Nas encostas verdes e frias das montanhas capixabas, um aroma especial anuncia que o café não é apenas um produto agrícola: é história, tradição e identidade de um povo. Entre o canto dos pássaros, o vento gelado e as mãos calejadas que colhem grão por grão, nasce uma bebida que carrega séculos de cultura e dedicação.
Produzido em pequenas propriedades familiares, com cuidado artesanal e saberes transmitidos por gerações, o café das montanhas do Espírito Santo conquistou, em 2021, um dos mais importantes reconhecimentos do país, a Denominação de Origem (DO), de Indicação Geográfica (IG).
O registro, concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), certifica que apenas os cafés cultivados e processados em 16 municípios da região, seguindo critérios rigorosos, podem ostentar o título.
A conquista foi resultado de anos de trabalho coletivo. Sob coordenação do Sebrae/ES, instituições como Organização das Cooperativas do Brasil do Espírito Santo (OCB/ES); Cooperativa Agropecuária Centro Serrana (Coopeavi); Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper); Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Café); Centro de Desenvolvimento Tecnológico do Café (Cetcaf); Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes); Ministério da Agricultura, Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (Sicoob), e prefeituras se uniram, com apoio técnico do Instituto Inovates, para reunir documentos, estudos científicos e comprovar o vínculo entre a bebida e o território.
Para o superintendente do Sebrae/ES, Pedro Rigo, a certificação é motivo de orgulho para todos os capixabas.
“Demonstra a singularidade da nossa cafeicultura. É fruto da dedicação dos produtores e da união das instituições. É mais uma conquista que merece ser celebrada”, diz.
E por trás dos selos e prêmios, há histórias de famílias que dedicam a vida ao cultivo de grãos de excelência.
Conquista de mercados globais
No distrito de Victor Hugo, em Marechal Floriano, o produtor Thiago Douro carrega no café a memória dos bisavós e tataravós, que vieram da Itália e começaram a plantar na região.
“No início, era só para consumo próprio, vendia-se o excedente. Há uns 15 anos, decidimos melhorar o pós-colheita, separar os frutos maduros, descascar e cuidar mais. Logo vimos o potencial de qualidade que tínhamos”, conta.
O resultado veio rápido. Com dedicação e experimentação, a família acumulou prêmios, abriu portas em cafeterias de várias capitais brasileiras e até no exterior. “Hoje vendemos para Minas, Brasília, Rio de Janeiro e também para Estados Unidos e Europa. É o terroir da nossa região que chama atenção”, afirma.
Para Thiago, participar de concursos e eventos é mais que competir, é estar visível no mercado. “A cada ano é um desafio novo: testar nutrição, material genético, sabores diferentes, sempre agregando valor”, fala.
A casa mais antiga e os sabores infinitos
Em Venda Nova do Imigrante, Luiz Felipe Zandonade preserva um patrimônio familiar, que é a casa mais antiga da região, construída pelos antepassados italianos que chegaram em diferentes levas de imigração.
O café sempre fez parte da história, mas foi ele quem, em 2016, decidiu apostar no segmento de cafés especiais. “Antigamente tínhamos outros cultivos, mas hoje trabalhamos exclusivamente com café, e o catálogo tem sete variedades”, diz, exibindo com orgulho os pacotes de café expostos na prateleira do casarão, que é um marco turístico na região.
Os perfis sensoriais variam entre mais acidez, menos acidez, aromas doces ou frutados. Mas um deles se destaca. “O sabor de rapadura com frutas cítricas é o mais valorizado da região e o que mais vende. É a nossa marca”, explica.
O cuidado é diário. “O café é mexido de hora em hora para secar de forma uniforme. Monitoramos a umidade e fazemos a seleção manual para garantir que só o melhor vai para a embalagem”, acrescenta.
Singularidade que gera renda e turismo
Para a gerente-adjunta da regional Serrana do Sebrae/ES, Karla Fernanda Cardoso, a força da Denominação de Origem está na combinação entre sabor único e agricultura familiar.
“A singularidade de aromas e sabores é resultado do saber fazer da nossa gente, preservando cultura e tradição. Isso gera emprego, renda e mantém a mão de obra local no campo”, afirma.
Karla diz ainda que o café com IG movimenta o turismo. “Compradores vêm conhecer a região, participam de experiências nas propriedades, se encantam e acabam atraindo outros visitantes. É turismo sustentável, que valoriza o território”, destaca.
Uma identidade que ultrapassa fronteiras
Hoje, os Cafés das Montanhas do Espírito Santo são sinônimo de qualidade no Brasil e fora dele. O reconhecimento oficial reforça que cada xícara carrega mais que um sabor, carrega a história de um território, o cuidado das famílias e a riqueza de um clima e solo únicos.
Para os produtores, o selo da Identificação Geográfica é mais que um certificado, é a certeza de que o trabalho das gerações passadas continua vivo, inspirando as próximas.
“Cada vez que alguém prova nosso café e percebe a diferença, a gente vê que valeu a pena todo o esforço”, resume Thiago Douro.
Assim como o aroma que se espalha pelas montanhas ao amanhecer, a tradição desses cafés continua viva, atravessando gerações e ganhando o mundo. E, a cada nova safra, os produtores reafirmam que a história das montanhas capixabas ainda tem muitos capítulos a serem escritos, sempre com o sabor e a identidade de um território único.
Sobre a websérie
IdentidadES é uma websérie de reportagens e vídeos produzidos pela Rede Vitória em parceria com o Sebrae/ES. A cada episódio, uma história inspiradora revela como produtos com Indicação Geográfica estão transformando vidas, territórios e economias no Espírito Santo.