O que dizem especialistas

Velocidade máxima nas ruas das cidades pode mudar para 30 km/h; entenda

Documento ainda está em debate e não torna redução obrigatória, mas expõe argumentos para justificá-la; especialistas defendem a medida

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Foto: Freepik
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Uma consulta pública realizada pelo Ministério dos Transportes de 22 de julho a 21 de agosto recolheu sugestões para incluir no Guia de Gestão de Velocidades no Contexto Urbano, documento produzido pela Secretaria Nacional de Trânsito com o objetivo de orientar gestores e técnicos dos 5.569 municípios brasileiros quando forem planejar, revisar ou implementar políticas de gestão de velocidades em vias urbanas, na tentativa de reduzir os acidentes e as mortes.

A consulta recebeu 16 colaborações, que agora serão avaliadas e, se aprovadas, incluídas no documento. Entre as recomendações está a de que a velocidade máxima permitida na maioria das ruas das cidades passe a ser de 30 km/h.

Atualmente, segundo o Código de Trânsito Brasileiro, nas vias urbanas onde não há sinalização indicando o limite de velocidade, ele é de 80 km/h nas vias de trânsito rápido, 60 km/h nas vias arteriais, 40 km/h nas vias coletoras e 30 km/h nas vias locais, que são raras: são as ruas destinadas a acesso local ou a áreas restritas.

A proposta feita pelo guia não torna a redução obrigatória – trata-se de uma sugestão que ainda será debatida pelos órgãos responsáveis pela mobilidade urbana.

A principal justificativa para a redução do limite é a diminuição de acidentes e de mortes no trânsito. Quase 35 mil pessoas morreram em acidentes no trânsito, no Brasil, em 2023, segundo o DataSUS, e nos dez anos entre 2011 e 2020 houve cerca de 380 mil mortes.

Avenida Vitória
Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Os acidentes de trânsito geram um custo de R$ 10 bilhões por ano ao País, a maior parte em decorrência de perda da produção e gastos hospitalares. Só os acidentes com motociclistas geraram ao Sistema Único de Saúde (SUS) em 2020 e 2021 uma despesa de R$ 279 milhões com internações.

Estudo indica redução de 18 mil mortes

Um estudo apresentado pelo guia estima que a adoção adequada de medidas relacionadas ao controle e redução da velocidade permitiria evitar quase 18 mil mortes por ano no país.

Por isso, a sugestão registrada no guia é de limite padrão de 30 km/h em áreas urbanizadas. Esse limite é defendido por organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das medidas mais eficazes para prevenir mortes e lesões no trânsito.

A cartilha propõe algumas exceções ao padrão de 30 km/h. Em áreas onde muitas pessoas circulam a pé, como calçadões, ruas de lazer, trechos de centros históricos ou zonas escolares com grande fluxo de crianças, o limite recomendado é de 10 km/h.

Em “vias urbanas que exercem a função principal de conexão entre bairros e regiões da cidade, permitindo a circulação de pessoas e o transporte de bens em distâncias médias”, os limites podem ser entre 40 e 50 km/h, “desde que apresentem características de infraestrutura que reduzam os riscos de sinistros graves”, como separação entre fluxos com canteiros centrais e faixas de serviço no passeio, cruzamentos como semáforos e reforço da sinalização viária horizontal e vertical.

Mesmo nesses casos, recomenda-se limitar a 40 km/h sempre que houver equipamentos públicos próximos ou áreas com maior presença de pessoas.

Limites de velocidades superiores a 50 km/h devem ser exceção, usados apenas em vias expressas que estejam segregadas do contexto urbano.

Para Sérgio Avelleda, coordenador do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável do Centro de Estudos das Cidades do Insper, a redução do limite é adequada e necessária.

“Nas últimas décadas a tecnologia tornou os carros muito mais seguros para quem está dentro deles, com airbags, cinto de três pontas, uso de materiais que entortam facilmente em uma eventual colisão. Mas, para pedestres, ciclistas e motociclistas, o risco permanece o mesmo, porque o corpo humano não mudou. Então, é preciso proteger esse grupo de pessoas, e a redução do limite de velocidade é a solução”, afirmou.

“Um pedestre atingido por um carro a 30 km/h tem 10% de chance de morrer; se o carro estiver a 40 km/h, a chance é de 30%, e se estiver a 50 km/h, a chance sobe para 85%. É preciso proteger quem anda a pé”, defende.

Avelleda ressalta que, no trânsito urbano, correr mais não proporciona um ganho significativo de tempo no trajeto. “Essa conta só faz sentido em um autódromo, onde não há semáforos nem o mesmo tipo de congestionamento das ruas. Nessas, o fluxo de trânsito impede que o motorista ganhe tempo”, afirma.

