Com a popularização de medicamentos injetáveis para emagrecimento, como Ozempic (semaglutida) e Mounjaro (tirzepatida), o Brasil começa a ver surgir versões nacionais desses produtos, prometendo resultados semelhantes a custos reduzidos.
Um dos nomes que mais chama atenção atualmente é o Olire, apontado como uma caneta injetável que “substitui o Mounjaro” e promete a perda de até 20 kg.
Disponível em farmácias de manipulação em diversas cidades brasileiras, o Olire é comercializado como fórmula individualizada, à base do princípio ativo tirzepatida, o mesmo utilizado no medicamento original da farmacêutica norte-americana Eli Lilly, aprovado para uso no Brasil sob prescrição médica.
A crescente oferta do produto em redes sociais, clínicas estéticas e influenciadores levanta uma série de questões: pode ser usado livremente? Tem registro na Anvisa? É seguro? A promessa de emagrecimento acelerado com uso de injetáveis é compatível com as diretrizes médicas ou esbarra em riscos à saúde pública?
O QUE É A TIRZEPATIDA E COMO FUNCIONA
A tirzepatida é uma molécula inovadora aprovada para o tratamento de diabetes tipo 2 e também para obesidade. Ela atua em dois receptores hormonais do intestino humano — o GLP-1 (peptídeo semelhante ao glucagon tipo 1) e o GIP (polipeptídeo insulinotrópico dependente da glicose). A combinação dessa dupla ação reduz o apetite, aumenta a saciedade e melhora o controle glicêmico.
O medicamento original com tirzepatida se chama Mounjaro, lançado globalmente pela Eli Lilly e aprovado no Brasil pela Anvisa para o tratamento de diabetes tipo 2. Em 2023, a agência norte-americana FDA aprovou o uso da tirzepatida também como tratamento para obesidade, em doses maiores, sob o nome Zepbound.
Estudos clínicos multicêntricos indicaram que pacientes com obesidade sem diabetes, ao usarem tirzepatida, perderam em média 15% a 20% do peso corporal total ao longo de 72 semanas, desde que associados a dieta e prática de exercícios físicos.
O QUE É O OLIRE: FORMULAÇÃO NACIONAL MANIPULADA
O Olire não é um medicamento registrado com marca pela Anvisa. Em vez disso, é uma formulação manipulada, oferecida por farmácias magistrais que trabalham com prescrição personalizada.
O produto utiliza tirzepatida grau farmacêutico, em concentrações que variam conforme orientação médica, e é disponibilizado na forma de caneta preenchida, semelhante aos dispositivos de aplicação usados em medicamentos como Ozempic e Victoza.
Por estar dentro do escopo da manipulação magistral — ou seja, individualizada para um paciente com receita médica — o Olire não precisa de registro formal na Anvisa como um produto industrial. No entanto, isso não significa que o uso seja livre de riscos ou que o medicamento possa ser prescrito indiscriminadamente.
Segundo as normas da Resolução RDC nº 67/2007, farmácias de manipulação podem formular medicamentos a partir de princípios ativos permitidos no país, desde que haja prescrição, controle de qualidade e rastreabilidade da matéria-prima. A tirzepatida, embora aprovada no Brasil, não está ainda amplamente padronizada para manipulação, o que gera debate entre profissionais de saúde e farmacêuticos.
PODE SUBSTITUIR O MOUNJARO?
Na prática clínica, alguns médicos têm prescrito tirzepatida manipulada como alternativa ao Mounjaro, sobretudo diante da escassez do produto original e de seu alto custo (que pode ultrapassar R$ 2.000 por mês). O Olire, nesse contexto, surge como uma tentativa de democratizar o acesso à substância, com custo que varia entre R$ 500 e R$ 800 mensais, dependendo da dose e farmácia.
No entanto, vale ressaltar que a equivalência entre medicamentos industrializados e manipulados não é garantida, já que a pureza, estabilidade, biodisponibilidade e segurança podem variar conforme o fornecedor da matéria-prima e o processo de fabricação.
A Anvisa já emitiu alertas sobre a importação e o uso de insumos farmacêuticos ativos (IFAs) sem garantia de origem, especialmente no caso de novos medicamentos de alta complexidade como a tirzepatida.
O RISCO DA AUTOMEDICAÇÃO E DA VENDA SEM PRESCRIÇÃO
Um dos principais pontos de preocupação entre endocrinologistas e entidades médicas é a popularização do uso dessas canetas manipuladas fora de um ambiente controlado. Em diversas redes sociais, o Olire vem sendo promovido por influenciadores e até mesmo clínicas estéticas sem vínculo com endocrinologistas, o que contraria as boas práticas médicas e éticas.
A tirzepatida, assim como a semaglutida, pode provocar efeitos adversos importantes, incluindo:
- Náuseas, vômitos e diarreia
- Risco de hipoglicemia (em pacientes diabéticos)
- Pancreatite
- Alterações na vesícula biliar
- Perda excessiva de massa magra
- Efeitos psicológicos ligados à imagem corporal
Além disso, o uso prolongado sem monitoramento pode mascarar distúrbios alimentares ou gerar dependência emocional do medicamento para controle de peso.
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) reforçam que medicamentos para emagrecimento devem ser usados apenas com acompanhamento profissional, em pacientes com indicação clínica e sempre como parte de um plano terapêutico completo, que inclui reeducação alimentar, suporte psicológico e atividade física.
EXISTE AUTORIZAÇÃO DA ANVISA?
Sim, a tirzepatida é um princípio ativo aprovado pela Anvisa, presente em medicamentos com registro no Brasil. No entanto, o Olire, como marca ou produto manipulado, não possui registro próprio, pois se encaixa na categoria de formulação magistral individualizada.
Isso significa que:
- Pode ser prescrito e manipulado com receita médica válida
- Deve ser preparado por farmácias magistrais autorizadas e fiscalizadas pela vigilância sanitária
- Não pode ser vendido livremente ou divulgado com promessas terapêuticas sem respaldo científico
O marketing de medicamentos manipulados com promessas de “emagrecimento rápido” ou “perda de 20 kg” pode configurar infração sanitária e publicidade enganosa, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor e as normas da Anvisa.
CONSUMIDORES DEVEM ESTAR ATENTOS
A crescente demanda por soluções de emagrecimento rápidas e supostamente seguras, como as canetas injetáveis, exige maior responsabilidade por parte de quem vende e consome. O Olire, embora baseado em um princípio ativo eficaz e aprovado, não é isento de riscos e não deve ser utilizado sem acompanhamento médico.
Especialistas recomendam atenção a:
- Farmácias de manipulação que não exigem prescrição
- Vendas em redes sociais, marketplaces ou sites sem registro
- Informações vagas sobre a procedência do ativo
- Doses padronizadas oferecidas sem consulta individual
O emagrecimento saudável, segundo consensos médicos, envolve não apenas a perda de peso, mas a mudança sustentável de comportamento, redução de riscos metabólicos e preservação da saúde física e mental.