Essa foi a principal conclusão do segundo encontro do Lab Futuros, uma plataforma de pré-aceleração de negócios periféricos com foco em impacto socioambiental.
Quem mais sofre com alagamentos, deslizamentos, ondas de calor e os impactos diários do aquecimento global? A periferia. E quais mentes são as mais preparadas para criar ideias que pensem uma realidade mais sustentável para a periferia? Quem vive nela. A sustentabilidade, hoje, ainda é um campo onde a periferia é quem mais sofre com os impactos, no entanto, não são chamados para sentar à mesa. Essa foi a principal conclusão do segundo encontro do Lab Futuros, uma plataforma de pré-aceleração de impacto socioambiental para as periferias. O evento, que vem se firmando como um espaço de articulação política, valorização dos saberes locais e fortalecimento de vínculos comunitários, foi realizado na Escola Municipal Paulo Freire, no bairro Inhanguetá, em Vitória.
Com o tema “Territórios Negros, Futuros Verdes”, uma plateia atenta participou ao longo do dia de uma programação repleta de debates grandiosos. Foram mais de dez horas de programação intensa que mobilizaram lideranças comunitárias, empreendedores locais, especialistas de várias partes do país e moradores da Grande Vitória em torno de um objetivo comum: pensar e construir um futuro sustentável que, de fato, contemple os territórios periféricos.
“Periferia virou mote de campanha”
“Periferia virou mote de campanha, de projetos, mas quantas dessas iniciativas realmente nascem na e com a periferia? O que se vê é investimento indo para negócios na periferia, mas criados por quem nunca vivenciou a periferia”, pontuou Priscila Gama, idealizadora do Lab Futuros e voz ativa na comunidade preta e periférica capixaba.
Segundo ela, esse debate sobre inclusão precisa ir além do discurso e se materializar em ações concretas. “Não existe inclusão sem dinheiro. Somos o resultado das estratégias dos nossos ancestrais, e precisamos agora de recursos para não ter que começar sempre do zero”, explica. O projeto busca exatamente isso: estruturar negócios e iniciativas que vão mudar a realidade daqueles locais.
Já para Jairo Malta, fundador da ONG Confluência das Favelas e Corre — que veio de São Paulo, o Lab Futuros é um espaço de escuta, criação e ação coletiva, onde a inovação não é algo importado de centros urbanos privilegiados, mas cultivada há gerações nas bordas invisibilizadas da cidade. Malta, que também é jornalista e pesquisador, ressaltou que é complexo pensar em um futuro quando se está ocupado tentando sobreviver ao presente – caso de muitas mentes pensantes da periferia. “A gente não teve tempo de parar pra pensar no futuro. A periferia tem projetos incríveis, mas falta visibilidade, falta contato”, alertou.
Para incentivar, conectar e fortalecer lideranças comunitárias, o evento também contou com a sabedoria ancestral de Noele Gomes, Especialista em Liderança, Empreendedorismo e Saberes Ancestrais. Ela compartilhou seus conhecimentos a fim de colaborar para a formação de lideranças mais sensíveis, atentas e estratégicas.
Conexão com o território
Entre workshops e painéis, ações práticas como a coleta de garrafas PETs e latinhas de metal foram realizadas em alusão à Semana do Meio Ambiente, comprovando que sustentabilidade também é renda, circularidade, e prática coletiva.
Alunos da EMEF Paulo Freire, palco do evento, também tiveram a oportunidade de se conectar com o tema, apresentando projetos sustentáveis elaborados ali mesmo, no colégio, por iniciativa própria. Fechando um dia intenso de aprendizados, o Slam dos Crias tomou a escola com poesia potente vinda da própria comunidade.
A fundadora do Instituto Das Pretas destacou que as populações periféricas não devem ser vistas como coadjuvantes, mas sim como o centro das soluções, e ressaltou a importância de não ceder esse lugar, mesmo quando são convidadas a participar.
“No Brasil, a periferia tem cor, tem criatividade, tem estratégia e, acima de tudo, tem fome de futuro, mas um futuro no singular não serve. É impossível pensar um futuro que não esteja no plural, que não inclua todas as pessoas de todos os territórios”, finalizou Priscila.