Mais de 1,8 mil medidas protetivas foram descumpridas no ES em 2025
Mais de 1,8 mil medidas protetivas foram descumpridas no ES em 2025

Segurança pública

Mais de 1,8 mil medidas protetivas foram descumpridas no ES em 2025

Especialistas apontam falhas na rede de proteção e reforçam a importância da denúncia

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O Espírito Santo contabilizou, somente em 2025, 1.893 medidas protetivas de urgência descumpridas por agressores, segundo dados do Painel de Monitoramento da Violência Contra a Mulher, da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp).

Vila Velha lidera o ranking com 267 casos. Em seguida, aparece a Serra, com 255 registros. Cariacica, com 209, Vitória, com 128, e Cachoeiro de Itapemirim, com 116, fecham as primeiras cinco posições. Os dados são da última atualização do painel, em 31 de agosto.

“A cultura machista ainda sustenta a violência”, diz delegada

A chefe da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher da Polícia Civil, Cláudia Dematté, afirmou que a violência contra a mulher segue como um dos principais desafios sociais no Espírito Santo e no Brasil.

Segundo a delegada, o problema não está restrito a uma classe social, mas é reflexo de uma cultura machista ainda presente em diferentes camadas da sociedade.

Vemos homens, em razão dessa cultura machista, agindo como se as mulheres fossem sua posse e propriedade, usando a violência para se manterem nessa situação de dominação e poder. Essa conduta leva mulheres a vivenciarem relacionamentos abusivos.

Cláudia Dematté, delegada e chefe da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher

Ela lembrou que a violência não se manifesta apenas de forma física. “Também pode ser psicológica, sexual, moral e patrimonial. Esse machismo estruturado e estruturante atravessa toda a sociedade”, acrescentou.

A importância da Lei Maria da Penha

Cláudia Dematté ressalta que a Lei Maria da Penha foi um divisor de águas no enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil, mas lembra que o enfrentamento precisa ser conjunto, envolvendo Judiciário, Ministério Público, Defensoria, rede de assistência social e sociedade civil.

“O descumprimento de medidas protetivas é crime previsto no artigo 24-A da Lei Maria da Penha, com pena de dois a cinco anos de prisão e multa, mas a mudança estrutural só será possível com prevenção e desconstrução dos valores machistas que ainda marcam nossa sociedade”, pontuou.

“Medida é vista como ameaça ao ego masculino”, afirma psicanalista

A psicanalista Luisa Machado de Oliveira analisa que o descumprimento da medida não é somente uma infração legal, mas também um ato simbólico. Segundo ela, existem várias razões que explicam por que muitos homens descumprem medidas protetivas, um fenômeno que vai muito além da simples obediência à lei.

Muitas vezes, quando um homem recebe uma medida protetiva, ele não enxerga isso apenas como uma determinação judicial, mas como uma ameaça direta ao seu ego e à sua identidade construída num sistema patriarcal. É uma ferida narcísica, que mexe com a perda de controle e poder.

Luisa Machado de Oliveira, psicanalista.

A especialista destaca que essa perda mexe com um poder historicamente sustentado por contextos sociais, culturais e históricos, que ensinaram aos homens que eles teriam direitos sobre o corpo da mulher, sobre os filhos e sobre o território doméstico. Quando essa lógica é quebrada, com a mulher se afirmando, se protegendo e se afastando, muitos homens não conseguem aceitar a nova dinâmica.

“Ao transgredir a medida, o homem reafirma que o corpo da mulher ainda é visto como território a ser controlado. Isso mostra como a cultura patriarcal segue sustentando essas práticas, mesmo diante da lei”, disse a psicanalista.

Ela ressalta ainda que o lar, historicamente, foi considerado um território sagrado, estruturado de forma hierárquica, com o homem no comando e mulheres e crianças como corpos mais vulneráveis. Nessa lógica, a violência se apresenta muitas vezes de forma inconsciente, sustentada pelo próprio contexto social.

Rede de apoio como caminho

Para romper esse ciclo, especialistas destacam a importância de redes de apoio e acolhimento. Muitas mulheres permanecem em relacionamentos abusivos por medo, dependência financeira ou por não enxergarem alternativas.

É preciso que a mulher saiba que existem caminhos, que há órgãos e pessoas dispostas a ajudar, como serviços de saúde, assistência social, delegacias especializadas e centros de apoio. Construir essa rede é essencial para que a saída seja possível e segura.

Luisa Machado de Oliveira

Como denunciar?

As vítimas de violência doméstica no Espírito Santo podem procurar as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam’s) ou registrar ocorrência pela Delegacia Online. Em casos de flagrante, a Polícia Militar deve ser acionada pelo 190. Também estão disponíveis o Disque 180, de atendimento à mulher, e o Disque 181, que recebe denúncias anônimas.

De acordo com a delegada, a Divisão Especializada de Atendimento à Mulher atua de forma integrada com Judiciário, Ministério Público, Defensoria e rede de proteção social. O trabalho envolve tanto a repressão, com investigações e operações, quanto a prevenção, com projetos voltados para conscientização.

Entre os destaques, estão o “Homem que é Homem”, criado em 2015, que promove reflexões entre autores de violência sobre gênero e resolução pacífica de conflitos, e o projeto “DEAM Itinerante”, que leva atendimento a municípios sem estrutura especializada.

“O aumento de denúncias não significa, necessariamente, aumento nos casos, mas sim que as mulheres estão se sentindo mais seguras para procurar ajuda”, conclui Cláudia.