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Artigo 1177: terceiro setor exige atenção dos contadores

Desconhecer o artigo 1177 pode gerar processos civis contra contadores. Saiba como esse dispositivo legal afeta a contabilidade do terceiro setor

Foto: Freepik
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*Artigo escrito por Ana Cláudia Simões, mestre em políticas públicas e CEO da Ativo Consultoria

Poucos contadores conhecem o artigo 1177 da Lei 10.406 de 2002. Portanto, muitos correm riscos de responsabilidade civil e de responderem a processos judiciais e nem mesmo sabem deste risco.

O artigo citado diz que para todos os fins legais, tudo que está registrado nos livros e documentos contábeis são responsabilidades do proprietário, se for uma empresa ou do presidente, se for uma instituição sem fins lucrativos.

O artigo deixa claro que a responsabilidade por esses conteúdos contábeis, para fins legais, são considerados como se fossem elaborados pelo representante legal da pessoa jurídica. Por esse motivo, o contador nunca assina sozinho os documentos contábeis, e sim em conjunto com o representante legal.

O que o Código Civil pretendeu demonstrar que para fins legais o representante legal de uma pessoa jurídica é o proponente e o contador é o preposto, ou seja, o executor.

Isso obriga primeiramente a uma relação de extrema confiança, pois a história da pessoa jurídica e o seu nome, em determinados contextos, ficam nas mãos de um profissional de contabilidade.

Por esse motivo, esse profissional, além de ter compromisso ético, também precisa ser a pessoa de confiança do representante legal em questões de conhecimento técnico, pois este profissional é quem demonstrará todo patrimônio, receitas e resultados da Pessoa jurídica para os órgãos fiscalizadores.

Significa dizer que em caso de fiscalização, perante o fiscal, o documento que ele audita é como se fosse elaborado pelo representante legal da pessoa jurídica.

Perante a fiscalização federal ou municipal ou estadual, para fins tributários, trabalhistas ou civis, se for encontrado algum problema nos demonstrativos contábeis, não adiantará o representante legal dizer que não foi ele quem os elaborou ou tentar responsabilizar o contador.

Ou seja, de qualquer modo, se houver motivação para auto de infração e multas pecuniárias, o responsável será o representante legal e este deverá arcar com as consequências onerosas das infrações.

Quando ocorrem essas situações, algumas vezes, quando responsável legal conhece seus direitos, ele termina movendo uma ação regressiva contra o contador. Isso significa dizer que o representante legal penalizado tentará também, via judicial, penalizar o técnico responsável: o contador.

O artigo do Código Civil também deixa claro que a responsabilidade do profissional é ampla, incluindo todos os elementos jurídicos da culpa: imprudência, negligência ou imperícia.

O que mais me preocupa, nestes 23 anos atuando como auditora contábil especializada em contabilidade do terceiro setor, é um número de demonstrativos contábeis deste seguimento que não atendem às normas específicas do Conselho Federal de Contabilidade.

Isso porque muitos contadores não conhecem de maneira aprofundada todas as legislações contábeis, trabalhistas, civis e tributárias específicas do terceiro setor.

Como normalmente os presidentes das instituições sem fins lucrativos não conhecem técnicas e normas contábeis, se estes demonstrativos estiverem com determinado grau de equívoco, estas instituições podem perder suas isenções, sofrer autos de infrações, serem tributadas referente a todas as receitas que receberam os últimos cinco anos e perder certificações, como a do CEBAS.

Portanto, os profissionais que assinam tais demonstrativos como contadores, neste caso de prejuízo ao cliente, podem sofrer processos civis por imperícia, se for acionado o referido artigo do Código Civil.

A Ativo Consultoria auditou vários demonstrativos contábeis em dois estados brasileiros no mês de maio de 2025 e 100% dos relatórios não estavam adequados à legislação do terceiro setor.

É urgente a melhor apreensão de conhecimento relacionado a esse segmento por parte dos profissionais de contabilidade.

Ana Cláudia Simões Carvalho, mestre em políticas públicas e CEO da Ativo ConsultoriaAna Cláudia Simões Carvalho, mestre em políticas públicas e CEO da Ativo Consultoria
Ana Cláudia Simões é mestre em políticas públicas. Foto: Acervo pessoal