Legado Venturim: família constrói história cooperativista há 4 gerações no ES
Legado Venturim: família constrói história cooperativista há 4 gerações no ES

Reportagem especial

Legado Venturim: família constrói história cooperativista há 4 gerações no ES

Pai, filho e neto contam como o cooperativismo se tornou um valor geracional que muda a realidade capixaba

Leitura: 11 Minutos

Há quatro gerações, a família Venturim tem sua história entrelaçada ao desenvolvimento do cooperativismo no Espírito Santo. Por meio da transferência de princípios, de pai para filho, ela transformou e continua transformando as realidades local e social das cidades capixabas por onde passa.

Tudo começou com a chegada de Amadeu Venturim em Venda Nova do Imigrante, em 1882. Bisavô de Bento Venturim, o imigrante italiano marcou a cidade capixaba assim que se instalou nela com o objetivo de cultivar café.

“O ‘Imigrante’ (de Venda Nova) é uma referência ao meu bisavô. Ele é o primeiro imigrante italiano da cidade de Venda Nova”, conta Bento, presidente do Sicoob Espírito Santo Central.

Bento Venturim em lavoura
Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

E foi nessa cidade, com a identidade já influenciada pela família, que, anos depois, o pai de Bento, Euzaudino Venturim, se tornou associado de uma cooperativa de cafeicultores. Acreditando que juntos os produtores teriam mais força para lidar com os problemas coletivos que enfrentavam, ele, semi-analfabeto, assumiu o cargo de conselheiro fiscal do grupo. Foi o começo de um novo capítulo da história dos Venturim. 

Nós (Venturim) já viemos da Itália com esse pensamento de precisar juntar as pessoas para resolver os mesmos problemas, porque se a gente se juntar, a gente tem a possibilidade de resolver os problemas com mais facilidade, ou com menos dificuldade, talvez.”

Bento Venturim

Na época, Bento estudava em um colégio interno, mas quando passava as férias de fevereiro com os pais e os oito irmãos, acompanhava Euzaudino nas assembleias da cooperativa. Ele também lembra que, nos anos 1940, o pai começou a ir para São Gabriel da Palha plantar café.

As terras no Noroeste do Estado foram adquiridas pelo avós, Francisco e Vitória, em 1927. Naquela época, o governo estadual incentivava a ida de produtores à região pensando no desenvolvimento econômico que a cafeicultura poderia proporcionar.

Legado Família Venturim
Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

A mudança para a cidade aconteceu gradualmente, assim como o crescimento das lavouras, influenciada por uma crise na cooperativa de cafeicultores de Venda Nova.

“O município de Venda Nova tinha passado por uma experiência traumática. A cooperativa dos cafeicultores de lá se transformou em cooperativa de avicultores e acabou tendo um desfecho ruim, ela quebrou”, lembra Bento.

Anos depois, em 1970, Bento se mudou de vez para São Gabriel da Palha, onde o pai dele já estava associado à Cooperativa Agrária dos Cafeicultores do município, a Cooabriel, fundada em 1963 por 38 produtores, dentre os quais estava Aurélio Bastianello, pai do atual presidente do grupo e vice-presidente da OCB-ES, Luiz Carlos Bastianello.

A cooperativa surgiu principalmente para suprir as necessidades dos produtores de ter melhores condições de comercialização, preços e armazenagem. Depois, solucionou questões de transporte e acesso a tecnologias. Hoje, ela tem mais de nove mil cooperados e, só em 2024, faturou quase R$ 2,6 bilhões, quando foram comercializadas mais de 1,7 milhão de sacas de café.

Em 1980, Bento Venturim, que trabalhava como advogado, também tornou-se um associado da Cooabriel e, dois anos depois, foi eleito conselheiro fiscal da cooperativa. A partir daí, passou por diferentes cargos, inclusive no conselho de administração.

