Foto: Reprodução/ Canva
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Reportagem especial

Penas valiosas e disputas de canto: a realidade cruel das apreensões de aves silvestres no ES

Mais de 2 mil aves silvestres foram apreendidas neste ano no Espírito Santo. Coleirinho e canário-da-terra estão entre as espécies mais traficadas

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A plumagem exuberante e o canto agradável são algumas das características que colocam as aves silvestres na mira dos comerciantes ilegais. Com alto valor de mercado, algumas delas figuram entre os animais mais traficados no Espírito Santo, alimentando uma atividade criminosa que tem como pano de fundo ganância e muita crueldade.

No mercado legal, não é difícil encontrar pássaros que custam até R$ 15 mil. Mas, dependendo das habilidades e da aparência dos animais, é possível que eles cheguem a ser vendidos entre R$ 50 mil e R$ 100 mil.

Com a ajuda de especialistas, listamos as 10 espécies mais visadas pelos traficantes de pássaros no Estado. Nesta reportagem, vamos entender qual é o impacto desse comércio ilegal para o meio ambiente e por que esses animais devem ser preservados.

10 espécies de aves mais traficadas no ES

Segundo dados da Polícia Militar Ambiental, as espécies de aves silvestres mais apreendidas no Estado são:

  • coleirinho;
  • canário-da-terra;
  • trinca-ferro;
  • sabiá;
  • papagaio;
  • bigodinho;
  • sanhaço;
  • curió;
  • melro;
  • tiziu.
Canário-da-terra. Foto: Uryel Perozini

Dois órgãos realizam apreensões de aves silvestres no Estado: a Polícia Militar Ambiental e o Instituto Estadual do Meio Ambiente (Iema). O número de apreensões impressiona. Dados somados das duas instituições revelam que só este ano 2.231 aves foram apreendidas. No ano passado, o número total de apreensões foi de 3.157.

O sargento Wesley Pimentel Venâncio, do Batalhão de Polícia Militar Ambiental, explica quais são as características que fazem com que esses animais sejam visados pelo mercado ilegal.

Os animais mais visados pelos traficantes são os pássaros, especialmente os canoros (de canto), como os coleiros, canários-da-terra e trinca-ferros, devido ao alto valor de mercado que esses animais possuem, visando principalmente à disputa de torneios de canto e fibra, onde são premiados os destaques.”

Wesley Pimentel Venâncio, sargento da Polícia Ambiental.

O ornitólogo Augusto Cezar Francisco Alves detalha que essas aves mais visadas pelo tráfico têm características biológicas que favorecem a emissão de um canto mais bonito.

“Essas aves apresentam entre suas características uma siringe – órgão vocal das aves –, que possui até oito pares de músculos, responsável pela emissão de cantos complexos. Elas possuem também uma capacidade de aprendizado do canto pela presença de núcleos especializados no prosencéfalo”, explica o pesquisador.

Tiziu. Foto: Uryel Perozini

O canto não é a única característica que atrai os comerciantes ilegais. Algumas aves são usadas para extração das penas.

“Outras espécies como araras e papagaios são traficados visando a atender uma demanda por penas destas espécies para a confecção de adornos, como brincos, colares, artesanatos como petecas, cocar e enfeites de bolsas. Também são traficados para a manutenção em cativeiro, em ambientes domésticos”, acrescenta o sargento.

Crueldade e sofrimento das aves traficadas

Um aspecto impossível de ignorar no tráfico de aves silvestres é a crueldade dos traficantes e o sofrimento das aves.

Um caso recente que chamou a atenção foi uma apreensão de mais de 1 mil aves que eram transportadas de Minas Gerais para o Rio de Janeiro. Desse total, 180 morreram e 80 foram encontradas feridas, imprensadas e sem ventilação adequada dentro de caixas. A apreensão aconteceu no último dia 10 de setembro.

O sargento confirma que a logística do tráfico de pássaros é cruel. “O transporte das espécies comercializadas muitas vezes é feito em caixas de sapatos, bolsas e mochilas. Dezenas de animais são confinados em um espaço que mal caberia um. Entre 30 e 40% morrem durante o trajeto”, detalhou.

O policial explica que, para os traficantes, não importam as mortes ou a dor dos animais. Vale apenas o lucro. “Qualquer quantidade que chega ao final ainda ‘compensa’ financeiramente para eles. Trata-se da terceira atividade criminosa mais rentável no mundo, perdendo apenas para drogas e armas.”

Trinca-ferro-verdadeiro. Foto: Augusto Alves

Algumas aves podem valer o equivalente a um carro ou até uma casa. “Já vimos situações em que o proprietário trocou carro e até imóveis por um pássaro. Mas para nós, não importa o valor financeiro do animal, importa a vida dele”, defendeu.

Aves são importantes para o equilíbrio dos biomas

O ornitólogo explica que as aves silvestres devem ser protegidas porque têm grande importância para o equilíbrio dos biomas.

“São responsáveis por inúmeros serviços ambientais como a dispersão de frutos e sementes, polinização e controle de pragas – através da predação –, atuando de forma imprescindível na dinâmica dos processos ecológicos e evolutivos, em diferentes habitats. A extinção de determinadas espécies de aves pode influenciar diretamente em perdas na produção agrícola mundial”, defende.

Augusto Cezar Francisco Alves, ornitólogo.

Apesar da existência de um grande mercado ilegal de pássaros silvestres, existe a possibilidade da criação legalizada desses animais. A Instrução Normativa nº 006 do Iema estabelece as normas, critérios e procedimentos para a criação amadorista de passeriformes silvestres no Espírito Santo.

“Resumidamente, ele deve ser cadastrado junto ao órgão competente como criador amador e adquirir pássaros provenientes de um criador comercial devidamente regularizado para tal atividade. Os animais provenientes destes locais são registrados, possuindo anilhas ou ‘chips’, que comprovam a origem legal do animal, possibilitando o seu monitoramento e fiscalização pelos órgãos ambientais”, esclarece o sargento.

O requerimento de autorização para criação amadora de passeriformes pode ser encontrado no site do Iema.

Diferentemente da criação, que é quando há a reprodução dos animais, a compra de uma ave silvestre é mais simples.

O criador de pássaros Edson Feijó Tavares, que tem um criadouro de aves silvestres e exóticas em Vitória, explica que qualquer pessoa pode adquirir um pássaro com ele e que o cadastro é de responsabilidade do criador.

“O criador faz um cadastro do comprador junto ao Ibama. A partir daí, o pássaro passa a ser da pessoa”, detalha.

Papagaio-chauá. Foto: Augusto Alves

Entre as aves mais vendidas no criadouro de Edson está o papagaio, que custa cerca de R$ 5 mil. O pássaro mais caro que o criador comercializa é a arara, que custa R$ 15 mil.

Lei prevê punição

Quem é flagrado participando do comércio ilegal de aves silvestres pode ser punido de acordo com a Lei de Crimes Ambientais (lei 9.605 de 1998), no crime previsto no artigo 29, que determina detenção de seis meses a um ano e multa para quem “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”.

iema gaiolas aves silvestres
Destruição de gaiolas após apreensão de aves. Foto: Governo do ES/Reprodução

Reabilitação em centro de triagem

Após a apreensão, as aves são encaminhadas ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas/Ibama), localizado no município da Serra. Lá, elas passam por avaliação veterinária e técnica.

Sempre que possível, após a reabilitação, essas aves são devolvidas ao seu habitat natural, respeitando critérios de saúde e segurança ecológica.

Algumas aves, que não têm condições de voltar à natureza, são destinadas a guardiões de fauna, que são pessoas físicas que apresentam interesse em manter um animal silvestre ou exótico em sua residência e recebem autorização do Iema. Para participar, é necessário se inscrever no site do Instituto.