
*Artigo escrito por Sandro Ronaldo Rizzato, advogado empresarial e membro do comitê qualificado de conteúdo de inovação e tecnologia do Ibef-ES.
É sintoma de solidão intensa ver pessoas não apenas humanizando gatos, cachorros e agora bebês reborn, mas entrando com processo na Justiça para obter licença-maternidade.
Em Salvador, uma recepcionista pediu 120 dias para cuidar de sua boneca hiper-realista, chamada Olívia. A empresa negou; ela recorreu, alegando “entrega emocional, investimento psíquico e comprometimento afetivo” equivalentes aos de uma maternidade real.
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O caso chegou à Justiça do Trabalho da Bahia com pedido de licença e salário-família — valor estimado em R$ 40 mil. A defesa afirmou que ela sofreu “abalo psíquico profundo” após ter sua maternidade deslegitimada e virar alvo de zombaria no ambiente de trabalho.
Em menos de 24 horas, o processo virou tempestade: ela e sua advogada passaram a receber ameaças nas redes, convites à agressão e até visitas à casa da defensora à noite. A ação foi encerrada, e houve tentativa de segredo de Justiça.
Juristas reagiram com estranhamento: o juiz da 16ª Vara do Trabalho não apenas homologou a desistência, como oficiou a OAB, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal para apurar eventual fraude processual.
A humanização da tecnologia
Há quem chame o episódio de “obsessão bizonha” ou circo midiático, mas também há quem compreenda o gesto como expressão legítima de dor emocional — um mecanismo simbólico de enfrentamento do luto, da infertilidade ou da carência afetiva profunda.
Emerge, nessas histórias, um paralelo com outro fenômeno contemporâneo: a humanização da tecnologia. Assim como alguém pode pleitear licença-maternidade por uma boneca de silicone, já há quem diga “te amo” para um chatbot.
Tentativas de preencher vazios emocionais — terceirizando afeto, lealdade e pertencimento para algo que, em essência, não tem vida, ou seja, não existe.
Reborns e algoritmos — apesar de hiperdetalhados — têm duas características em comum: previsibilidade e ausência de conflito. Não rebelam, não adoecem, não cobram explicações. Estão lá, obedientes, para reproduzir a presença idealizada que muitas vezes é ausente.
E isso vem ocorrendo não são só com as mulheres pseudo mães. Relatórios do mercado apontam que homens jovens vêm aderindo ao universo reborn, comprando bonecas como substitutas emocionais.
Em grupos do TikTok, surgem vídeos de homens descrevendo suas reborns como “companhias seguras”, com frases como: “Ela nunca grita, nunca cobra, nunca me trai”.
Outros, em redes sociais ou aplicativo de whats app, falam em “aposentar os relacionamentos reais” para investir em bonecas perfeitas, incondicionais e silenciosas.
Agora ao imaginar se esse bebê reborn viesse equipado com inteligência artificial. Não mais um boneco estático, mas um “filho” que chora, aprende palavras, reconhece seu nome, cresce com o tempo e reage conforme seu “humor algorítmico”.
Maternidade simulada
Seria a fusão perfeita entre o conforto emocional e a simulação da maternidade. É possível ter não apenas uma boneca realista, mas um ser pseudo-vivo — programado para evoluir, chamar de “mamãe” e até fazer birra.
E aí, o que antes era carência ou afeto simbólico, passa a flertar com a ideia de parentalidade digital. Existiria novo direito a sucessão? Pensão por abastecimento de energia?
Um bebê que nunca será adolescente rebelde, que não contestará suas regras, que crescerá do jeito que você quiser — porque foi treinado para isso. E se isso te parece reconfortante… talvez seja justamente o problema.
É humano buscar segurança, claro. Mas ao substituir filhos, parceiros e até frustrações por bonecas e linhas de código, existe grande risco de perder algo essencial e, com isso, também a própria humanidade.
Se um dia você se ver pedindo licença para cuidar de um reborn, “namorando” um chatbot ou emocionando-se por uma IA — pare e pergunte: será que esses vínculos estão ganhando vida… ou são os humanos que estão se tornando estranhamente indiferentes à vida de verdade?
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.