O guia dá exemplos baseados em estudos realizados em cidades brasileiras. Em Fortaleza, a redução de 60 km/h para 50 km/h em uma via gerou acréscimo de 6 segundos por quilômetro, no percurso. Em Campinas, a mesma comparação, em experimento controlado, gerou acréscimo de 10 a 15 segundos por quilômetro.

Em Curitiba, uma comparação entre motoristas que respeitaram o limite de velocidade de 40 km/h em certo trecho e quem excedeu esse limite foi de apenas 3 segundos por quilômetros. Considerando esses dados, quem percorre um trajeto de 12 quilômetros dentro da cidade vai ganhar menos de dois minutos se não respeitar o limite de velocidade.

Campo de visão

Outro dado científico favorável à redução do limite de velocidade exposto pelo guia se refere ao campo de visão do motorista. Quem dirige a uma velocidade de 40 km/h tem campo de visão com um ângulo de 100 graus.

O campo de visão é a abertura horizontal que a visão alcança; quanto maior este valor, maior é a visão periférica e, portanto, maior a capacidade de perceber riscos.

Ao aumentar a velocidade para 70 km/h, o campo de visão se reduz para 65 graus, o que representa perda proporcional de 35% no campo de visão do condutor.

Mais um estudo favorável à redução dos limites de velocidade exposto pelo guia foi realizado pelo Word Resources Institute em parceria com Global Road Safety Facility, em 2021, e concluiu que condutor que viaja a 70 km/h percorrerá cerca de 38 metros para perceber uma situação de risco e acionar os freios, e mais 48 metros para o veículo parar, chegando ao total de 86 metros.

Se a velocidade for de 50 km/h, essa distância de percepção e reação é reduzida para aproximadamente 21 metros e a mesma quantia é necessária para parar – a distância total até a parada, portanto, será de 42 metros, menos da metade da distância de parada do caso anterior.

Para Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, a redução da velocidade é uma das medidas capazes de reduzir os acidentes e as mortes no trânsito, mas é preciso uma mudança cultural.

“Em São Paulo as pessoas respeitam mais as regras de trânsito, no Rio isso é mais complicado. Pedestre atravessa fora da faixa, motoristas estão habituados a passar no semáforo vermelho, a andar na contramão, acham que podem estacionar onde é proibido. Outro dia vi um rapaz que parou o carro embaixo de uma placa que indicava ser proibido parar ali, havia um guarda e ele foi abordado. Aí tentou argumentar: ‘Seu guarda, eu estou trabalhando, o que o senhor quer fazer é um esculacho’ Ora, ele queria só cumprir a lei. Tem que mudar a postura”, avalia.

Limite dinâmico

Uma das 16 colaborações ao guia apresentadas durante a consulta foi da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), que apresentou um extensa lista de observações e sugestões, especialmente para os trechos urbanos das rodovias.

Uma delas é de adotar limite de velocidade dinâmico (variável). O limite poderia variar conforme a existência de obras, congestionamentos e acidentes e, nos trechos urbanos, durante os horários de maior fluxo de pedestres e ciclistas, e seria informado por meio de painéis eletrônicos.

O diretor-executivo da ABCR, Marco Giusti, ressalta que essa é uma proposta de difícil implementação atualmente.

“Quisemos lançar o debate, mas há outras medidas mais viáveis para o momento”, afirmou. “Uma delas é a medição da velocidade média como forma complementar de controlar a velocidade dos veículos”, disse.

Essa proposta é de instalar um aparelho no início e outro no fim de um trecho, ambos capazes de identificar o carro e medir quanto tempo ele demorou para fazer aquela travessia. Assim é possível calcular a velocidade média, que, se for acima do limite, poderia gerar punição – a legislação atual não prevê multa nesse caso.

“Já foi feita uma experiência na região de Uberaba, e o teste foi muito bem-sucedido”, contou Giusti. “Isso evita uma prática que é bastante usual: o motorista está acima da velocidade, quando se aproxima do radar reduz e depois acelera novamente”, explica. Segundo ele, experiências internacionais indicam que essa medição deve ser feita em um trecho máximo de 15 quilômetros.

Espírito Santo

O Departamento Estadual de Trânsito do Espírito Santo (Detran|ES) informou que analisa com critério a consulta pública aberta pelo Ministério dos Transportes. O órgão fará os esforços necessários para contribuir com qualquer medida que tenha o objetivo de aumentar a segurança viária e, assim, está pronto para adotar as ações necessárias.