Política

Vereador de Vitória é condenado por coagir juíza e promotor de Justiça

Armandinho Fontoura e jornalista Jackson Rangel foram condenados por falas na tribuna e reportagens contra autoridades

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Armandinho Fontoura
Armandinho Fontoura, vereador de Vitória. Foto: Reprodução/CMV

A primeira instância da Justiça do Espírito Santo condenou o vereador de Vitória Armandinho Fontoura (PL) por coagir uma juíza e um promotor de Justiça. Na ação movida pelo Ministério Público do Estado (MPES), o jornalista Jackson Rangel Vieira também foi condenado por coação contra a mesma magistrada. O processo é sigiloso.

As vítimas são Gisele Souza de Oliveira, juíza titular da 4ª Criminal de Vitória, e Rafael Calhau Bastos. Conforme a sentença, assinada pelo juiz Luiz Guilherme Risso da 2ª Vara Criminal da Capital, a condenação dos réus “é medida de rigor que se impõe”.

A ação trata de três casos, sendo dois deles atribuídos somente ao parlamentar – a coação contra o promotor. Já contra a juíza, o entendimento é de que tanto o vereador, quanto o jornalista, agiram para “minar a credibilidade da magistrada” e obter, assim, “favorecimento em processos de seus respectivos interesses”.

Ambos os réus podem recorrer da condenação à mesma instância ou ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).

Foi por essa mesma ação que Armandinho foi afastado do cargo de vereador em janeiro de 2023, quando cumpria o primeiro mandato na Câmara Municipal de Vitória. À época, ele havia sido eleito para presidir a Casa e não pôde assumir a função.

Na data, o vereador e o jornalista também estavam presos por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes por promover ataques à democracia.

Críticas à atuação de juíza

É relatado na decisão que no dia 1º de junho de 2022, Armandinho Fontoura, enquanto presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra a Cesan instalada na Câmara, criticou a atuação da juíza e dirigiu ataques à 4ª Vara Criminal.

Em seu discurso, o vereador afirmou que as ações da juíza – neste caso dois Habeas Corpus “que contrariavam os interesses da CPI” – eram uma “tentativa de obstrução judicial”, que as decisões eram “copia e cola” e que havia manipulação da distribuição dos casos para que eles caíssem na mesma vara.

“Só não pode cair na 4ª Vara, porque se cair já sabe. Ali a decisão é ‘Ctrl C + Ctrl V’. Nós já fizemos inclusive uma reclamação ao TJES para acabar com essa pouca vergonha, com essa fraude na distribuição”, disse Armandinho.

Diante da fala, o juiz Risso entendeu que o parlamentar “não emitiu uma simples crítica, mas sim imputou à magistrada a prática de crimes gravíssimos, como corrupção e prevaricação”.

Segundo a decisão, o crime de coação envolve “grave ameaça” e “dolo específico” que também foram comprovados:

“A grave ameaça não se resume apenas à promessa de mal físico. Ela se configura também, também, por meio da intimidação moral e psicológica, do abalo à honra e à reputação profissional”, explica Risso.

Já o dolo que visa favorecer interesse próprio ou alheio, “resta igualmente cristalino”. Para o juiz, os ataques tinham o objetivo de criar um ambiente de hostilidade e suspeição que tornasse a permanência da juíza à frente dos processos insustentável.

“O interesse próprio de Armandinho era, portanto, remover um obstáculo judicial que ele percebia em sua atuação na CPI”, escreveu Risso.

Já o jornalista Jackson, conforme a decisão, “disseminou falas caluniosas e ameaças em desfavor da juíza, uma vez que fez circular em seu site os referidos ataques e ameaçadoras matérias desinformativas, visando beneficiar o seu próprio interesse nas ações penais que respondia à época na 4ª Vara Criminal de Vitória”.

Uma das matérias publicadas por ele tinha o seguinte título: Operações sempre são “distribuídas” para a 4ª Vara Criminal de Vitória; e o subtítulo: Algo suspeito ocorre com evidências “aritméticas”.