Legado Família Venturim
Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Neste mesmo período, paralelamente ao trabalho, Bento, a esposa dele, Rosa Venturim, e os filhos participavam ativamente do Clube Ítalo-Gabrielense, voltado às tradições italianas, como lembra Luiz Carlos Bastianello:

“O meu pai criou o Clube Ítalo-Gabrielense e a família Venturim participou ativamente dele. Bento, Rosa e os meninos participaram do grupo de danças, depois do coral do clube, eles tocavam instrumentos e faziam música. Então, contribuíram muito no coral italiano. A gente sempre cantava junto.”

As contribuições lembradas pelo presidente da Cooabriel não pararam por aí. Até porque os Venturim ajudaram a expandir os valores cooperativistas para outros setores na região. “Eles foram as pessoas que criaram o Sicoob, a cooperativa de crédito daqui, e logo mais tarde, a cooperativa educacional, a Coopesg.”

A participação da família Venturim no cooperativismo foi uma participação muito assídua aqui em São Gabriel da Palha.”

Luiz Carlos Bastianello

Surge uma cooperativa de crédito

Entendendo desde muito novo os princípios do cooperativismo, Bento Venturim, que defende a escolha do modelo de “empresa coletiva”, viu a necessidade de se criar uma cooperativa de crédito para os produtores rurais. O objetivo era facilitar acesso aos recursos necessários para a expansão dos negócios agrícolas.

Foi após uma ida a Brasília para participar de um congresso brasileiro de cooperativismo que Bento e outros associados da Cooabriel viram a possibilidade de fazer acontecer. Em 1988, finalmente fundaram o que hoje é o Sicoob de São Gabriel da Palha.

Da esquerda para a direita: Vicente, Giovanni e Bento Venturim. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

A nova cooperativa capixaba não só era composta por membros já cooperados e produtores de café, como funcionava dentro do próprio espaço da Cooabriel, como conta Giovanni Venturim, um dos três filhos de Bento e gerente do Sicoob em São Gabriel da Palha, que começou a trabalhar como aprendiz na cooperativa, aos 14 anos.

“Eu ainda era um adolescente nessa época, mas logo depois, três ou quatro anos depois da fundação, eu comecei a me interessar mais pelo assunto, e aí meu pai me chamou para aprender um pouco mais sobre o Sicoob, sobre o cooperativismo, e me deu oportunidade de trabalhar lá.”

Sem remuneração, Giovanni trabalhava de manhã e estudava à tarde. O conhecimento do menino que já acompanhava o pai em assembleias aumentou e ele pegou gosto pelo cooperativismo também. 

Eu cresci com o cooperativismo, vendo a transformação que ele gera onde é bem aplicado.

Dedicado, logo ele foi contratado como auxiliar de serviços gerais, em 1992. Era uma função inicial de fazer talão de cheque e digitar documentos que não eram online. Com o tempo, passou de função em função, agência em agência, até retornar à cidade e assumir a gerência.

O cooperativismo de crédito, para alguém que cresceu em uma família como a de Giovanni, não é apenas uma forma diferente de realizar serviços financeiros; ele é uma ferramenta para que os associados e toda a comunidade sejam mais prósperos.

“Ele gera muito desenvolvimento, e a nossa diretoria, meu pai, os diretores com quem tive contato, os gerentes, os funcionários mais antigos… eles procuravam sempre incentivar a gente a não fazer só o trabalho de uma instituição financeira, mas sim a proporcionar o desenvolvimento que uma cooperativa pode gerar para a região.”

E não para por aí: outro valor que foi herdado por Giovanni foi o interesse pela comunidade, um dos sete pilares do cooperativismo. Por isso, ele conta que a instituição busca sempre fazer ações sociais e dar condições diferenciadas para os cooperados, a fim de gerar um “ciclo virtuoso”.

Depois de unir diferentes agências de crédito cooperativistas e unificar o sistema – se tornando, de fato, o Sicoob Espírito Santo –, hoje a cooperativa tem 943.721 associados e R$ 32,6 bilhões em ativos.

A educação se torna uma demanda

Com o tempo, a família e os cooperados da Cooabriel e do Sicoob viram surgir novos desafios na cidade. Segundo os relatos, havia uma necessidade muito grande de melhorar o ensino na região. Na época, as escolas públicas passavam por longos períodos de greve, como lembra Giovanni.

