No Dia Nacional dos Surdos, celebrado nesta sexta-feira, 26 de setembro, a discussão sobre acessibilidade ganha um contorno concreto: garantir que cada pessoa, com suas particularidades sensoriais e cognitivas, tenha acesso pleno à experiência de fé.
Na Igreja Cristã Maranata (ICM), essa pauta deixou de ser promessa e tornou-se prática. O Seminário de Acessibilidade, realizado no dia 20 de setembro, no Maanaim de Domingos Martins (ES), consolidou um movimento que se espalha pelas igrejas: formar intérpretes, professores e voluntários; ajustar rotinas e ambientes; produzir material visual e tátil, e, sobretudo, remover barreiras para que os cultos e Escola Bíblica Dominial sejam compreensíveis para todos.
O retrato demográfico ajuda a dimensionar a urgência com a qual essa demanda deve ser atendida. O Censo 2022 mostra que 14,4 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência. As dificuldades mais frequentes são enxergar – que atinge 7,9 milhões de pessoas – e andar ou subir degraus, presente em 5,2 milhões.
No campo auditivo, a dificuldade para ouvir alcança 2,6 milhões de brasileiros, enquanto os quadros de surdez profunda são estimados em cerca de 2,7 milhões. No universo da neurodiversidade, o Censo identificou 2,4 milhões de pessoas com diagnóstico de TEA (1,2%), com maior prevalência em crianças de 5 a 9 anos.
Na prática das igrejas, isso significa uma necessidade ainda maior de incorporar as Libras no culto e legendas nas transmissões, fontes ampliadas e alto contraste em projeções, leitura em voz clara; sinalização simples e objetiva nos espaços e, para autismo e TDAH, rotinas visuais, linguagem direta, redução de ruído, tarefas em etapas e pistas multissensoriais.
A Palavra para todos: conceito que vira prática
O secretário-geral da Igreja Cristã Maranata (ICM), Pr. Luiz Eugênio do Rosário Santos, deixa claro o propósito de formar gente para cuidar de gente.
Há pessoas que, muitas vezes, precisam de uma convivência numa comunidade, pessoas com autismo, idosos, pessoas que precisam de uma atenção. Então, o objetivo é treinar professores, pastores, membros para receber essas pessoas bem dentro da nossa Igreja, porque, na verdade, quando você recebe uma criança, alguém assim, você está recebendo a família toda. E essa família, muitas vezes, se sente desamparada pela sociedade.
Pr. Luiz Eugênio do Rosário Santos
No mesmo espírito, o gerente de Comunicação da Igreja Cristã Maranata (ICM), Pr. Josias Junior, afirma:
Falar em comunicação é falar na essência daquilo que a Bíblia ensina. A Bíblia é um projeto de Deus e tem uma missão. No atendimento dessa missão, que é atender a Palavra de Jesus, é que nós vemos o público de acessibilidade de uma maneira especial. Lançamos mão dos recursos disponíveis para chegar nesse público com o objetivo que ele também tenha o mesmo benefício que nós temos, viva a mesma alegria que nós vivemos e alcance a mesma bênção que nós alcançamos.
Pr. Josias Junior
Para que ouçam e entendam: Libras, linguagem e testemunho
A experiência com a comunidade surda aparece como sinal concreto de por que acessibilidade é central.
A médica hebiatra e psiquiatra e membro da Igreja Cristã Maranata (ICM), Ana Lucia Peixoto, alerta que é necessário capacitar e sensibilizar as pessoas da igreja para uma população que está chegando e tem chegado cada vez mais, que é a de pessoa com deficiência.
A palavra diz o seguinte: andar em amor. E é justamente isto, é você andar com essas pessoas, caminhar, mostrar o caminho. Um dia nós recebemos e agora nós estamos passando para que essas pessoas tenham acesso a palavra igual um dia nós todos tivemos.
Ana Lucia Peixoto
O membro do Conselho Presbiteral da Igreja Cristã Maranata (ICM), Pr. Luiz Pitta, cita o exemplo de um jovem que nasceu com problema auditivo e que só teve acesso ao trabalho com Libras quando tinha por volta de 14 anos. Foi então que ele soube que Jesus Cristo salva e pôde aceitar o Senhor.
