
Quando as luzes de Natal se acendem, o movimento natural é o de buscar quem amamos. Para muitos, no entanto, a configuração tradicional de família nem sempre está perto, seja pela distância geográfica, pela rotina de estudos ou pela busca de espaços onde o conforto emocional fale mais alto.
É aí que entra em cena a “adoção afetiva“: amigos que abrem as portas de suas casas para garantir que a mesa esteja sempre farta de companhia.
“Me recebem de braços abertos”

Aos 84 anos, Filhinha Rodrigues é o exemplo de que estar sozinha em casa não significa falta de companhia. Moradora do Centro de Vitória, ela esbanja vitalidade e conta que o convite para as festas de final de ano é algo que surge naturalmente entre suas redes de afeto.
Desde muito tempo que minhas amigas de Vila Velha estão me chamando para passar com elas. Eu viajei, mas voltei só para passar com elas, lá no bairro de Santos Dumont. Lá sempre tem algumas comidas típicas de Goiás, é muito bom ficar com eles.
Filhinha Rodrigues
Para Filhinha, o segredo é o alto astral. “Eu vou para lá para não ficar aqui sozinha. Mas se precisar ficar sozinha eu também não ligo, sou uma pessoa muito alto astral, eu moro perto do mar, minha vida é olhar o mar pela janela, ficar conversando com os peixes (diz aos risos)”.
Mesmo com a independência, ela valoriza o porto seguro que construiu: “Eu tenho muitas amizades. Na hora que eu quiser ir na casa de alguém, eu só falo assim ‘ó tô indo’ e eles me recebem de braços abertos”, pontua.
O simbolismo do acolhimento
Para quem acolhe, a tradição é justamente não deixar ninguém de fora. A estudante de jornalismo Luísa Arêas, de 20 anos, vive em Vitória enquanto os pais moram em Brasília. Ela conhece bem a sensação de estar longe, mas conta que, em sua família, a mesa sempre tem lugar para mais um.

A gente sempre convida pessoas que não passam com a família, que perderam familiares ou que são de outras cidades. Por exemplo, esse ano, eu vou passar com uma amiga da minha mãe e a filha dela porque as outras pessoas estão em outros estados.
Luísa Arêas
Para ela, o gesto vai além da comida: “A gente sempre tem esse simbolismo, ou no jantar ou no dia 25, de acolher pessoas que estão trabalhando”.
Mesmo sempre conectada por vídeo com parentes no Rio e em Recife, Luísa entende que a presença é o que aquece o coração. “Estar longe é uma sensação engraçada de saudades, de angústia e de felicidade, mas a saudade prevalece”, finaliza.
Onde o conforto floresce

Há também quem busque nos amigos o espaço de pertencimento que os ritos tradicionais, por vezes, deixaram de oferecer. Igor Bispo, de 25 anos, morador de Cariacica, encontrou nos amigos o ambiente ideal para celebrar quem ele é.
Após deixar de frequentar a igreja há três anos, ele começou a redefinir suas viradas de ano. “O que mais pesa é você querer estar com a família em um momento tão importante, mas não passar com eles por não se sentir mais confortável e sentir que tal lugar não te cabe, a igreja, por exemplo, eu como pessoa LGBTQIA+”, desabafa.
Neste ano, o plano de Igor é buscar o abraço dos “amigos da família” no interior do Estado. “Pretendo esse ano ir no ano novo para o interior do Estado, em Nova Almeida, passar com amigos da minha família”. Para ele, a mudança de cenário é, na verdade, uma busca por pertencimento e conforto.