Selic alta, desequilíbrio fiscal e os entraves à construção civil

O setor da construção civil sempre foi sensível aos ciclos econômicos, mas nos últimos anos essa sensibilidade tem sido aguda. A taxa básica de juros permanece elevada, a política fiscal segue indefinida e os custos operacionais continuam pressionando margens. O resultado é um setor que resiste, mas que encontra poucos incentivos para avançar.

O arcabouço fiscal em vigor, embora tenha sido desenhado para conferir previsibilidade às contas públicas, não tem sido suficiente para ancorar expectativas. A dificuldade do governo em conter o crescimento dos gastos obrigatórios e a falta de avanços estruturais, como a reforma administrativa e a consolidação da segunda fase da reforma tributária, têm mantido o risco fiscal elevado.

A meta de déficit zero para este ano já foi relativizada, e o mercado compreendeu o recado: o compromisso com o equilíbrio fiscal é, no mínimo, flexível. Essa percepção se reflete nas projeções de juros futuros. Com incerteza fiscal, o Banco Central não tem espaço para acelerar cortes na taxa Selic sem comprometer sua credibilidade.

Selic parada, mas com novos horizontes

O mercado, conforme os dados mais recentes do Boletim Focus, projeta que a taxa Selic permaneça no patamar de 15% até o fim de 2025, com uma trajetória de queda moderada nos anos seguintes: 12,50% em 2026, 10,50% em 2027 e 10% em 2028. Ou seja, não há espaço para apostas ousadas.

Parte da cautela decorre de fatores externos, como os conflitos no Oriente Médio envolvendo Irã, Israel e Estados Unidos, e o avanço de políticas protecionistas promovidas por Donald Trump, com destaque para tarifas sobre produtos brasileiros, que adicionam novas camadas de incerteza à política monetária. Em um país ainda dependente de capital estrangeiro, esses elementos não são acessórios: afetam câmbio, inflação e o custo de rolagem da dívida.

Crédito difícil e custo alto: a trava da construção civil

A taxa de juros elevada compromete a viabilidade econômica dos projetos. O cenário atual impõe restrições severas à tomada de decisão, tanto por parte das empresas quanto das famílias. O financiamento imobiliário se tornou mais seletivo e caro. Para as construtoras, isso significa adiar lançamentos, rever escopos e reavaliar cronogramas.

Além disso, os custos da própria construção subiram: o setor enfrenta pressões inflacionárias sobre materiais, mão de obra qualificada e insumos logísticos. Isso corrói margens e cria desafios adicionais para manter o equilíbrio econômico-financeiro das obras já contratadas. Em projetos de infraestrutura, o impacto é ainda mais sensível, dada a dependência de capital intensivo e a duração de longo prazo dos investimentos.

Perspectiva para o Copom e o que isso significa para o setor

A próxima reunião do Copom deve confirmar a manutenção da Selic em 15%. Não se espera alteração no curto prazo, mas o tom da comunicação será determinante para sinalizar os próximos passos. Caso haja algum avanço nas contas públicas ou redução nas tensões externas, o Banco Central poderá, ainda que de maneira tímida, reabrir espaço para discutir cortes a partir do início de 2026.

Para a construção civil, isso representa mais um período de espera e preparação. O setor precisa lidar com um horizonte de juros altos prolongados, ao mesmo tempo em que mantém sua capacidade de entrega e competitividade. É uma travessia difícil, mas não inédita.

Riscos persistem, mas o setor não para

A construção civil já enfrentou cenários adversos em outros momentos. Em 2025, o desafio está em manter a disciplina e a prudência financeira sem perder a capacidade de resposta para quando o ambiente voltar a ser mais favorável.

Empresas que conseguirem adaptar seus modelos de negócio, inovar na gestão de obras e diversificar fontes de financiamento estarão mais bem posicionadas para capturar as oportunidades que virão com a futura redução dos juros.

Enquanto isso, o foco deve estar em preservar eficiência, avaliar riscos com rigor e manter o olhar atento para os sinais de mudança no ambiente macroeconômico.

Mateus Vitória Oliveira

Colunista

Associado do Instituto Líderes do Amanhã

Associado do Instituto Líderes do Amanhã