A inteligência artificial (IA) já deixou de ser apenas uma tendência e passou a estar presente em diferentes meios, redesenhando a realidade. No mercado de trabalho, a tecnologia provoca transformações profundas em praticamente todas as profissões.
Segundo estudo da McKinsey Global Institute, até 375 milhões de trabalhadores no mundo precisarão mudar de ocupação, até 2030, por causa da automação. No Brasil, o número de empregos que serão afetados, em maior ou menor grau, ultrapassa os 31 milhões, dos quais 5,5 milhões correm risco de automatização completa, conforme a LCA 4Intelligence.
As áreas mais impactadas são aquelas baseadas em tarefas repetitivas e administrativas, como suporte técnico, teleatendimento, contabilidade e rotinas jurídicas.
Por outro lado, setores que exigem pensamento crítico, criatividade e empatia – como educação, saúde, comunicação e tecnologia – tendem a se fortalecer e a incorporar a IA como ferramenta de apoio, não de substituição.
No Espírito Santo, esse movimento já é perceptível em empresas, universidades e startups. Profissionais e instituições locais relatam uma mudança cultural e técnica sem precedentes, que exige aprendizado contínuo e novas formas de interação com a tecnologia.
Para Flávia Rapozo, conselheira da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Estado (ABRH-ES), a inteligência artificial não veio substituir o ser humano, mas transformar as funções existentes.
Muitas pessoas falam de substituição de profissões, mas eu acredito numa transformação. A mudança é favorável, no sentido de acelerar, de você trazer rapidez e produtividade. Principalmente com a IA generativa, que é uma inteligência que aprende ao passo que você vai utilizando e que você vai trazendo informações e colocando dados ali.”
Flávia Rapozo, conselheira da ABRH-ES
Empresas adotam IA em ritmo acelerado
No País, o avanço tecnológico é comprovado pelos dados mais recentes do IBGE, que identificou a IA como a tecnologia digital que mais cresceu em 2024. Em dois anos, o uso saltou de 16,9% para 41,9% entre empresas dos setores industrial e de transformação.
O crescimento do número de empresas que adotam as ferramentas é de 163%, conforme a constatação presente na Pesquisa de Inovação Semestral (Pintec). A quantidade passou de 1.619, em 2022, para 4.261, em 2024.
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Apesar dos avanços, a pesquisa também revela que a falta de qualificação ainda é o principal obstáculo para a adoção de novas ferramentas. Flávia Rapozo concorda e afirma que para o profissional se manter competitivo no mercado de trabalho é preciso se atualizar e se adaptar.
A tecnologia é nossa aliada. Mas essa facilitação que a tecnologia está trazendo precisa encontrar do lado de cá um usuário disposto a conhecer, a buscar, a entender esses conhecimentos. Também é necessário que a pessoa que está utilizando uma determinada tecnologia tenha senso crítico.”
Flávia Rapozo
A conselheira da ABRH-ES compara o momento atual à chegada dos computadores nos anos 1980. “Aquilo foi um susto, trouxe para as pessoas uma certa insegurança. Mas a gente vai se acostumando, se adequando, e é essa transformação do ambiente de trabalho que precisa ser observada como algo positivo e não como alguma coisa que vem para atrapalhar.”
Áreas mais impactadas: da administração à criação
Os dados do IBGE indicam que a administração é o setor que mais utiliza inteligência artificial (87,9%), seguida pelas áreas de comercialização (75,2%), desenvolvimento de produtos e serviços (73,1%) e produção (52%).
Os números revelam que a automação já ocupa espaços antes dominados por tarefas humanas, como análise de dados, controle financeiro e atendimento ao cliente.
Por outro lado, áreas criativas e de alta complexidade estão usando a IA para potencializar resultados. Na engenharia, a tecnologia é aplicada à análise preditiva e à manutenção industrial; na psicologia e na educação, auxilia na organização de processos e estudos; e na comunicação, na criação de conteúdos e roteiros.
“Trabalhar com a inteligência artificial é muito mais do que usar a inteligência artificial é trabalhar com a ferramenta. Então, é preciso ter uma análise crítica do uso dessas ferramentas, o pensamento criativo também tem que existir como uma característica humana associada à tecnologia”, destaca Lucas Passamani, coordenador de Pesquisa e Extensão da Faesa.
Educação: preparar para o futuro que já chegou
Para Passamani, as habilidades e competências para a utilização da IA, de forma a otimizar processos, precisam ser adquiridas e treinadas ainda durante a formação dos profissionais.
Hoje, em todas as áreas do conhecimento é importante o desenvolvimento dessas competências para que esses profissionais possam utilizar da melhor forma essas ferramentas no seu dia a dia.”
Lucas Passamani, coordenador de Pesquisa e Extensão da Faesa
Por isso, para acompanhar a nova realidade, o ensino tem se transformado. A estudante de Psicologia Lorena Coli, da Faesa, utiliza a IA como ferramenta de apoio, especialmente na organização dos estudos e na elaboração de projetos acadêmicos.