Eu o conheci com 16, 17 anos num seminário, quando o Senhor o batizou com o Espírito Santo. Precisava ver a alegria dele com a presença do Senhor no coração. Agora, como nós podemos ter alguém no nosso meio passando 14 anos sem ter acesso nenhum? Esse trabalho de Libras, que é um deles, e outros trabalhos nessa área de acessibilidade têm o objetivo de levar a Palavra do Senhor para que as pessoas tenham condições de aceitá-lo e ter oportunidade de escolher Jesus como salvador. Há toda uma consequência social muito boa, com a qual nós ficamos muito satisfeitos, mas o principal é o espiritual, é maravilhoso tudo isso.
Pr. Luiz Pitta
Autismo e TDAH: ensino que alcança o coração (e a atenção)
No eixo de neurodiversidade, o Seminário de Acessibilidade transforma conhecimento em prática dentro das salas, nos corredores e nos cultos. A professora de crianças na Igreja Cristã Maranata (ICM) Juliana Muniz registra:
Para mim é uma alegria imensa estar no Maanaim mais uma vez para falar sobre o trabalho de acessibilidade voltado para pessoas autistas, não só no público infantil. O número vem crescendo a cada dia, e hoje um a cada 31 nascimentos é de uma pessoa autista.
Juliana Muniz
Por isso, a orientação, sublinha a educadora, precisa ir além do social: “É importante que nesse trabalho não venha a ser feita apenas a parte social, mas também a busca espiritual. O Senhor tem mostrado várias experiências assim.”
Outra professora de crianças na Igreja Cristã Maranata (ICM), a educadora Miriam Oliveira da Silva Rezuski afirma que as perspectivas histórica e pastoral precisam se encontrar em um mesmo cuidado:
O TDAH não é uma questão atual. A primeira vez que se citou o TDAH foi em 1798. A igreja percebe isso. Durante as aulas, a gente percebe que essas pessoas não têm o mesmo comportamento. Mas também elas precisam ser inseridas no corpo. É necessário que dentro da igreja a gente dê acesso à Palavra de Deus com clareza. rompendo a barreira do foco da atenção.
Miriam Oliveira da Silva Rezuski
E as famílias testemunham o efeito desse cuidado. Darlene Gloria Pinho, que viajou de Minas Gerais, sintetiza a experiência com a filha:
Esse é um trabalho maravilhoso, gratificante. Minha filha recebe esse resultado, esse abraço, esse acolhimento, é tudo de bom. Eu vim de Belo Horizonte, essa não é a primeira vez. Em abril eu vim, gostei, achei muito importante, foi um testemunho grande e eu volto todas as vezes.
Darlene Gloria Pinho
Um só corpo, muitos membros: formação que multiplica
A ideia é criar uma base comum, replicável, que una todas as igrejas Maranata no Brasil e no exterior. O coordenador-geral de Acessibilidade da Igreja Cristã Maranata (ICM), Pr. Lucimar Bizio, reforça que o seminário tem uma importância muito grande porque reúne pessoas do Brasil todo.
A troca de experiências, de materiais, de informações fortalece a base do trabalho. Quando a gente entra no mundo da acessibilidade, é um mundo complexo, com muitos sentimentos envolvidos. Então, essa formação e esse olhar diferenciado são muito importantes, a começar pelos pastores, as professoras, todos os membros da igreja. Onde quer que uma pessoa que precisa de acessibilidade esteja, que ela seja bem acolhida.
Pr. Lucimar Bizio
A mensagem que o Seminário de Acessibilidade projetou para além do Maanaim de Domingos Martins é simples e exigente: a técnica abre portas, a fé dá sentido e o amor sustenta. Quando um jovem surdo entende a pregação em Libras, quando uma criança no espectro autista acompanha o louvor, quando um idoso com baixa visão participa da aula com material ampliado, a igreja cumpre parte do seu projeto de salvação: alcançar cada vida, sem exceção.