O velho ditado “É melhor prevenir do que remediar” cai muito bem quando o assunto é saúde. Afinal, estar com o corpo saudável para evitar problemas maiores é o melhor caminho. Na saúde pública, essa prevenção é realizada por equipes da chamada “atenção primária”, que avalia qualquer possibilidade de doença, oferecendo cuidado contínuo.
Pacientes que são acompanhados por equipes de Saúde da Família muitas vezes conseguem evitar o agravamento de doenças por meio de ações preventivas e acompanhamento multidisciplinar direto na unidade de saúde do bairro. Atualmente, no Espírito Santo, são mais de mil profissionais de saúde atuando na atenção primária.
Leia também
É esse acompanhamento próximo que transformou a rotina da dona de casa Jurema Regina de Melo Lourenço, de 75 anos, moradora de Itapuã, em Vila Velha. Há cerca de um ano, ela conheceu o projeto FelizIdade quando foi a uma consulta no posto de saúde do bairro Divino Espírito Santo.
Sofrendo com dores nos joelhos, passou a integrar o grupo de idosas atendidas semanalmente por uma equipe multiprofissional. A mudança, segundo ela, foi significativa: além das melhoras físicas, encontrou no projeto uma rede de apoio que ressignificou sua relação com a saúde e o envelhecimento.
“Eu cheguei aqui com muita dor no joelho esquerdo por causa da artrose. Era difícil até subir as escadas de casa. Mas depois que comecei as atividades, principalmente os exercícios e a fisioterapia na unidade, minha rotina melhorou muito”, conta.
Morando em um prédio com três lances de escada e 54 degraus, Jurema tem hoje mais disposição para as tarefas do dia a dia. “Antes, se eu ficasse muito tempo sentada ou em pé, doía demais. Agora já faço minhas coisas, subo e desço escada, e quase não sinto nada. Graças a Deus”, diz.
De acordo com o Ministério da Saúde, a Estratégia Saúde da Família (ESF) é destinada a toda a população, com atenção especial a grupos vulneráveis como idosos, crianças, pessoas com doenças crônicas e moradores de áreas com dificuldade de acesso.
Ela atua como porta de entrada para o sistema de saúde, oferecendo cuidado integral, contínuo e humanizado, com foco em prevenção, acompanhamento e reabilitação. Considerando o contexto familiar e social, o modelo busca não apenas tratar doenças, mas promover saúde de forma abrangente e próxima das realidades locais.
A gerente de Políticas e Organização das Redes de Atenção à Saúde (Geporas), Rose Mary Santana, ressalta que a atenção à saúde primária promove qualidade de vida para a população e auxilia para desafogar filas do SUS no Estado.
A Estratégia Saúde da Família pode ajudar muito para a diminuição das filas. A parte de atenção primária atua com prevenção e isso é fundamental, pois mesmo pessoas que possuem doenças crônicas, conseguimos prevenir que a doença se agrave e o paciente precise de outros tratamentos.
Projeto nasceu de diagnóstico real
O FelizIdade, por exemplo, surgiu a partir de um diagnóstico feito nos bairros atendidos pela Unidade de Saúde de Divino Espírito Santo, em 2023.
A análise revelou que muitos idosos estavam em situação de sedentarismo, isolamento social e com queixas frequentes de ansiedade, depressão, hipertensão e diabetes. A resposta foi montar um grupo que unisse acolhimento e cuidado integral, com estrutura definida e ações semanais. Ação de prevenção e cuidado.
O grupo se reúne às terças à tarde e sextas pela manhã. Atualmente, 33 pessoas participam das atividades, conduzidas por uma equipe do Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (ICEPi), vinculada ao programa Qualificação da Atenção Primária à Saúde (Qualifica-APS).
Os encontros têm três etapas principais: rodas de conversa sobre temas ligados à saúde, simulação cognitiva e exercícios físicos com educadores.
Percebemos que muitos idosos aqui da região estavam adoecendo física e emocionalmente. Era uma população sedentária, com quadros de ansiedade, depressão, em fases de luto e socialmente isolada. Também notamos casos de hipertensão e diabetes descompensadas, explica Jamerson Santos, cirurgião-dentista e coordenador do projeto.
E ele complementa: “O grupo surgiu como uma estratégia coletiva de cuidado, para acolher essas pessoas e cuidar delas de forma integral. Aqui, elas interagem, criam laços, se sentem parte de uma família. Além disso, a gente educa, estimula o raciocínio e trabalha o corpo com exercícios físicos. É um espaço de socialização e saúde”.
Mais do que benefícios físicos, Jurema destaca também esse impacto emocional. “Eu tenho pouco tempo aqui no Estado e tive dificuldade até de fazer amizade no prédio onde moro. Aqui eu me sinto acolhida. É como uma família. A família que encontrei no Espírito Santo foi aqui”, diz a dona de casa.
Quando não consegue ir ao grupo, ela logo sente a diferença. “A semana que eu não posso vir, eu já sinto falta. Fico doida pra chegar a terça-feira. Isso aqui me ajuda demais”, complementa.
Até passeios na lista de atividades
As atividades do FelizIdade não se limitam à sala da unidade. As idosas também participam de eventos externos, passeios a pontos turísticos e ações de socialização — uma iniciativa que se reflete na melhoria de quadros clínicos, como controle de glicemia e pressão arterial, além de fortalecer vínculos comunitários e afetivos.
Um exemplo recente desse tipo de atividade foi a remada inclusiva organizada na Praia da Costa, em Vila Velha. Em parceria com o clube Hip Va’a, as participantes do grupo se aventuraram pela primeira vez em uma aula de canoa havaiana. Muitas delas não sabiam nadar e superaram o medo da água com apoio dos profissionais de saúde.
“Foi maravilhoso e esse projeto é muito bom. O mar é vida, é alegria, é superação…”, relatou Marilene Marciano, de 66 anos.
Já para Alda Marize, de 63 anos, a experiência foi um reencontro com o mar: “Foi uma libertação. Isso é qualidade de vida”. As participantes foram acompanhadas por educadores físicos, residentes em Saúde da Família e profissionais do ICEPi.
Investimento na Saúde da Família cresce e dá resultado
A Estratégia Saúde da Família completou 30 anos no Brasil em 2024 e vem ganhando força no Espírito Santo. De acordo com a gerente do Geporas, Rose Mary Santana, o Estado atingiu 97,96% de cobertura, ultrapassando a média nacional de 92,5%. Em 1998, eram apenas 26 equipes atuando no território capixaba. Atualmente, são cerca de mil equipes atuando nos 78 municípios capixabas.
“Essa nossa cobertura é referente ao levantamento do primeiro quadrimestre de 2025. Certamente, até o final do ano, chegaremos a um número ainda mais próximo dos 100%, pois temos projetos que preveem a construção e entrega de mais 108 Unidades Básicas de Saúde totalmente equipadas. Esses 97,96% nos colocam entre o top 10 do ranking de estados do Ministério da Saúde, ou seja, é bastante significativo”, considera Rose Mary.
Segundo a Sesa, um dos principais pilares dessa política é o ICEPi, que atua com profissionais bolsistas em regime de pós-graduação em Saúde da Família. Esses profissionais desenvolvem atividades práticas nos territórios durante três a quatro anos.
Atualmente, 486 médicos, 279 enfermeiros e 185 cirurgiões-dentistas atuam por meio do programa. Há ainda residentes multiprofissionais em áreas como saúde mental, cuidados paliativos e enfermagem obstétrica. Mais de mil profissionais nesse “exército da saúde” da atenção básica.
“A atenção primária é fundamental para todos os públicos. Existem vários grupos que são atendidos, dentre eles hipertensos, diabéticos, pessoas com obesidade, saúde da mulher, acompanhamento do idoso, dentre outros”, diz Rose Mary.
O Qualifica-APS é formado por equipes que incluem desde médicos até educadores físicos e nutricionistas. Esses profissionais trabalham dentro das unidades com grupos de prevenção e promoção da saúde, visando evitar o agravamento de doenças crônicas como diabetes, obesidade e hipertensão.
O resultado prático desse modelo pode ser medido em números. De 2019 a 2024, o Espírito Santo saltou da 5ª pior cobertura de Saúde da Família no Brasil para a 12ª melhor, segundo a Sesa.
Prevenção como resposta a uma saúde sobrecarregada
Com foco em prevenção e acompanhamento contínuo, a Estratégia Saúde da Família ajuda a desafogar o sistema de saúde e evitar que novos casos cheguem aos hospitais com doenças agravadas.
Um exemplo disso são os grupos voltados ao combate à obesidade e doenças crônicas, como os conduzidos por nutricionistas e educadores físicos nas próprias unidades básicas. O FelizIdade se insere nesse mesmo esforço coletivo.
Mais que uma ação de saúde, o coordenador do projeto considera também como uma política pública de acolhimento e bem-estar, promovendo o envelhecimento ativo. O grande diferencial é a escuta ativa e o cuidado integral com o idoso.
É gratificante demais. Eu sou um entusiasta do SUS e acredito muito na atenção primária. Ver a felicidade deles, saber que a gente proporciona saúde de verdade, me emociona. É uma troca: a gente ensina, mas aprende muito também. É um cuidado horizontal, coletivo e transformador, diz Jamerson Santos, coordenador do projeto FelizIdade.
“Investir em saúde é fundamental. Ao longo de 2024 foram R$ 50 milhões investidos pelo governo do Estado. Temos o Plano Decenal APS+10, que tem como objetivos qualificar e ampliar o acesso, fortalecer e reorganizar a APS, por meio de parcerias e pactuações com os municípios, e também o Qualifica-APS, programa de contratação e supervisão de profissionais. Essas duas vertentes são pilares importantes para a evolução da saúde primária no Espírito Santo”, fala Rose Mary.
Equipe de Jornalismo
Redação Folha Vitória é a assinatura coletiva que representa a equipe de jornalistas, editores e profissionais responsáveis pela produção diária de conteúdo do Folha Vitória. Comprometida com a excelência jornalística, a equipe atua de forma integrada para garantir informações precisas, atualizadas e relevantes, sempre alinhada à missão de informar com ética, democratizar o acesso à informação e fortalecer o diálogo com a comunidade capixaba. O trabalho do grupo reflete o padrão de qualidade da Rede Vitória de Comunicação, consolidando o veículo como referência em jornalismo digital no Espírito Santo.