O uso responsável e técnico da IA já rendeu bons frutos para a estudante. Em setembro deste ano, Lorena ganhou o 8º HackLab FNESP com um projeto que utiliza a tecnologia. O prêmio reconhece propostas que solucionam problemas reais de forma inovadora.
“Nós criamos uma plataforma em que você consegue se cadastrar como aluno, instituição ou empresa e propor um desafio. Daí funciona como um sistema de ‘matchmaking’, em que os desafios propostos pelas empresas vão ser alinhados às competências e ao perfil dos alunos e também da instituição de ensino superior. A inteligência artificial foi crucial para a gente conseguir entregar isso dentro do prazo.”
Apesar de ver inúmeras vantagens nas ferramentas, a estudante do 8º período do curso ressalta que é preciso ter ética e responsabilidade, entendendo as limitações da IA.
A gente entende que em todas as áreas, principalmente na da saúde, a IA não vem como uma forma de substituir as profissões, mas sim de potencializar nossa atuação profissional. Então, na clínica, tem a questão da ética profissional e do sigilo. É muito importante entender que a gente não pode confiar todas as informações à ferramenta de inteligência artificial.”
Lorena Coli
Essa visão crítica é essencial, segundo especialistas, para evitar erros e também o chamado “estresse tecnológico”, fenômeno cada vez mais presente no cotidiano tanto das pessoas conectadas quanto daquelas que recusam a transformação.
“Uma das formas do estresse tecnológico é a pessoa achar que não consegue aprender a tecnologia. Já outras se tornam ‘escravas’ dela, não conseguem se desconectar. Essa fronteira entre o uso da tecnologia e aquilo que é humano precisa ser muito preservada, precisa ser buscada para que a gente não comece a ter com a máquina uma interação que é inerente aos seres humanos”, alerta Flávia Rapozo.
Indústria e startups capixabas colhem resultados
A transformação também abre espaço para novos negócios e profissões. O engenheiro Felipe Lobo, CEO da startup Futurai, deixou a carreira de professor para empreender no setor de inteligência artificial.
Para ele, a IA chegou não como substituta, mas como uma ferramenta de otimização. “A gente colocou um serviço extremamente complexo em algo muito mais rápido e otimizado para garantir escala.”
Fundada em Vitória, a empresa atende hoje 14 grandes indústrias em diferentes estados e usa IA para prever falhas em equipamentos — um problema que pode custar milhões por hora de paralisação.
A nossa proposta de valor é redução de perda de produção. É basicamente utilizar uma IA para consultar um volume de dados gigantesco de uma determinada indústria para poder entregar previsibilidade sobre falhas.”
Felipe Lobo
O caso da Futurai ilustra uma tendência global: empresas que adotam a inteligência artificial não apenas reduzem custos e aumentam eficiência, mas também criam novas oportunidades de carreira em ciência de dados, desenvolvimento de modelos e gestão tecnológica.
E na empresa capixaba, a ferramenta de IA não é só o produto oferecido. Ela também faz parte do dia a dia dos funcionários. Na área de programação, por exemplo, os profissionais têm uma produtividade cinco vezes maior do que tinham, no ano passado.
“Por quê? Porque temos ferramentas de IA que dão essa produtividade muito grande. Então, hoje, a gente consegue, com menos pessoas, produzir mais. Então, esse é um ponto claro de que a IA garante, pelo menos na área de programação, uma redução de custo”, disse Lobo.
IA: presente e futuro
Para a especialista em gestão de pessoas Flávia Rapozo, a inteligência artificial não é uma moda passageira, mas uma mudança estrutural na forma como a sociedade produz, consome e se relaciona com o trabalho.
“Ela é completamente necessária e realmente não é um modismo. Todo esse avanço veio pra ficar.”
Esse olhar de permanência e adaptação também orienta a 24ª Jornada Científica e Cultural (JCC) da Faesa, que há mais de duas décadas promove a integração entre academia, mercado e sociedade.
O evento, que vai até o dia 28 de outubro com 162 atividades promovidas, 273 trabalhos submetidos e 168 estudantes autores de trabalhos, é um reflexo do próprio movimento de transformação que a IA representa — um espaço onde ideias se convertem em soluções e conhecimento em desenvolvimento social.
Mais do que um encontro acadêmico, a JCC funciona como uma ponte entre a universidade e o mundo real, aproximando teoria e prática por meio de projetos, oficinas e palestras que envolvem estudantes, professores e comunidade.
Após anos de pesquisas e trabalhos, a Jornada Científica e Cultural demonstra que inovação e conhecimento caminham juntos – e que o futuro do trabalho dependerá, cada vez mais, da capacidade humana de aprender, colaborar e se reinventar.