Para Risso, as reportagens do réu constituíram uma “sistemática exposição negativa da imagem da juíza, imputando-lhe a participação em um esquema de manipulação de distribuições processuais”.

Levando em conta as ações dos réus, o juiz entendeu que, embora tenham negado qualquer vínculo, eles agiam de forma coordenada, uma vez que um retroalimentava o outro.

Conduta e idoneidade de promotor colocadas em xeque

Neste caso, apenas Armandinho é réu. Segundo a decisão, o vereador, em 24 de outubro de 2022, em seu discurso na tribuna, colocou em xeque a conduta e idoneidade do promotor e da equipe dele.

“O promotor […] está com investigação parada. O mesmo promotor que arquivou ‘curiosamente’ o caso do pen drive do DETRAN”, disse Armandinho lembrando da investigação sobre um suposto esquema de corrupção do “cerco eletrônico”.

Sobre o arquivamento do processo, homologado posteriormente pelo Conselho Superior do MPES, o vereador afirmou que “a omissão” do órgão “permitiu que essa fraude licitatória colocasse mais de R$ 40 milhões no bolso do consórcio empresarial criminoso” que venceu a licitação.

Tais declarações, para Risso, continham grave ameaça ao promotor e objetivavam intimidá-lo no exercício da função.

Também é pontuado que um dos processos contra o jornalista Jackson que tramitam na 4ª Vara Criminal de Vitória, da juíza Gisele, foi oferecido pelo promotor Rafael Calhau Bastos, que ainda preside um processo administrativo instaurado contra Armandinho por suposta prática de “rachadinha” em seu gabinete.

Para o juiz, a atuação do promotor “em duas frentes que contrariavam os interesses do réu”, foram as razões pelas quais ele proferiu as declarações na Câmara, entendendo que “qualquer ato que contrarie os interesses do acusado será punido com a execração pública”.

“O réu não exerceu o direito à crítica ou à fiscalização, inerente ao seu mandato. Pelo contrário, ele imputou ao promotor, de forma direta e ostensiva, a prática de prevaricação e corrupção passiva, associando a imagem e o nome da vítima a um suposto esquema de ‘propina’ e ‘crime organizado'”, escreveu Risso.

Sentença e penas

O juiz concluiu que Armandinho “traiu a própria essência de seu mandato, utilizando o poder que o povo lhe confiou não para o bem comum, mas como meio para a prática de um ilícito penal”.

Enquanto isso, o jornalista Jackson teria violado o dever inerente à sua profissão. Para Risso, ele utilizou seu jornal para criar e disseminar “narrativas falaciosas com o propósito específico de ameaçar e constranger as autoridades que atuavam em processos de seu interesse”.

Sendo assim, o vereador foi condenado a três anos e três meses de reclusão em regime aberto e 26 dias-multa, e o jornalista a um ano e seis meses de reclusão em regime aberto e 12 dias-multa.

Como as penas não excederam o patamar de quatro anos, ambas foram convertidas para duas penas restritivas de direitos a serem definidas pela Vara de Execução Criminal competente.

Além disso, os dois réus deverão pagar R$ 5 mil a cada uma das vítimas – valor mínimo para reparação dos danos morais causados pelos crimes cometidos – e arcar com as custas processuais.

Defesa dos réus

Em nota, o vereador Armandinho Fontoura afirma que a decisão apresenta contradições. A primeira delas, segundo o parlamentar, é que não foram apresentadas provas da associação do político com o jornalista.

Armandinho ainda argumenta que ele e Jackson não foram processados pela juíza. “Em seus depoimentos, ela afirmou expressamente que não se sentiu coagida ou intimidada”, diz trecho da nota.

O vereador, por fim, alega tratamento desigual e cerceamento à liberdade de expressão. “Reitero minha confiança no sistema judicial brasileiro e acredito que essas inconsistências serão revisadas, seja pelo magistrado responsável, seja pelo Tribunal de Justiça”, afirma.

