Praças, parques e orlas ganham um espaço especial na rotina dos capixabas durante o verão, principalmente no período de férias. Mas os espaços não são apenas opções de lazer. Psicólogos, urbanistas e famílias apontam que essas áreas cumprem um papel fundamental na construção da saúde física, emocional e social, especialmente diante do avanço de transtornos mentais entre crianças e adolescentes, no Brasil.
Dados da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), do Sistema Único de Saúde (SUS), apontam que a ansiedade entre jovens, de 10 a 14 anos, atingiu 125,8 casos, por 100 mil habitantes, em 2023. Na faixa etária de 15 a 19 anos, o número de casos é de 157, a cada 100 mil, superando pela primeira vez os índices registrados entre adultos acima de 20 anos, que é de 112 a cada 100 mil.
O cenário se soma à expansão do uso de telas e redes sociais: o Brasil tem 131,5 milhões de usuários, segundo a pesquisa Tendências de Social Media 2023 — volume que coloca o País entre os maiores consumidores do mundo.
Enquanto isso, ambientes ao ar livre surgem como antídotos possíveis: promovem convivência, movimento, vínculos comunitários e um tipo de liberdade que telas e ambientes fechados não substituem.
Desenvolvimento infantil além das telas

Para a psicóloga Kamila Vilela, o primeiro impacto das praças e parques aparece no desenvolvimento infantil. Ela destaca que a criança “precisa estar na cidade, habitar esses espaços, sentir texturas, estar com outras pessoas, com outros corpos de formas diferentes, desenvolver o motor dela, explorar e até se machucar. Isso faz parte do desenvolvimento dela.”
Segundo a profissional, o excesso de tempo em ambientes altamente controlados — como escolas, casas e rotinas estruturadas — limita a autonomia e compromete o desenvolvimento motor e socioemocional.
Quando a criança vai para o parque, praça, ela negocia com outras crianças, aprende a lidar com frustração, descobre corpos diferentes, desenvolve criatividade e toda a parte socioemocional. Então, isso é um desenvolvimento para a vida dela.
Kamila Vilela.
Com o aumento de ansiedade e depressão entre jovens, a psicóloga também defende que a presença no espaço público funciona como uma forma natural de desacelerar. Ao se expor ao ar livre, existe o ócio e a necessidade de criar conexões, brincadeiras e preencher o próprio tempo sem estímulos de telas e conteúdos rápidos.
“As telas, de forma geral, aumentam exponencialmente a questão da ansiedade, da depressão, da falta de habilidade social. E aí quando eu tiro essa criança da tela e mostro para ela o mundo real, ela desenvolve vários artifícios e ela se forja no meio desse campo.”
Saúde mental coletiva
Mas não são só as crianças que ganham. Para adultos e jovens, ir ao parque funciona como “um respiro” na rotina, segundo Kamila.
A gente tem uma vida extremamente ocupada e a gente gosta de se ocupar, de mostrar desempenho. Parece que estar cansado é bom. Então, quando a gente vem para um parque, para uma praça, anda de bicicleta, corre, ou só senta, a gente dá um respiro na vida.
Ela ainda alerta para o isolamento social crescente entre adolescentes, especialmente após a pandemia e com o avanço das interações exclusivamente digitais. Segundo a profissional, os jovens “desaprenderam” a viver em sociedade e interagir no mundo real, o que pode causar transtornos e até intolerância.

Áreas verdes e bem-estar
O impacto dos espaços públicos na saúde é reconhecido internacionalmente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a ONU-Habitat classificam praças e parques como “equipamentos de saúde”, por gerarem benefícios comprovados como:
- redução do sedentarismo,
- melhora da saúde cardiovascular,
- redução da obesidade,
- fortalecimento da saúde mental.
Segundo o coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Faesa, André Lima, essa melhora nos indicadores de saúde se dá devido ao estímulo às atividades físicas e à socialização que os espaços públicos promovem.

