Nos últimos anos, o lugol, uma solução composta por iodo elementar e iodeto de potássio diluídos em água, voltou a ganhar notoriedade nas redes sociais, sendo citado como responsável por melhorias significativas na saúde de alguns usuários.
Relatos incluem desde o desaparecimento de cistos ovarianos, melhora da pele e cabelos, até o alívio de doenças respiratórias e redução da necessidade de hormônios para a tireoide.
Essas experiências são frequentemente compartilhadas em vídeos e comentários entusiasmados que viralizam em plataformas como Instagram e TikTok. Entre os efeitos atribuídos ao uso do lugol estão:
- Desaparecimento de cistos ovarianos
- Melhora da asma e alergias sazonais
- Redução da queda de cabelo
- Hidratação da pele e pés mais saudáveis
- Redução da dose de hormônio da tireoide
Apesar da repercussão, a comunidade médica alerta que esses testemunhos não substituem evidências clínicas. O uso indiscriminado do lugol pode representar riscos à saúde, especialmente quando feito sem acompanhamento profissional.
O QUE É LUGOL?
O lugol é uma solução inventada em 1829 pelo médico francês Jean Lugol, originalmente usada como antisséptico e para tratamento de deficiências de iodo. A versão mais comum tem concentração de iodo a 5%, sendo utilizada até hoje em algumas situações clínicas específicas, como preparação pré-operatória em cirurgias de tireoide ou no tratamento de emergências por exposição à radiação.
Nos anos recentes, o produto passou a circular em meios alternativos de saúde e no universo das terapias naturais, ganhando espaço entre adeptos da medicina integrativa, que defendem seu uso para melhorar o funcionamento da tireoide, combater inflamações e até reverter quadros de doenças autoimunes.
IODO E TIREOIDE: UMA RELAÇÃO SENSÍVEL
O iodo é um mineral essencial para o funcionamento da glândula tireoide, responsável pela produção dos hormônios T3 e T4, que regulam diversas funções do corpo, como o metabolismo, a temperatura corporal e o funcionamento do cérebro.
A deficiência de iodo pode levar a distúrbios como bócio e hipotireoidismo, e seu excesso pode causar o efeito oposto — inclusive desencadear hipertireoidismo ou agravar doenças autoimunes como a tireoidite de Hashimoto. A ingestão diária recomendada de iodo varia conforme a idade e condição do indivíduo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um adulto saudável deve consumir cerca de 150 microgramas de iodo por dia.
Especialistas alertam que o uso de lugol a 5% pode ultrapassar facilmente essa dosagem. Uma única gota contém aproximadamente 6,25 miligramas de iodo — o equivalente a mais de 40 vezes a dose diária recomendada. Por isso, sua suplementação exige cautela e acompanhamento médico rigoroso.
RELATOS COMO EVIDÊNCIA: O QUE A CIÊNCIA DIZ?
A associação entre uso de lugol e desaparecimento de cistos ovarianos, como mencionado em diversos depoimentos, ainda carece de comprovação científica robusta. A literatura médica não reconhece o lugol como tratamento padrão para essa condição. No entanto, sabe-se que o iodo tem um papel na regulação hormonal e que alterações nos níveis hormonais podem, em alguns casos, influenciar a dinâmica de cistos.
No caso da asma e das alergias, não há estudos conclusivos que demonstrem uma relação direta entre a suplementação de iodo e a melhora dos sintomas respiratórios. Por outro lado, o iodo tem propriedades antimicrobianas e pode atuar no equilíbrio do sistema imunológico, o que poderia, teoricamente, influenciar quadros alérgicos. Mas, novamente, os relatos individuais não bastam para validar essas hipóteses sem respaldo técnico.
Em relação à saúde da pele e dos cabelos, existem estudos limitados que apontam que o iodo, quando em níveis adequados, pode contribuir para o metabolismo celular e favorecer a produção de queratina, beneficiando unhas, pele e cabelo. Contudo, ainda não há consenso sobre a necessidade de suplementação em indivíduos que não apresentam deficiência do mineral.
O USO DO LUGOL NO BRASIL
No Brasil, a venda do lugol é permitida, inclusive em farmácias de manipulação e por prescrição médica. No entanto, seu uso como suplemento de rotina não é recomendado pelos principais órgãos de saúde.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabelece normas para a comercialização do produto, mas não reconhece indicações terapêuticas amplas como as que circulam nas redes sociais. O mesmo vale para a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), que recomenda cautela no uso de iodo fora de contextos clínicos específicos.
CONTRAINDICAÇÕES E RISCOS DO USO INDISCRIMINADO
O uso indiscriminado de lugol pode levar a efeitos adversos importantes, como:
- Hipertireoidismo ou hipotireoidismo induzido
- Distúrbios gastrointestinais (náuseas, dor abdominal)
- Dermatites ou reações alérgicas
- Alterações no ritmo cardíaco
- Desequilíbrio hormonal em longo prazo
Além disso, pessoas com histórico de doenças autoimunes, gestantes e lactantes devem ter atenção redobrada quanto à suplementação de iodo, pois o excesso pode prejudicar o desenvolvimento do bebê e a saúde da mãe.
A IMPORTÂNCIA DO ACOMPANHAMENTO MÉDICO
Especialistas recomendam que qualquer suplementação de iodo seja feita com base em exames laboratoriais, como a dosagem de TSH, T3, T4 e anticorpos antitireoidianos. Também é possível medir os níveis de iodo na urina, embora esse tipo de exame não seja rotineiramente solicitado no Brasil.
Médicos endocrinologistas e nutrólogos são os profissionais mais indicados para acompanhar o uso do lugol de forma segura e personalizada, especialmente em casos que envolvam disfunções hormonais, alergias persistentes ou doenças autoimunes.
MODISMO OU DESCOBERTA?
A redescoberta do lugol por parte de grupos interessados em terapias naturais é vista com ceticismo por parte da comunidade científica, mas também desperta interesse em aprofundar estudos sobre os possíveis benefícios do iodo além das funções já conhecidas.
Enquanto isso, autoridades de saúde reforçam que relatos individuais, ainda que inspiradores, não devem substituir orientação médica profissional. A busca por bem-estar e autonomia sobre a saúde é legítima, mas deve caminhar ao lado da responsabilidade e da informação de qualidade.
COMO COMPRAR O LUGOL?
A solução de Lugol 5% pode ser encontrada em farmácias de manipulação, lojas de produtos naturais e plataformas online especializadas. No entanto, é fundamental verificar a procedência e a confiabilidade do fabricante antes da compra.
O ideal é optar por estabelecimentos com registro na Anvisa e consultar um profissional de saúde antes de iniciar o uso. Em muitos casos, o Lugol é vendido em frascos com conta-gotas e deve ser armazenado em local escuro, seco e longe do alcance de crianças.
A dosagem e o tempo de uso devem sempre seguir orientação médica ou nutricional, já que o excesso de iodo pode provocar efeitos colaterais e interferir na função da tireoide.