O jornalista Jackson Rangel Vieira disse, em nota, que vai recorrer e que a sentença é frágil e se fundamenta “em falsa narrativa”. Veja na íntegra:

“Com 42 anos de jornalismo opinativo e investigativo, nunca vi jornalista dar notícia contra outro jornalista de sentença de primeira instância. O Juiz julgador, a juíza e promotor, supostamente vítimas, formam, na minha opinião, um corporativo verdugo. Quando o jornalista reverte a decisão ou é absolvido, não vira notícia. Está de vaca não conhecer bezerro. Vamos recorrer e representar no MPES sobre o vazamento de processo sigiloso em seu início. O crime de quebra de sigilo está sendo reverberado por parte de mídia cujos patronos também tem processos e condenações. Aos 62 anos, até presente data sou réu primário. Sentença frágil com fundamento em falsa narrativa.”

Veja a nota do vereador Armandinho Fontoura na íntegra

“A recente sentença proferida contra mim, na condição de vereador, alega que a propagação de conteúdo jornalístico na tribuna da Câmara teria tido o objetivo de coagir uma juíza em um processo envolvendo um jornalista, em que eu sequer era processado. E também um promotor, que atuava em procedimentos sobre o Pen Drive do Detran.

Contudo, a decisão judicial apresenta contradições evidentes em relação aos fatos apurados, que passo a esclarecer:

  1. Ausência de provas de associação com o jornalista: O relatório final da Polícia Federal nacional, elaborado no âmbito da 1ª fase da operação Lesa Pátria, conduzida em dezembro de 2022 por petição da mesma ex-Procuradora Geral que moveu essa ação, analisou seis anos de quebra de sigilos telefônicos e de mensagens, decretado pelo Ministro Alexandre de Moraes, identificando apenas três contatos entre o vereador e o jornalista em 2021 e nenhuma mensagem sobre o caso da juíza Gisele de Souza, que embasou a sentença condenatória. Tampouco encontrou algo sobre o promotor de justiça em questão. A própria Polícia Federal nacional não indiciou o vereador, confirmando a inexistência de indícios de conluio ou associação para prática de qualquer crime com o jornalista. Isso deveria ser prova incontroversa e e admitida como prova emprestada do outro procedimento, de âmbito nacional. Como, então, a sentença local pode sustentar tal narrativa sem apresentar uma única prova concreta de ligação entre as partes, contrariando relatório da própria PF brasileira? Se houve se conluio ou associação entre os agentes, deveria aparecer algo, como contatos frequentes, contemporâneos e mensagens sobre o assunto.
  2. Declaração da suposta vítima: A juíza Gisele de Souza, apontada como vítima na sentença, jamais processou o vereador ou o jornalista. Em seus depoimentos, ela afirmou expressamente que não se sentiu coagida ou intimidada. Diante disso, como justificar uma decisão judicial que presume intimidação, em contradição com a própria manifestação da suposta vítima?
  3. Tratamento desigual e cerceamento à liberdade de expressão: Jornais e parlamentares, de diferentes espectros políticos, já manifestaram críticas em processos envolvendo figuras públicas, como Lula e Bolsonaro, questionando autoridades judiciais, como Sérgio Moro, Procuradores do MPF de Curitiba, Promotores do MP-SP, o Ministro Alexandre de Moraes e outros, sem que fossem processados por coação ou intimidação. Esse precedente, aplicado de forma inovadora e exclusiva no Espírito Santo, levanta sérias preocupações sobre a liberdade de imprensa e a atuação parlamentar.

Reitero minha confiança no sistema judicial brasileiro e acredito que essas inconsistências serão revisadas, seja pelo magistrado responsável, seja pelo Tribunal de Justiça. A verdade já foi corroborada pelo relatório final da Polícia Federal, que desmontou narrativas locais construídas para silenciar nossa voz. Seguiremos firmes na defesa da justiça e da liberdade de expressão”.

Julia Camim

Editora de Política

Atuou como repórter de política nos veículos Estadão e A Gazeta. Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa, é formada no 13º Curso de Jornalismo Econômico do Estadão em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.

Atuou como repórter de política nos veículos Estadão e A Gazeta. Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa, é formada no 13º Curso de Jornalismo Econômico do Estadão em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.