eleições. Com isso, mesmo que todos os réus não tenham participado de todas as etapas do plano, cada um contribuiu, na parte que lhe cabia, para o objetivo final, na visão da PGR.
As defesas, por sua vez, buscam isolar as acusações para tentar minimizar a situação de seus clientes.
Abin paralela
Ao apresentar seus argumentos, o PGR deu destaque para o uso da estrutura da Abin por uma “célula infiltrada” na agência para produzir notícias falsas, promover ataques a instituições e monitorar autoridades. A Abin operou como uma “central de contrainteligência” a serviço do plano golpista, segundo o procurador-geral.
“O uso indevido da estrutura do Estado foi essencial para a manipulação e distorção de informações com aparência técnica”, alertou Gonet.
O procurador-geral ligou o ex-presidente diretamente ao trabalho clandestino que teria sido desenvolvido na Abin. Gonet afirma que as operações eram coordenadas, “concentrando a produção e disseminação de notícias falsas contra os mesmos alvos apontados publicamente por Jair Bolsonaro“.
Pressão sobre as Forças Armadas
Os denunciados também são acusados de ameaçar e atacar aos então comandantes do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, que rejeitaram o golpe.
“Que a intimidação não tenha resultado na mudança dos militares legalistas não desengrandece a sua gravidade no contexto da tentativa de golpe. A agressividade usada, sobretudo em um meio social marcado pelo respeito à hierarquia, bem assim o momento em que se desenvolveram, são elementos que atestam a importância do comportamento no cenário insurgente”, repreendeu Gonet.
Urnas eletrônicas
Segundo a PGR, o grupo também tentou manipular o relatório do Ministério da Defesa que atestou a integridade das urnas e descartou fraudes nas eleições de 2022.
Esse núcleo teria sido responsável ainda por produzir materiais falsos sobre as urnas para divulgação pelo influenciador argentino Fernando Cerimedo em uma transmissão ao vivo e para subsidiar a ação do Partido Liberal junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O PL pediu a anulação do resultado das eleições de 2022 alegando mau funcionamento de parte das urnas e foi multado em R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé.