A vitamina D é amplamente reconhecida por seu papel na saúde óssea.
Presente em rótulos de alimentos fortificados, suplementos nutricionais e prescrições médicas, ela se tornou sinônimo de cálcio, sol e prevenção do raquitismo.
Mas, embora seja chamada de “vitamina” desde sua descoberta no início do século XX, parte da comunidade científica defende que a substância deveria ser classificada como hormônio, por seu modo de produção, seus mecanismos de ação e os múltiplos efeitos fisiológicos que exerce.
A discussão não é apenas terminológica. Compreender o verdadeiro papel da vitamina D no organismo humano pode influenciar a forma como ela é estudada, administrada clinicamente e interpretada em exames laboratoriais.
Isso também contribui para o avanço das pesquisas sobre sua atuação além do metabolismo ósseo, incluindo imunidade, saúde mental e equilíbrio hormonal.
COMO A VITAMINA D É PRODUZIDA PELO CORPO HUMANO
Diferente da maioria das vitaminas, que devem ser obtidas exclusivamente por meio da alimentação, a vitamina D pode ser sintetizada pelo próprio corpo humano. Isso ocorre principalmente na pele, a partir da exposição aos raios ultravioleta B (UVB), que desencadeiam a conversão do 7-dehidrocolesterol em pré-vitamina D₃, posteriormente transformada em colecalciferol (vitamina D₃).
Essa característica é uma das razões pelas quais muitos pesquisadores a consideram um hormônio e não uma vitamina. Hormônios, por definição, são substâncias produzidas pelo próprio organismo que exercem funções reguladoras à distância, o que se aplica perfeitamente à vitamina D após sua ativação.
DA DESCOBERTA AO DEBATE ATUAL: UMA MUDANÇA DE PARADIGMA
A vitamina D foi identificada no início do século XX, em meio a pesquisas sobre o raquitismo, doença que causa deformidades ósseas em crianças. Na época, vitaminas eram definidas como nutrientes essenciais que precisavam ser obtidos da dieta, e a substância foi assim classificada por sua capacidade de prevenir a enfermidade.
Com o tempo, descobriu-se que o corpo humano é capaz de sintetizar a vitamina D naturalmente, tornando a classificação inicial imprecisa.
“Tecnicamente, ela poderia ser classificada como um hormônio esteroide pleiotrópico”, afirma a endocrinologista e coordenadora de pesquisa médica do CPAH (Centro de Pesquisa e Análises Heráclito), Dra. Jacy Maria Alves.
Ela explica que a vitamina D atua em receptores celulares e regula funções como imunidade, metabolismo ósseo, equilíbrio hormonal e até o humor, efeitos típicos de um hormônio.
FUNÇÕES QUE VÃO ALÉM DA SAÚDE DOS OSSOS
Tradicionalmente associada à absorção de cálcio e fósforo no intestino, a vitamina D é essencial para a mineralização óssea e prevenção de doenças como osteoporose, osteomalácia e raquitismo. Mas estudos mais recentes revelam que seus efeitos vão muito além do esqueleto.
A vitamina D participa da modulação do sistema imunológico, sendo capaz de influenciar a resposta inflamatória e auxiliar no equilíbrio do sistema de defesa do organismo. Pesquisas mostram que ela atua na supressão de vias pró-inflamatórias, como NFκB, TNF e MAPK, ao mesmo tempo em que favorece respostas anti-inflamatórias.
Além disso, há evidências de sua atuação na saúde cardiovascular, na função muscular, no metabolismo da glicose e até na saúde mental. Deficiências de vitamina D têm sido associadas a quadros de fadiga crônica, baixa imunidade, maior risco de infecções e alterações de humor.
O EFEITO HORMONAL DA VITAMINA D NO ORGANISMO
Após sua produção na pele ou ingestão via suplementos e alimentos, a vitamina D passa por duas etapas de ativação: no fígado, é convertida em 25-hidroxivitamina D (calcidiol), forma mais comum dosada em exames de sangue; nos rins, é transformada em 1,25-diidroxivitamina D (calcitriol), sua forma biologicamente ativa.
Essa versão ativa atua como hormônio, interagindo com receptores específicos em células de diversos tecidos. Essa interação regula a expressão de centenas de genes, afetando processos celulares como crescimento, diferenciação, apoptose (morte celular programada) e resposta imunológica.
Por esses motivos, parte da literatura científica a classifica como um hormônio esteroide, com ação pleiotrópica — ou seja, com múltiplos efeitos em diferentes tecidos.
EXPOSIÇÃO SOLAR E VARIÁVEIS QUE INFLUENCIAM A SÍNTESE NATURAL
A principal forma de obter vitamina D continua sendo a exposição ao sol. Estima-se que entre 80% e 90% da necessidade diária da substância possa ser suprida por meio da síntese cutânea. No entanto, essa produção depende de diversos fatores, como:
- Hora do dia e localização geográfica
- Tipo de pele e quantidade de melanina
- Idade da pessoa
- Uso de roupas ou protetor solar
- Tempo de exposição
Com a vida urbana e o uso frequente de filtros solares, muitas pessoas têm sua capacidade de sintetizar vitamina D reduzida. Além disso, em locais com baixa incidência solar durante o inverno, a deficiência da substância pode se tornar comum.
QUANDO A SUPLEMENTAÇÃO É INDICADA
A suplementação de vitamina D pode ser recomendada por médicos quando há deficiência diagnosticada por meio de exames laboratoriais. Segundo a endocrinologista Dra. Jacy Maria Alves, o uso indiscriminado de suplementos, sem prescrição, pode trazer riscos à saúde.
“O excesso de vitamina D, assim como a deficiência, pode trazer riscos. A suplementação deve ser personalizada e baseada em exames laboratoriais que avaliem os níveis no sangue”, afirma a médica.
A hipervitaminose D, provocada por doses elevadas e prolongadas, pode causar intoxicação, levando a sintomas como náusea, fraqueza, sede excessiva, confusão mental e, em casos graves, comprometimento renal.
Por outro lado, a deficiência de vitamina D está associada a maior risco de fraturas ósseas, baixa imunidade e doenças autoimunes.
A VITAMINA D COMO REGULADORA DA HOMEOSTASE CORPORAL
A homeostase é o equilíbrio interno do organismo necessário para seu bom funcionamento. De acordo com especialistas, a vitamina D — ou hormônio D, como alguns preferem — atua de forma central na regulação de diversos sistemas para manter essa estabilidade.
“É uma substância-chave para a homeostase do organismo”, explica Dra. Jacy Maria Alves. “Ela está envolvida em mecanismos que afetam diretamente a imunidade, o metabolismo, a função muscular e o equilíbrio hormonal.”
Dessa forma, sua deficiência pode ter repercussões sistêmicas, o que reforça a importância de avaliar regularmente seus níveis no sangue, especialmente em grupos de risco como idosos, pessoas com doenças crônicas, obesidade, distúrbios intestinais e gestantes.
NOVOS CAMINHOS PARA A PESQUISA E CLÍNICA
A redefinição da vitamina D como hormônio não é apenas uma questão de terminologia acadêmica. Ela pode reorientar linhas de pesquisa, protocolos clínicos e políticas públicas de saúde.
Ao compreendê-la como um hormônio com atuação ampla e complexa, torna-se mais evidente a necessidade de abordagens clínicas integradas, que levem em consideração seus múltiplos efeitos e a variabilidade individual na produção e absorção.
Além disso, a compreensão mais ampla sobre seu papel na saúde global do organismo pode abrir portas para novas estratégias de prevenção e tratamento de doenças.