Além disso, ele ressalta que “a partir do momento em que há investimentos em equipamentos de áreas verdes, livres e públicas, as cidades tendem a reduzir até o investimento em saúde, porque tem uma melhoria contínua na saúde da população.”
No entanto, o professor destaca um problema estrutural:
Apenas 6,9% das cidades brasileiras são em áreas verdes. E essa distribuição não é igualitária. Muitas vezes, tende-se a gerar investimentos em áreas verdes, em parques e praças, em áreas já consolidadas, em áreas que já têm investimento com uma classe média alta, onde a periferia fica à mercê desses investimentos.
André Lima.
O professor acrescenta, então, que é essencial investir nos espaços públicos de lazer em áreas periféricas, para que toda a população se beneficie e tenha acesso a uma maior qualidade de vida e saúde.
Para que este planejamento urbano atenda às necessidades das pessoas, o professor ressalta ser essencial a formação de arquitetos socialmente responsáveis. Ele destaca que, no curso, é importante o desenvolvimento de projetos urbanos, que envolvam praças e parques, para que os alunos possam analisar e entender como os espaços públicos funcionam.

Além da promoção de saúde, André também pontua que a praça é um espaço de autonomia infantil — lugar onde bebês dão os primeiros passos ao ar livre, brincam em equipamentos e criam vínculos comunitários – e também de encontros e socialização entre adultos.
Estudiosos já dizem que se tem crianças na praça, a praça é boa para toda cidade. E se tem praça e tem criança, a cidade está bem planejada e é boa para todo mundo. Além disso, a praça é sinônimo de encontro.
O professor usa o bairro de Jardim da Penha, em Vitória, como exemplo. Segundo ele, a região foi toda planejada em volta das praças, o que gera esse lazer diário e convívio, além da sensação de pertencimento ao bairro.
Encontro e criação de laços
As experiências práticas mostram como esses espaços fortalecem laços sociais. Nayara Souza, cabeleireira e mãe do pequeno Vitor, de 1 ano e 7 meses, reformulou a rotina ao descobrir o potencial da praça do bairro.

Ela e o filho estão, todos os dias, nos espaços ao ar livre. “Eu fico muito feliz de ter as praças, os parques, porque a convivência do Vitor com as crianças ajuda muito a estimular ele.”
Desse encontro casual com outras famílias, não só nasceu a amizade entre Vitor e outras crianças, mas também uma rede de apoio para as próprias mães.
As mães levavam os bebês na pracinha e aí formou-se uma amizade de todas as mães. Agora a gente se reúne, faz o nosso piquenique. E é muito bom porque se a gente tem alguma dúvida, a gente troca conhecimento uma com a outra. Se a gente está triste, a outra também fala sobre o que passou. A gente nunca se tem sozinha.
Nayara Souza.
Saúde coletiva e desenvolvimento
O aumento dos indicadores de transtornos mentais reforça a urgência de políticas urbanas que priorizem espaços públicos.
- Ansiedade entre adolescentes já supera a de adultos, no Brasil (Raps/SUS).
- A depressão entre jovens de 18 a 21 anos cresceu 152%, entre 2013 e 2019 (PNS/IBGE).
- O país lidera o uso de redes sociais, associadas a baixa autoestima e isolamento.
Diante desse quadro, parques, praças e orlas deixam de ser apenas cenários de lazer. Tornam-se infraestruturas de saúde coletiva, essenciais para o desenvolvimento infantil, o bem-estar dos adultos e o convívio entre gerações.
Caminho para cidades mais acolhedoras
Os especialistas afirmam que ocupar os espaços públicos é também uma forma de torná-los mais seguros, acolhedores e vivos. Quando crianças, adolescentes e famílias se apropriam das praças, elas fortalecem vínculos, constroem pertencimento e transformam a própria cidade.
Como resume a psicóloga Kamila Vilela: “Quando eu faço parte, eu entendo que isso daqui é meu, eu sou essa cidade, eu constituo essa cidade, eu cuido muito mais dela, me preocupo muito mais com ela.”