
A família da influenciadora Márcia Merlo, moradora de Jardim Limoeiro, na Serra, se tornou alvo de uma disputa judicial. Isto acontece porque o filho dela, João Victor Merlo, foi visto passeando com a cadela Maya em uma área comum do condomínio onde vivem e a família acabou multada em R$ 1 mil. O caso foi parar na Justiça.
João Victor é autista e também tem deficiência intelectual. Maya, uma golden retriever que chegou à casa da família há pouco mais de um ano, é uma fiel companheira do adolescente de 15 anos.
Ela serve como cadela de apoio emocional ao jovem e, por conta disso, os dois se tornaram inseparáveis, como conta o próprio adolescente.
“A Maya é uma amiga minha, ela é muito especial para mim. Eu sempre quis ter uma cachorra assim e hoje eu tenho ela”, disse.
O problema teve início após Maya ser vista passeando, andando no chão de uma das áreas comuns do condomínio. As normas do prédio determinam que pets sejam levados apenas no colo ou em carrinhos, como explica Márcia, mãe do jovem.
“O regimento interno do condomínio proíbe que pets circulem, andem no chão, só pode transitar aqui dentro com o pet no colo ou no carrinho e pets de grande porte têm que estar de focinheira”, relatou.
Apoio terapêutico
Segundo Márcia, a ideia de levar Maya para casa surgiu da psiquiatra que trata João Victor, que achou melhor que o tratamento do adolescente fosse iniciado por meio da interação dele com um cão.
“Dentre todas as possibilidades que nós tínhamos de tratá-lo, optamos, com base na psiquiatra dele, tentarmos o tratamento terapêutico com o pet. Antes de medicá-lo, de tentar outra abordagem, tentamos o pet”, relatou.
Segundo ela, antes de ter contato com Maya, João Victor se recusava a ter interações simples até com a própria família.
O isolamento do adolescente chegou a tal ponto que ele se recusava, inclusive, a ir à escola.
“E a Maya chega nesse momento, onde esse isolamento não deixava João sair do quarto. Ele não queria ir para a escola, não queria conversar. Costumo dizer que ela foi um respiro para a nossa vida”, contou a mãe do jovem.
Avisos ao condomínio
Segundo a influenciadora, assim que Maya chegou à casa da família, eles buscaram a administração do condomínio para avisar que a cadela não era apenas um pet, mas também um animal de apoio emocional.
De acordo com ela, não houve nenhum tipo de resposta ou acolhimento por parte do condomínio frente à situação extraordinária.
“E a partir do momento que eu preciso comprovar que existe um respaldo técnico diante de um laudo, isso me fere profundamente, isso não vejo de outra forma como uma violência silenciosa, não só contra mim, mas contra tantas famílias atípicas que lutam por inclusão, seja em um condomínio, seja na educação”, afirma.
Segundo Vinícius Mota, terapeuta ocupacional da Associação Amigos dos Autistas (Amaes), a interação com cães de apoio é fundamental para o desenvolvimento de pessoas com deficiência.
Ele relata que ter contato com estes animais ajuda, inclusive, a melhorar a sociabilidade de autistas no dia a dia.
“Esse cão é muito importante, porque dá todo o suporte afetivo e emocional para as pessoas que delem precisam, além de diminuir o estresse, ansiedade e até a sobrecarga sensorial, ele pode facilitar as interações no dia a dia”, disse.
O que diz a lei
No Brasil há uma lei que garante que cães de suporte emocional possam transitar livremente por locais públicos ou privados de uso coletivo.
Segundo o advogado Daniel Bellotti, condomínios podem impor suas normas, mas elas devem seguir a Constituição Federal e o Código Civil.
“Em primeiro plano, condomínios podem criar e aplicar regras de convivência desde que estejam em conformidade com a Constituição Federal e com as demais leis aplicáveis, como o Código Civil. O cão de suporte emocional não possui treinamento específico para executar tarefas, mas é um conforto, alívio terapêutico para pessoas com diversas deficiências, como mentais, intelectuais e sensoriais”, explica.
