A longa espera por uma consulta médica especializada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ainda faz parte da realidade de milhares de capixabas. Em algumas especialidades, como psiquiatria, neurologia e pediatria, não é raro que o tempo de espera ultrapasse um ano.
Esterlina Mariana, de 68 anos, aguardou um ano e meio por atendimento com um especialista. A espera chegou ao fim por meio de uma teleconsulta, modelo que tem ganhado espaço na rede pública como alternativa para agilizar o atendimento.
“É a primeira vez que eu venho me consultar nesse formato. Estou acostumada a consultar com o médico presencialmente, frente a frente”, afirma.
Apesar de reconhecer a diferença entre o presencial e o atendimento virtual, Esterlina se disse satisfeita com o acolhimento.
Saio daqui satisfeita. A minha experiência foi com a doutora Eugênia, a enfermeira Alice e a Rose. Me atenderam muito bem. Eu pude falar o que senti. A médica me ouviu, pediu que eu repetisse algumas coisas que ela não entendeu, passou meu medicamento, pediu exame e já deixou o retorno marcado. Assim que eu terminar o exame, eu volto.
Teleconsultas estão em 90% das cidades do ES
Para tentar reverter o cenário de longas esperas por consultas médicas especializadas, o Espírito Santo tem apostado na tecnologia como forma de ampliar o acesso e encurtar distâncias entre os pacientes e os profissionais.
Uma das principais estratégias tem sido a expansão das teleconsultas, que segundo a Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo (Sesa/ES) estão hoje presentes em cerca de 90% dos municípios capixabas e englobam 18 especialidades médicas.
As salas são instaladas dentro das unidades básicas de saúde, com computador, webcam, impressora e suporte técnico.
A consulta é feita por videoconferência com o médico, que pode estar em qualquer parte do país — ou até mesmo do mundo — desde que fale português.
De acordo com a Sesa, a meta é levar atendimento a quem mais precisa, especialmente em regiões onde há escassez crônica de especialistas.
Todo mês, cerca de 6 mil teleconsultas e meta é dobrar
Em média, são realizadas entre 5 mil e 6 mil teleconsultas por mês na Grande Vitória, mas a capacidade do sistema permite dobrar esse número — desde que um problema persistente seja solucionado: o absenteísmo.
Segundo a Sesa, cerca de 30% dos pacientes agendados simplesmente não comparecem às consultas. A ausência compromete o planejamento, reduz a eficiência do serviço e gera desperdício de recursos públicos, já que as estruturas e os profissionais são pagos mesmo quando a vaga não é ocupada.
Humanização e acesso ampliado
Psiquiatra com 25 anos de experiência, o médico Daniel Cassaro é um dos profissionais que vêm atendendo por meio da teleconsulta. Ele atua na cidade de Colatina, na região Noroeste capixaba, e destaca que, apesar da apreensão inicial, o formato tem se mostrado eficiente.
A princípio a gente fica apreensivo, como vai ser essa interação com o paciente, mas a resposta foi muito positiva. Mesmo distante, conseguimos estar presentes no sofrimento e atender os anseios dos pacientes.
Cassaro reforça que, mesmo em áreas delicadas como a saúde mental, o vínculo com os pacientes tem sido preservado.
“A psiquiatria precisa muito de empatia, de você estar em contato com as emoções do paciente, mas a gente conseguiu trabalhar bem. A preocupação era manter a qualidade, o profissionalismo, a ética… E isso foi garantido”, afirma o médico.
Ele também observa que o serviço tem contribuído diretamente para reduzir a ociosidade das filas. “Alguns pacientes que estavam esperando há muito tempo pela consulta com especialista, e através da teleconsulta conseguiram agilizar. Conseguimos atender da melhor maneira possível, sem perder qualidade”, ressalta.
A enfermeira Regiany Cardoso, que atua na linha de frente do atendimento, destaca o papel do acolhimento nesse novo modelo.
“Quando o paciente chega, eu explico o que é a teleconsulta, porque muitos ainda não sabem. Deixo ele bem à vontade: se quiser que eu fique, fico; se preferir conversar sozinho com o médico, eu saio da sala. Mas na maioria das vezes eles se sentem mais seguros com a nossa presença”, conta.
Ainda segundo ela, o atendimento à distância tem sido bem aceito e se mostra eficiente. “Facilita muito a vida do paciente que está esperando muito, às vezes há mais de um ano. Ele chega aqui, sai com a receita, atestado, todas as orientações e o retorno já agendado. Sou eu mesma que faço o agendamento no sistema”, afirma.
