Uma semana difícil para ser mulher no Brasil Uma semana difícil para ser mulher no Brasil Uma semana difícil para ser mulher no Brasil Uma semana difícil para ser mulher no Brasil
Uma semana difícil para ser mulher no Brasil

A semana que se encerra hoje (25) foi testemunha de três episódios lamentáveis no País, principalmente para as mulheres. Episódios esses que mostram o quanto a “pátria amada” tem falhado em proteger, defender e tratar com justiça e dignidade as suas filhas.

No início da semana, numa repartição pública – Procuradoria Municipal de Registro (SP) – a procuradora-geral Gabriela Barros foi covardemente espancada por um colega de trabalho, o também procurador Demétrius Macedo. Numa sessão de chutes e socos, ele chega a tirar sangue da cabeça da colega, que é também sua chefe.

A fúria do valentão teria sido motivada porque Gabriela autorizou que fosse aberta uma sindicância para apurar suposto comportamento agressivo de Demétrio com relação a outras funcionárias. É o que a equipe supõe, uma vez que ele já teria chegado na sala agredindo – não só Gabriela, pois ele também empurrou uma outra mulher que bateu as costas na parede –, sem falar ou expor qualquer motivo.

O caso ganhou repercussão principalmente por conta das imagens, já que uma funcionária filmou. Mas, há muitas outras “gabrielas” vivenciando diversos tipos de violência e que não são vistas e nem ouvidas. Muitas até já foram silenciadas para sempre.

De janeiro a maio deste ano, o Estado registrou 8.809 ocorrências de violência contra mulheres ou 58 casos por dia. Um número 11,8% maior que o registrado no mesmo período do ano passado (7.882). Nos primeiros cinco meses do ano também foram mortas 44 mulheres, sendo 13 por feminicídio – quando a mulher é assassinada pelo simples fato de ser mulher, em contextos de violência doméstica que têm como autor, na maioria das vezes, o companheiro ou o ex.

Em entrevista para o programa “De Olho no Poder”, na última quinta-feira (23), o ex-secretário da Segurança Pública falou sobre a dificuldade que é combater esse tipo de crime. “A gente vive numa sociedade brasileira machista, onde o homem encara a mulher como propriedade. Passou da hora das escolas abordarem esse assunto com muita clareza. Começar da base. É um crime muito difícil de ser combatido, porque é um crime cometido entre quatro paredes, muitas vezes na espreita, na perseguição”, disse coronel Alexandre Ramalho.

Logo após as agressões, o procurador Demétrius chegou a ser ouvido numa delegacia e liberado, por não ser flagrante. Porém, a prisão preventiva dele foi pedida e determinada pela Justiça e ele foi preso, quando tentava se internar numa clínica psiquiátrica.

A dor da fome

No dia seguinte, o país conheceu a Dona Janete. Uma avó carioca de 57 anos, desempregada, viúva que chorou durante uma entrevista, diante das câmeras, por não ter comida para dar para os quatro netos. “Domingo a gente não tinha nada para comer. Eu estou desempregada, está muito difícil. Eu estou catando latinha, mas não dá”, disse ela, em lágrimas.

Dona Janete perdeu o marido há seis meses e a filha há dois anos. Desde então cuida dos quatro netos. Na última terça-feira, ela estava na fila do programa Prato Feito Carioca, que distribui refeições para pessoas em situação de vulnerabilidade, quando foi entrevistada e comoveu o país.

A fome no Brasil tem face e é de mulher. Segundo pesquisa do economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais FGV Social, a parcela dos brasileiros que não teve dinheiro para se alimentar e nem alimentar a família em algum momento durante o ano subiu de 30%, em 2019, para 36%, em 2021. E há em curso um fenômeno descrito, por ele, como “feminização da fome”.

“Observa-se uma diferenciação entre gêneros nesse quesito, visto que durante a pandemia os homens ficam relativamente estáveis na insegurança alimentar e entre as mulheres, principalmente aquelas entre 30 e 49 anos, onde o aumento foi maior, subiu de 33% para 47%. Como resultado, a diferença entre gêneros da insegurança alimentar em 2021 é seis vezes maior no Brasil do que na média global”, diz o estudo.