“Eram muitas dificuldades, crises, muitas greves. Então, muitas vezes, eram longos períodos sem aula.”

Daí, aqueles que já sabiam como resolver problemas coletivamente decidiram abraçar a causa mais uma vez. Nas instalações da Cooabriel nascia mais uma cooperativa: a Cooperativa Educacional de São Gabriel da Palha (Coopesg), que começou a funcionar em 1994.

Essa cooperativa foi constituída para proporcionar melhor qualidade de ensino e um ambiente mais seguro, com diferenciais que só uma cooperativa pode trazer. E hoje a gente procura, aqui na Coopesg, também passar isso para os nossos alunos, para que eles possam também aprender, se desenvolver como pessoas, como profissionais, entender um pouco mais o que o cooperativismo pode gerar de benefícios para a gente e para a nossa comunidade.”

Giovanni Venturim

Giovanni, que hoje preside a cooperativa educacional, não estudou lá, mas viu os dois irmãos, Isaac e Lucas, estudarem sob a diretoria da mãe deles, Rosa Venturim. Hoje, a Coopesg é a porta de entrada para a quarta geração da família no cooperativismo e de muitas outras crianças. São 342 alunos do ensino infantil ao fundamental – e, em breve, até ao médio.

Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Vicente, de 12 anos, filho de Giovanni, adora as aulas nos laboratórios de ciências e robótica e acredita que a escola onde estuda é diferente justamente por proporcionar vivências em que os alunos se unem em prol de um mesmo objetivo.

Na cooperativa mirim dos alunos da Coopesg, a Coop-União, Vicente e os colegas aprendem a trabalhar juntos, pensando em dar retorno à comunidade. Por isso, se reúnem na cozinha, arregaçam as mangas e fazem chup-chup para vender.

“A gente se reúne toda sexta-feira para realizar o nosso objeto de aprendizagem, o chup-chup. Daí, a gente normalmente ajuda comunidades mais carentes que estão precisando.”

Além de gerar recursos, os alunos também usam o produto que eles mesmos fazem para disseminar outras ideias, como a ilha ecológica instalada na escola, cujo objetivo é disponibilizar um local para a coleta seletiva do lixo, para que ele possa ser reciclado.

Mesmo jovem, influenciado pelos aprendizados e pelo legado da família, Vicente acredita que vai seguir com a tradição cooperativista. “Eu acho muito legal ver as pessoas se unindo para tentar alcançar um objetivo.”

Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Para o vice-presidente da OCB-ES, reconhecer as instituições mirins faz com que as crianças se sintam pertencentes e responsáveis por proporcionar melhorias às suas próprias comunidades, o que é fundamental para garantir a continuidade dos trabalhos.

A sucessão familiar para nós é vital. Então, essa cultura precisa começar a ser trabalhada ainda na cabeça das crianças, para que elas possam trabalhar e entender quais são os valores de uma cooperativa.

Luiz Carlos Bastianello

Pensando no papel da família Venturim e nos impactos de todas as cooperativas ativas em São Gabriel da Palha, Bastianello entende que elas são parte fundamental do desenvolvimento da cidade, “porque tudo o que você movimenta dentro do município, fica no município”.

Este crescimento se dá porque o cooperativismo, por essência, tem foco nas pessoas associadas. É um crescimento simultâneo da instituição e daqueles que a compõem. Para o presidente da Cooabriel, é um modelo justo porque as riquezas que a pessoa ajudou a produzir retornam para ela conforme a sua participação.

Linha do tempo da família Venturim no cooperativismo

Para Bento, que seguiu os passos do pai e vê os netos no mesmo caminho, ele e os filhos estão cumprindo com o papel de educadores, de mostrar as diferentes possibilidades de negócios e seus respectivos resultados, e trabalhando para formar as futuras gerações que serão responsáveis por manter o modelo de negócio ativo e sustentável.

“A gente espera que eles façam uma boa escolha e que eles possam continuar também, não só se desenvolvendo, mas ajudando também a comunidade. Porque se nós somos fruto desse meio em que vivemos, se a gente puder ser um pouco melhor, a gente vai ajudar o mundo a ser um pouco melhor.”