Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu a reintegração de posse que expulsaria famílias quilombolas de uma área de cerca de 30 hectares, em Itaúnas, distrito de Conceição da Barra, no Norte do Espírito Santo, nesta terça-feira (16). A área seria reintegrada à empresa Suzano.
Além da retirada das famílias, a ação de desocupação da área resultaria na destruição de 130 casas de moradores.
Contra essa decisão que determinou a reintegração de posse, manifestantes fecharam parte da ES-010, em Itaúnas, na tarde de segunda-feira (15), enquanto que outro grupo ocupou parte da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), em Vitória.
Na madrugada desta terça-feira, o ministro presidente do STJ, Herman Benjamin, proferiu decisão urgente no conflito de competência e considerou “a iminência da reintegração de posse e o risco à preservação das famílias que ocupam a área” para suspender a decisão que determinou a desocupação da área.
A desembargadora substituta do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Paula Cheim Jorge, também proferiu decisão e determinou que as autoridades sejam comunicadas com urgência sobre a suspensão da reintegração de posse.
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, explicou que a suspensão da ação de despejo das famílias tem validade até o dia em que o relator do caso vai decidir sobre o conflito de competência suscitado pela Defensoria Pública do Espírito Santo.
“Nós esperamos a reversão desse despejo para a titulação dessa comunidade quilombola”, afirmou o ministro.
Além da decisão da Justiça, a Fundação Cultural Palmares encaminhou ofício à 1ª Vara Cível de Conceição da Barra certificando que as famílias integram a Comunidade Remanescente de Quilombo de Itaúnas.
“Ressalte-se que o reconhecimento conferida por esta Fundação tem natureza declaratória e possui efeitos jurídicos relevantes, nos termos da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, sendo elemento fundamental para a garantia dos direitos territoriais e culturais assegurados constitucionalmente às comunidades quilombolas”, diz trecho do documento.
Entenda o conflito
Em entrevista ao Folha Vitória, o morador da região e manifestante Fabrício Caldeira Alves disse que famílias, incluindo quilombolas, indígenas e pescadores, estão na área reivindicada pela multinacional Suzano.
Estamos aqui pedindo ajuda de quem for para divulgar o que está acontecendo dentro do nosso território. Temos outra equipe lá em Conceição da Barra, fechando a BR, não sabemos o que fazer. A situação está desesperadora.
Fabrício Caldeira Alves, morador da região
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas em defesa dos Direitos Quilombolas (CONAQ) emitiu uma nota pública em que manifesta a “profunda preocupação e indignação da reintegração de posse”.
Durante o texto, a ONG informa que, mesmo em processo de reconhecimento oficial, o território é um espaço ancestral de mais de 300 anos, berço de cultura, tradição e resistência.
“A possível expulsão dessas famílias, somada à derrubada de mais de 130 casas, configura um crime social e cultural, um ataque frontal ao direito constitucional dos povos quilombolas à terra, à dignidade e à preservação de seus modos de vida. É inadmissível que, ao mesmo tempo em que a sociedade aplaude e valoriza a contribuição desses mestres e comunidades em eventos e festividades, se silencie diante da ameaça de sua destruição e invisibilização”, diz a nota.
Luiza Faresin, analista ambiental e gestora do Coletivo Terra do Bem, em entrevista ao Folha Vitória, explicou que existem mais de 70 famílias quilombas na região.
As famílias estão naquela área a mais de 15 anos, são mais de 70 famílias quilombolas lutando pelos seus direitos. O direito da comunidade como povo tradicional não foi considerado, é uma tortura psicológica o que fizeram.
Luiza Faresin, analista ambiental e gestora do Coletivo Terra do Bem
O que diz a Suzano sobre o caso?
A reportagem procurou a Suzano na manhã desta terça-feira (16). Assim que houver retorno, a matéria será atualizada.
Na segunda-feira (15), por meio de uma nota, a multinacional informou que a reintegração, programada para terça-feira (16), seria realizada, conforme decisões judiciais que reconhecem os direitos da empresa.
A decisão a ser cumprida é proveniente de ação judicial existente desde 2015, em que já houve oportunidade de manifestações pelas partes e, ainda, órgãos e entidades diversas como, por exemplo, Ministério Público Federal (MPF), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra/ES) e Fundação Cultural Palmares.
Suzano, via nota
A empresa também informou que, para além das garantias da decisão judicial, apresentou plano humanizado de reintegração já aprovado pela Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. “O plano prioriza a segurança e a dignidade dos envolvidos, especialmente pessoas em situação de vulnerabilidade, por meio de diversas ações de gestão social”.
E complementou: “A companhia reforça ainda que mantém diálogo contínuo com associações comunitárias e comunidades quilombolas, reconhecendo a importância dessas relações nas regiões onde atua, bem como o respeito aos direitos legalmente constituídos. Esclarece, no entanto, que não há pessoas oficialmente reconhecidas como quilombolas na área objeto da reintegração, conforme informações apresentadas pelo Incra e da Fundação Cultural Palmares”.