
Vivemos em um tempo em que a liberdade está cada vez mais associada ao consumo: escolha o que quiser, quando quiser, onde quiser. A comida chega em minutos, o conteúdo nos distrai por horas a dopamina é servida em pílulas invisíveis, notificações, açúcar, pornografia, compras. Em meio a essa abundância, cresce uma geração exausta, ansiosa e insatisfeita. Mas por que estamos tão sobrecarregados em um mundo que nos promete conforto a todo instante?
A resposta está num conceito antigo e pouco valorizado: responsabilidade individual. Em “Nação Dopamina”, a psiquiatra Anna Lembke alerta que o vício não é mais apenas uma questão de drogas ilícitas. Vivemos uma nova era dos vícios silenciosos, socialmente aceitos, algoritmicamente estimulados que têm como raiz o mesmo mecanismo: o desejo de evitar o desconforto, a dor, o tédio. Jordan Peterson, psicólogo clínico e autor afirma que “a responsabilidade individual é o antídoto para o caos. Se você quiser consertar o mundo, comece arrumando sua própria vida.”
A dopamina é um neurotransmissor natural do cérebro, frequentemente associado ao prazer e à motivação. Mas seu papel vai muito além de simplesmente nos fazer sentir bem. Ela é o combustível por trás das nossas buscas, dos desejos e das recompensas. Quando comemos algo gostoso, conquistamos um objetivo ou recebemos um elogio, é a dopamina que dispara, sinalizando ao cérebro que aquilo foi bom e deve ser repetido. O problema é que o cérebro não distingue o que é saudável do que é destrutivo, ele apenas responde ao estímulo.
A lógica é sedutora: se algo me dá prazer imediato, por que não repetir? O problema é que cada escolha prazerosa em excesso gera desequilibrio. E é aí que entra a encruzilhada moral: vamos continuar culpando o sistema, os outros, a falta de tempo? Ou vamos encarar o espelho?
Assim como no clássico Matrix, chega o momento em que cada indivíduo precisa decidir: tomar a pílula azul e continuar vivendo na ignorância reconfortante, ou engolir a pílula vermelha da verdade dura, desconfortável, mas libertadora.
A Verdadeira Liberdade
A responsabilidade individual não é uma ideia simpática. Ela não alivia, não anestesia, não acolhe. Mas ela liberta. Porque assumir responsabilidade é reconhecer que, embora não controlemos tudo, somos agentes reais das nossas escolhas e também das nossas recaídas. Viver dopado de estímulos é viver de forma passiva. Não há virtude em deixar que o algoritmo decida por nós. A verdadeira liberdade não está em consumir sem limites, mas em saber quando dizer não ao prazer fácil, ao entretenimento vazio, à fuga do real.
Isso não significa ignorar o contexto, as dificuldades emocionais ou os desafios sociais. Mas significa entender que nenhuma mudança será possível enquanto não reconhecermos o próprio papel na construção de sua vida. Não há Estado, guru, influenciador ou medicamento que possa substituir a coragem de um indivíduo que decide assumir as rédeas da própria jornada.
O Primeiro Passo para Romper com o Vício
A primeira etapa para romper com o vício é a sinceridade absoluta. E essa sinceridade começa com uma pergunta incômoda: “O que eu estou evitando sentir?”. Assumir responsabilidade não é cair no autojulgamento, mas dar o primeiro passo rumo à liberdade de fato aquela que exige esforço, disciplina e consciência.
Por fim, numa era de dopamina abundante, a escassez mais perigosa talvez seja a da verdade sobre nós mesmos. Eu concordo com a autora Anna Lembke quando diz que “evitar o sofrimento não nos protege, nos enfraquece.” Porque no fim, liberdade não é fazer tudo que se quer. Liberdade é ter força para dizer não ao que te domina.