A família de João Victor afirmou ter tentado conversar com a administração do condomínio para que a multa seja extinta. Sem resultado, o caso foi parar na Justiça.
De acordo com a advogada da família, Cristiane Puppin, além da extinção da multa, a família pedirá reparações por danos morais.
“Vamos buscar o Judiciário para que essa multa seja anulada e, posteriormente, a ação de indenização, tendo em vista todo o transtorno que a família está passando e está refletindo totalmente no João”, afirmou.
O que diz o condomínio
Em nota divulgada à imprensa, o Condomínio Villaggio Limoeiro informou que está em total conformidade com seu Regimento Interno e com o ordenamento jurídico vigente, reiterando que a ação não representa um ato de discriminação ou violência, mas a legítima aplicação de suas normas internas, que se aplicam indistintamente a todos os moradores, visando assegurar a segurança, higiene e bem-estar coletivo.
Veja a íntegra da nota:
“O Condomínio Villaggio Limoeiro, em resposta às recentes divulgações em redes sociais sobre a aplicação de normas internas relacionadas à circulação de animais domésticos, vem a público esclarecer os fatos e reiterar seu compromisso com a legalidade e o bem-estar coletivo de todos os seus moradores a animais domésticos do condomínio.
O condomínio preza pela convivência harmoniosa e pelo respeito mútuo, e todas as suas ações são estritamente pautadas em sua Convenção e Regimento Interno, documento aprovado em Assembleia Geral de Condôminos e de conhecimento de todos os proprietários e moradores.
O Art. 35, incisos X e XI, do Regimento Interno do Condomínio Villaggio Limoeiro, determina que animais domésticos devem ser transportados no colo ou em carrinhos apropriados ao circular pelas áreas comuns, e que cães de médio e grande porte devem, adicionalmente, utilizar focinheira. Tais regras visam garantir a segurança, a higiene e a tranquilidade de todos os residentes.
No caso em questão, foi constatado que uma unidade desrespeitou reiteradamente esta norma, permitindo que seu cão de médio porte circulasse pelo chão das áreas comuns. Seguindo o procedimento padrão e garantindo o direito à ampla defesa, a administração emitiu uma notificação educativa. Após a análise do recurso apresentado pela moradora, e a persistência da infração, foi aplicada a multa prevista no regulamento, conforme as penalidades estabelecidas para infrações de natureza média e gravíssima, o que não ultrapassa um mil e cem reais.
É fundamental distinguir o “cão de assistência/serviço” do “cão de suporte emocional”, o cão guia é regulamentado pela Lei Federal nº 11.126/2005, que assegura o direito de ingresso e permanência em todos os locais públicos e privados de uso coletivo à pessoa com deficiência acompanhada de seu cão-guia.
Atualmente, não existe legislação federal específica que conceda ao cão de suporte emocional os mesmos direitos de livre circulação irrestrita garantidos ao cão de assistência/serviço. Embora a importância do suporte emocional seja reconhecida, a ausência de uma lei superior que discipline o tema faz com que prevaleçam as normas internas do condomínio, que são soberanas em sua área de aplicação, desde que não firam direitos garantidos pela Constituição.
Decisões judiciais têm reforçado que a Convenção e o Regimento Interno são as leis que regem a vida em condomínio. A exigência de que animais transitem no colo ou em carrinhos em áreas comuns é uma medida razoável e legal, que não proíbe a presença do animal na unidade, mas apenas regula sua circulação para o bem da coletividade.
O Condomínio Villaggio Limoeiro está em total conformidade com seu Regimento Interno e com o ordenamento jurídico vigente. A ação não representa um ato de discriminação ou violência, mas a legítima aplicação de suas normas internas, que se aplicam indistintamente a todos os moradores, visando assegurar a segurança, higiene e bem-estar coletivo.
A administração reafirma seu compromisso com o diálogo, a transparência e o
cumprimento das regras que garantem a boa convivência de todos os moradores”.
*Com informações do repórter Caio Dias, da TV Vitória/Record