Cãibra
Imagem: Canva
A cena é comum: no meio da noite, uma fisgada violenta na perna faz a pessoa pular da cama. Dor aguda, contração forte, aquela sensação de que o músculo “encolheu sozinho”. Passa em alguns segundos ou minutos, mas deixa um desconforto  e a pergunta: por que isso acontece?

A resposta mais simples costuma ser “falta de potássio”, “esforço físico” ou “posição errada”. Mas será que é só isso mesmo?

Como neurologista, preciso dizer: nem toda cãibra é igual. E, mais importante ainda, nem toda cãibra é só muscular. Em muitos casos, o que parece ser um problema do músculo pode ser, na verdade, um recado do sistema nervoso.

O que é uma cãibra?

Cãibra é uma contração involuntária, súbita e dolorosa de um músculo ou grupo muscular que pode durar de alguns segundos a vários minutos. A causa mais comum, principalmente em pessoas saudáveis, é o desequilíbrio eletrolítico (potássio, magnésio, cálcio), desidratação ou fadiga muscular após esforço intenso.

Mas há casos em que as cãibras se tornam frequentes, ocorrem em repouso, em diferentes grupos musculares ou não têm relação clara com esforço. É aí que o olhar neurológico se faz necessário.

E quando a origem é neurológica?

Nos consultórios de neurologia, vemos pacientes que chegam relatando “cãibras repetidas”, “fisgadas constantes” ou “músculo que pula sozinho”. Esses relatos, muitas vezes, não são apenas sobre contrações simples. Podem ser sinais de alterações nos nervos periféricos, na medula ou até no próprio neurônio motor.

Em algumas condições, os nervos passam a enviar sinais desordenados para os músculos, provocando contrações repetidas, fasciculações e cãibras. Nesses casos, o problema não está no músculo que contrai, mas no comando que ele recebe.

Alguns diagnósticos diferenciais importantes incluem:

  1. Neuropatias periféricas – como as causadas por diabetes, álcool ou deficiências vitamínicas. Aqui, os nervos que levam o impulso elétrico até os músculos estão danificados, o que pode gerar dor, dormência e cãibras.
  2. Doença do neurônio motor (como a ELA) – embora rara, é uma condição em que as cãibras podem ser um dos primeiros sintomas, especialmente se vierem associadas a fraqueza, perda de força ou fasciculações (tremores finos no músculo).
  3. Radiculopatias – quando há compressão de raízes nervosas na coluna (por hérnias, por exemplo), o paciente pode sentir dor irradiada e cãibras nos membros.
  4. Síndrome das cãibras-fasciculações – menos conhecida, é uma condição benigna, mas muito incômoda, caracterizada por contrações visíveis dos músculos e cãibras dolorosas, sem sinais de fraqueza muscular.
  5. Esclerose lateral primária, mielopatias, esclerose múltipla embora menos frequentes, essas doenças também podem ter espasticidade e cãibras como sintomas.

Quando investigar?

Cãibras ocasionais, após atividade física ou no calor, são esperadas. Mas vale acender o sinal de alerta se:
  • As cãibras são frequentes, mesmo em repouso;
  • Há fasciculações (movimentos involuntários visíveis do músculo);
  • Vêm acompanhadas de fraqueza, perda de massa muscular ou dormência;
  • Há história familiar de doenças neuromusculares;
  • O quadro está interferindo na qualidade de vida.
Nestes casos, uma avaliação neurológica é fundamental. O exame clínico, a eletroneuromiografia e, em alguns casos, exames de sangue e de imagem ajudam a esclarecer a causa.

E os mitos? Banana resolve? É só alongar?

Banana é rica em potássio, sim! mas, isoladamente, não é solução mágica. Em muitos casos, a pessoa está bem hidratada, com alimentação equilibrada e mesmo assim tem cãibras.

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Alongamento ajuda, principalmente quando feito de forma preventiva, antes de dormir ou após exercícios. Mas, se as cãibras persistirem, não adianta insistir só nos alongamentos. É preciso buscar a causa.

Um sintoma que o corpo insiste em mostrar

Costumo dizer que a cãibra é uma espécie de “grito” do músculo. E como todo sintoma, ela merece atenção quando passa a ser frequente, incômoda ou diferente do padrão.

Nem sempre o diagnóstico será algo grave. Na maioria dos casos, há causas benignas e tratáveis. Mas reconhecer os sinais precoces faz diferença, principalmente quando o que está em jogo é a saúde do nosso sistema nervoso.

Dra. Camila Resende

Colunista

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende