Saúde

Mulher se nega a fazer transfusão sanguínea por motivo religioso e hospital cancela cirurgia

A repercussão geral foi analisada no plenário virtual do tribunal, mas ainda não há previsão de data para julgamento

Foto: Divulgação

Religião e ciência são dois assuntos fundamentais para a humanidade. Mas, essas duas áreas sempre tiveram algumas divergências. Desta vez, o tema que será levado ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) analisa a possibilidade de recusa de transfusão de sangue por motivos religiosos, como é caso específico das Testemunhas de Jeová. 

O ministro Gilmar Mendes é o relator do caso e destacou ser preciso discutir como equilibrar a vontade da pessoa por motivos religiosos com os limites médicos possíveis. De acordo com a Constituição Federal de 1988, a advogada Fernanda Ronchi (com atuação na área do Direito Médico e da Saúde) avalia que o médico deve respeitar a vontade do paciente.

“No artigo 1º, III, a Constituição garante ao paciente o direito à dignidade e à liberdade pessoal de recusar determinado tratamento. Sendo assim, é de grande importância que o médico forneça ao paciente todas as informações pertinentes e imprescindíveis, que o possibilite a tomar uma decisão livre e consciente sobre o tratamento, no qual irá se submeter, sendo de autonomia dele a escolha se aceita o tratamento proposto pelo profissional”, explica.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) entende que a responsabilidade dos atos decorrentes da obediência de dogmas de credos e religiões professados não deve ser transferida ao médico que a respeita. No entanto, vale ressaltar que é vedado ao profissional médico deixar de prestar a devida assistência, em abandono ao paciente.

Além disso, a advogada Fernanda Ronchi faz um complemento. “Vale ressaltar que de acordo com a Resolução n. 1021/80, na hipótese de evidente risco de morte, sem que haja outro recurso que não seja a transfusão sanguínea para salvar a vida do paciente, deve o médico se utilizar das providências necessárias na tentativa de manutenção da sua saúde, independente da vontade pessoal do mesmo ou do seu representante legal. Ocorre que o próprio CFM já manifestou, no parecer nº 12/2014, a necessidade de revogação da determinação em referência e da publicação de uma nova resolução sobre a transfusão de sangue”, diz.

Com isso, a especialista esclarece que é plenamente legal a conduta do profissional da saúde que respeita a escolha esclarecida do paciente que recusa a hemotransfusão, quando não há risco à pessoa. “No caso específico das Testemunhas de Jeová, não há que se falar em conduta criminosa ou de falta ética do médico, que respeita a vontade do paciente, que não deseja realizar a transfusão sanguínea, se utilizando de outras opções terapêuticas”, justifica.

Caso de origem

O Supremo julgará o recurso de uma mulher que, em razão de doença cardíaca, foi encaminhada para a Santa Casa de Misericórdia em Maceió (AL) para realizar cirurgia de substituição de válvula aórtica. A paciente decidiu que não queria fazer transfusão de sangue se necessário. Ela assinou termo de consentimento sobre o risco. Porém, depois, o hospital quis que ela assinasse autorização prévia para eventual transfusão sanguínea se necessário, mas ela se recusou. Com isso, o procedimento foi cancelado.

A Justiça de Maceió considerou que ela não poderia optar pela cirurgia sem a transfusão ou haveria riscos. A mulher recorreu, e a segunda instância considerou que não há como prever se haverá ou não necessidade de transfusão de sangue e que "as alternativas constantes no SUS não são compatíveis com a fé professada". A mulher afirmou que exigir consentimento para transfusão ofendeu sua dignidade e seu direito de acesso à saúde. A paciente afirma também caber a ela decidir o risco do tratamento e que o Estado não pode interferir.

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