Uma decisão liminar do Superior Tribunal de Constas (STJ) garantiu a continuidade dos serviços prestados pela Cooperativa dos Cirurgiões Gerais do Estado do Espírito Santo (Cooperciges) na rede estadual de saúde. A entidade é responsável por cerca de 75% dos atendimentos de urgência e emergência do Estado, com atuação em 37 municípios e 660 mil pacientes.
A liminar, assinada pelo ministro Benedito Gonçalves, suspendeu temporariamente os efeitos das penalidades aplicadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que haviam impedido a contratação da cooperativa com o poder público por cinco anos.
Essa medida evita o risco imediato de desassistência à população e garante a manutenção dos atendimentos até a análise final do processo.
Modelo de contratação é o que está em jogo
O conflito jurídico gira em torno do modelo de contratação de médicos por meio de cooperativas, e não sobre salários ou condições de trabalho.
Em 2015, o Cade entendeu que o formato de contratação adotado pela Cooperciges não era adequado e impôs duas sanções: uma multa no valor de R$ 2.660.250 e a proibição de novos contratos com o poder público por cinco anos.
Segundo o advogado Marcelo Montalvão, representante da Cooperciges, o modelo é muito utilizado no Brasil, inclusive na rede privada, por ser mais ágil, flexível e eficiente, principalmente em áreas críticas como cirurgias e atendimentos emergenciais.
A decisão evita a suspensão de serviços essenciais e uma possível crise de uma parte significativa da assistência de saúde à população do Espírito Santo, afirma o advogado.
Ainda de acordo com ele, quando a cooperativa reconheceu a gravidade da decisão de suspender os atendimentos médicos, eles entraram com a ação pedindo a anulação da decisão, argumentando que a prestação do serviço era legal. Já havia diversas decisões reconhecendo esse modelo como legítimo, com base na Constituição.
Como funcionam as cooperativas médicas?
As cooperativas de saúde funcionam como associações de médicos que prestam serviços por meio de contratos firmados com hospitais ou com o poder público. Elas recebem pelos serviços prestados e distribuem os valores diretamente entre os médicos cooperados, conforme a quantidade e o tipo de atendimento realizado.
Esse formato permite que a prestação do serviço não fique restrita a um único profissional. Caso um médico fique indisponível por doença ou licença, outro pode substituí-lo sem interromper o atendimento à população — algo que não ocorre com facilidade no modelo tradicional de contratação por concurso público, que envolve mais burocracia e menos flexibilidade.
Além disso, hospitais que operam com múltiplas especialidades, como cirurgia geral, pediátrica ou cardiovascular, conseguem atender com mais agilidade ao contar com cooperativas que reúnem diferentes profissionais em um único contrato.
De acordo com dados fornecidos por Marcelo Montalvão, mais de 420 médicos atuam hoje como cooperados da Cooperciges em todo o Estado. Só em 2024, a cooperativa já realizou 203.496 atendimentos, entre consultas ambulatoriais, cirurgias e outros procedimentos médicos.
Na rede estadual de saúde, isso significa:
- 75% dos atendimentos de urgência e emergência no Espírito Santo são realizados por médicos cooperados da entidade;
- A cooperativa atua em 37 dos 78 municípios capixabas;
- 660 mil pacientes são diretamente beneficiados com os atendimentos.
Como está o processo?
Após a punição do Cade, a cooperativa entrou com uma ação na Justiça Federal, que inicialmente anulou a decisão do órgão. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), porém, reformou essa sentença e manteve as sanções. Diante disso, a defesa da Cooperciges recorreu ao STJ.
A liminar concedida por Benedito Gonçalves restabelece temporariamente a autorização para que a cooperativa continue prestando seus serviços normalmente, até o julgamento final.
“O ministro entendeu que há risco real à continuidade da prestação de serviços de saúde. Por isso, determinou a suspensão imediata das sanções. O caso agora segue para análise definitiva pelo STJ”, explicou Montalvão.
A decisão do STJ tem impacto direto sobre a rotina hospitalar do Espírito Santo. Sem a liminar, a rede pública de saúde teria que, a curto prazo, substituir um modelo que responde por mais de dois terços dos atendimentos emergenciais. Isso significaria suspender cirurgias, reestruturar escalas médicas e correr o risco de deixar unidades hospitalares sem cobertura adequada.
O que diz a Secretaria de Saúde?
Em nota, a Secretaria de Saúde, por meio da direção da Fundação Estadual de Inovação em Saúde – iNOVA Capixaba, explica que, em 2022, a empresa responsável pelos serviços de Cirurgia Geral no Hospital Estadual Dr. Dório Silva (HDDS) foi substituída por outra, contratada por meio de processo licitatório.
“Outras especialidades vinculadas à cooperativa anterior (Cooperciges) seguem atuando na unidade, como cirurgia torácica, urologia, proctologia e CPRE” informa.
Além disso, no Hospital Estadual Sílvio Avidos, a Cooperciges segue prestando serviços normalmente, com contrato vigente até 5 de novembro de 2025. A mesma empresa foi vencedora do processo de licitação emergencial realizado no ano passado.
Sobre o Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, em Vitória, e Roberto Arnizaut Silvares, em São Mateus, a Sesa esclarece que mantém os serviços da Cooperciges.