O superintendente Regional de Saúde de Vitória, da Sesa, Alexsandro Vimercati, detalha que a estrutura das teleconsultas é composta por salas montadas dentro das próprias unidades de saúde. Cada uma conta com webcam, som, impressora e um profissional de saúde para acompanhar o atendimento. Esse acompanhamento, no entanto, pode ser opcional.
“Às vezes há uma consulta de psiquiatria e a pessoa quer ter a liberdade de conversar com o médico. Então esse profissional sai da sala”, explica.
Apesar do avanço, ainda há obstáculos a superar. Um deles é o absenteísmo — a ausência dos pacientes no dia da consulta.
Hoje temos 30% de absenteísmo. Por isso, estamos ligando para o paciente no momento do agendamento e também 72 horas antes da consulta para confirmar a presença, afirma Vimercati.
Ele também destaca a importância de manter os dados atualizados no site integra.saude.es.gov.br. “Se o telefone estiver desatualizado, essa ligação nunca chega. E o paciente que falta está tirando a vaga de alguém que está na fila”, alerta.
Mutirões e teleconsultas para reduzir espera
De acordo com o governo estadual, atualmente são realizadas mais de 400 cirurgias por dia, com mutirões aos sábados e horários estendidos durante a semana, por meio do programa OperaES. A previsão é realizar 135 mil cirurgias, mas a Sesa espera superar esse número. Segundo a secretaria, essas ações são importantes para desafogar a fila e o tempo de espera por consultas e/ou procedimentos.
De acordo com a Sesa, as teleconsultas são fundamentais, uma vez que são usadas para reduzir o tempo de espera em regiões com déficit de especialistas.
Segundo o Estado, em 2025, estão previstas 1,25 milhão de consultas e 670 mil exames especializados, totalizando 1,9 milhão de procedimentos, parte deles com apoio da telemedicina.
Na Região Metropolitana, já foram realizadas 265 mil teleconsultas, com investimento de R$ 14,46 milhões. A região concentra 12 especialidades, entre elas cardiologia, dermatologia, psiquiatria, ortopedia e otorrinolaringologia, com uma média de 1.416 atendimentos por mês.
Na Região Central, a média mensal é de 650 consultas, com um total de quase 50 mil atendimentos e investimento de R$ 2,8 milhões. A população tem acesso a especialidades como hematologia, endocrinologia e neurologia, tanto para adultos quanto para crianças.
Já na Região Norte, o serviço soma 37.200 teleconsultas, com média de 1.239 por mês e investimento de R$ 1,88 milhão. São oferecidas consultas em 10 especialidades, incluindo nefrologia, psiquiatria e dermatologia pediátrica.
Na Região Sul, foram realizadas 31.580 teleconsultas com investimento de R$ 1,66 milhão. Com 14 especialidades disponíveis, é a região que mais oferece diversidade de atendimentos por meio da telemedicina, incluindo psicologia, reumatologia e urologia pediátrica. A média é de aproximadamente 2.500 consultas por mês.
Combate aos deslocamentos e foco em resolutividade
O superintendente Regional de Saúde de Vitória reforça que o objetivo da estratégia é evitar deslocamentos desnecessários e garantir resolutividade logo na atenção primária.
A fila é dinâmica e nunca será totalmente zerada, porque novos casos surgem todos os dias. Mas com o uso de tecnologia, como as teleconsultas, conseguimos resolver mais casos na ponta. O objetivo é otimizar o sistema e garantir que o atendimento aconteça de forma mais rápida e organizada, afirma Alexsandro Vimercati.
O custo do serviço também é um ponto de atenção. Como exemplifica Vimercati, uma consulta de neuropediatria — especialidade de difícil acesso mesmo na rede privada — pode durar até 40 minutos e envolve salas preparadas para acolher as crianças.
“A maioria dos pacientes são autistas, e as mães saem super satisfeitas. Mas se o paciente falta, a consulta é desperdiçada. Isso tem um custo alto para o Estado”, diz.
Para manter a expansão do serviço, é preciso reduzir as faltas. “Hoje temos capacidade de chegar a 10 mil consultas por mês na Região Metropolitana, mas só vamos conseguir se o absenteísmo cair. Senão, as empresas e os médicos deixam de prestar o serviço. O paciente precisa entender que, se não puder comparecer, deve avisar com antecedência. Isso permite que outra pessoa seja atendida”, finaliza.