Economia

Proposta de reforma do Imposto de Renda retira recursos do próprio Tesouro

De 2017 a 2020, uma média de 73% por ano dos resultados pagos pelas estatais ao governo federal foi justamente por meio desse instrumento

Estadão Conteúdo

Redação Folha Vitória
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Entre as medidas previstas pelo governo na reforma do Imposto de Renda, está a que prevê acabar com a modalidade chamada Juros sobre Capital Próprio (JCP), justamente a forma mais usada pelas estatais federais para remunerar o Tesouro Nacional por seu lucro. De 2017 a 2020, uma média de 73% por ano dos resultados pagos pelas estatais ao governo federal foi justamente por meio desse instrumento. Em média, entram R$ 10,5 bilhões por ano nos cofres da União em remuneração paga pelas estatais - sendo quase R$ 3 bilhões na forma de dividendos e R$ 7,6 bilhões a título de JCP.

Especialista em tributação, o economista José Roberto Afonso afirma ter certeza que a União vai perder recursos porque ninguém recebe mais JCP no País do que o próprio Tesouro, considerando as empresas em que é controlador. Segundo ele, é provável, então, que o Tesouro queira antecipar a entrada desses recursos em 2021. "Muitos contribuintes, se a reforma passar como está, anteciparão distribuição, inclusive estatais federais. Essa é uma hipótese forte", afirma Afonso.

O projeto não acaba, na prática, com JCP, mas desestimula o seu uso pelas grandes empresas. As companhias não vão poder mais deduzir o que pagam a seus acionistas, por meio do JPC, do IR a desembolsar. Já a distribuição de dividendos, outra forma de remunerar o acionista, será taxada com uma alíquota de 20%. Hoje, essa operação é isenta de tributos.

Tiro no pé

A diferença, explica o economista, é que os recursos do JCP entram "livres" para o caixa do Tesouro. Por outro lado, quase metade (48%) da arrecadação do IR é partilhada com Estados e municípios, por meio dos fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM), fora os recursos vinculados à educação e à saúde.

"A mudança pode ser um tiro no pé. Quem escreveu o projeto, esqueceu de perguntar para o Tesouro", diz Afonso, ao comentar o projeto, que tem recebido muitas críticas do setor financeiro e das grandes empresas, que declaram o imposto pelo lucro real.

O levantamento do pagamento de dividendos foi feito pelo consultor do Senado, Leonardo Ribeiro, em parceria com José Roberto. Em 2019, do total de R$ 21,5 bilhões pagos pelas estatais federais à União, R$ 14,3 bilhões foram de JCP.

Ribeiro ressalta que reformas dessa magnitude, como a do Imposto de Renda, é preciso avaliar todo o seu conjunto e os seus efeitos colaterais. Ele suspeita que o governo não tenha levado esse problema em conta na hora de fechar o projeto. Afonso alerta que um projeto desse tipo não pode ser votado às pressas, como quer o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).

Afonso chama atenção para o fato de que os dividendos servem como sinalização para o pagamento de participação do lucro aos diretores das estatais e até mesmos aos funcionários. Como poderá haver, no futuro, mais pagamento de dividendos, a tendência é de aumento da participação dos lucros aos diretores e funcionários.

Estudo feito por Afonso há cinco anos mostrou que as empresas que mais pagavam JCP, além das estatais, eram os bancos, seguradoras, extrativistas, como a Vale, as de energia e as telefônicas.

Procurado o Tesouro, diz que não há problema porque, sob a ótica da União, o recebimento da remuneração ao acionista como JCP ou dividendos é indiferente. "Isso se deve ao fato de que tanto a receita do JCP como a receita de dividendos estão vinculadas ao abatimento da dívida pública", respondeu o Tesouro.

Além disso, segundo o órgão, a União possui imunidade tributária e, portanto, não está sujeita a tributação de IR sobre os JCPs recebidos. O Tesouro diz que não fez pedido às estatais para antecipar resultados. "É uma prerrogativa dos conselhos de administração das companhias", afirma.

Já o BNDES informou que não considera a antecipação dos resultados ao Tesouro este ano. O Banco do Brasil afirmou que sua política de remuneração foi aprovada em janeiro e prevê a distribuição de 40% do lucro. Caixa e Petrobrás não responderam.

Veja quais são os pontos polêmicos da reforma tributária:

Lucros e dividendos:

Tributação de lucros e dividendos a 20% com isenção de R$ 20 mil por mês para acionistas de micro e pequenas empresas. Para paraísos fiscais, a alíquota é de 30%. Hoje, esses ganhos são isentos.

O que está em jogo?

Propostas para reduzir a alíquota para 15%, 10%, da faixa de isenção, para fazer uma transição, fazer a cobrança na tabela progressiva e permitir a isenção para remessas de lucros ao exterior.

JCP:

Fim da dedutibilidade de Juros sobre Capital Próprio (JCP), outra forma de remuneração aos acionistas usada pelas empresas, com abatimento no IR a pagar.

O que está em jogo?

Propostas para permanecer do jeito que está ou criar uma transição

Queda do IRPJ:

O projeto prevê uma queda de cincos pontos em dois anos

O que está em jogo?

Guedes acenou para cortes maiores, desde que haja cortes em subsídios para a indústria petroquímica e de bebidas

Fundos imobiliários:

Fim da isenção dos Fundos de Investimentos Imobiliários

O que está em jogo?

Setor ficou de apresentar propostas a Guedes e o relator para mudar a proposta na semana que vem.

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