Isso significa que as mulheres passam mais fome que os homens. “Vale ressaltar que ela já era mais alta no Brasil, pelos impactos nas mulheres e nas crianças, cuja tendência de proximidade das mulheres com os filhos é maior, principalmente no Brasil. Isso gera consequências para o futuro do país, uma vez que subnutrição infantil deixa marcas permanentes físicas e mentais para toda vida”, afirma a pesquisa.

É comum, em lares muito pobres, as mães deixarem de comer para alimentar seus filhos. As mulheres são também as que mais sofrem com o desemprego. Dos 12 milhões de desempregados no País, 6,5 milhões são mulheres e 5,4 milhões são homens, segundo dados do IBGE levando-se em conta números do quarto trimestre de 2021.

A dor do abuso

Já na quarta-feira (22), chegou ao fim o suplício de uma menina de 11 anos, estuprada e engravidada, que teve seu direito de fazer um aborto legal negado por uma juíza, em Santa Catarina. Na quarta-feira, após muita repercussão e pressão popular, o procedimento foi realizado, segundo o Ministério Público Federal (MPF).

A família da menina descobriu a gravidez já com 22 semanas. Procurou um hospital para interromper a gestação, mas a unidade negou o procedimento alegando uma norma interna que só permitia a interrupção até a 20ª semana – o Código Penal não delimita tempo para o aborto em caso de estupro. O hospital disse que a família precisaria de uma ordem judicial.

A mãe da menina então buscou a Justiça. Na audiência, a juíza Joana Zimmer perguntou à vítima se ela suportaria esperar “mais um pouquinho” para fazer um parto. Chegou a perguntar a ela se o pai (estuprador) concordaria em entregar o bebê para doação e coagiu a menina a desistir de abortar.

Para aumentar ainda mais a tortura que a criança já estava sofrendo, a juíza ainda enviou a menina para um abrigo, no intuito que a mãe dela não realizasse a interrupção da gestação e que a menina esperasse pelo parto, mesmo ela tendo laudos atestando que a gravidez colocaria sua vida em risco. Os laudos foram ignorados, assim como a decisão da família e o estado da criança, a principal vítima. A menina ficou mais de um mês no abrigo.

Só depois que o caso veio à tona, através de uma reportagem do site The Intercept Brasil com o Portal Catarinas, que a lei foi cumprida e a menina teve seu direito garantido. Mas, nem todos os casos chegam ao conhecimento público.

Segundo a Ouvidoria do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foram registradas 7.447 denúncias de estupro no Brasil nos cinco primeiros meses do ano. Das vítimas, 5.881 são crianças ou adolescentes, ou seja, 79% dos casos. No mesmo período do ano passado foram registrados 4.475 estupros de crianças e adolescentes, o que representa, de 2021 para 2022, um aumento de 31%.

Nas redes sociais e em alguns parlamentos, o assunto rendeu. O aborto ganhou mais peso que o estupro. O feto mais importância que a menina violentada. E a hipocrisia tomou o lugar da sensatez. Ora, se a lei permite o aborto em caso de estupro, a decisão não cabe ao médico, à Justiça, ao político ou ao líder religioso. A decisão cabe somente à vítima e à sua família. Ponto.

É interessante constatar que muitos que gritam para o fruto de um estupro nascer não têm o mesmo empenho em tirar crianças da linha da pobreza, da vida nas ruas, da cooptação de bandidos, das mãos dos abusadores e de uma infância inteira num orfanato. Segundo dados do mês de maio, 101 crianças e adolescentes aguardam por uma adoção no Estado. Mas o importante é o feto nascer, depois, pouco importa o que acontecerá com ele.

Não há a menor preocupação também com o trauma psicológico das vítimas de estupro, com a crueldade que é carregar em seu corpo a marca da violência sofrida e revivê-la, à medida que a barriga cresce. Além da ferida para uma vida inteira, muitas ainda enfrentam olhares desconfiados, como se fossem culpadas de terem sido violentadas.

É dessa forma que muitas meninas e mulheres são tratadas no Brasil e o pior é que não há, a curto prazo, nenhuma perspectiva de dias melhores.

Fabiana Tostes

Jornalista graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e acompanha os bastidores da política capixaba desde 2011.

Jornalista graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e acompanha os bastidores da política capixaba desde 2011.