
Um decreto assinado pelo presidente Lula que torna obrigatória a matrícula de pessoas com deficiência em escolas comuns tem gerado debates e preocupado a Federação das Apaes do Espírito Santo (Feapaes-ES). O Decreto nº 12.686, de 20 de outubro de 2025, institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva no Brasil.
Após diálogo com entidades representativas da educação especial, o Ministério da Educação (Mec) confirmou que o decreto será revisado e republicado nos próximos dias.
O documento proíbe que alunos com deficiência estejam matriculados apenas em instituições de Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Em seu primeiro artigo, a lei diz que tem a “finalidade de garantir o direito à educação em um sistema educacional inclusivo para estudantes com deficiência, com transtorno do espectro autista e com altas habilidades ou superdotação, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades”.
O artigo oitavo diz que “a matrícula no AEE não poderá ser substitutiva à matrícula e à frequência na classe comum”. Mas para o diretor da Federação das Apaes do Espírito Santo (Feapaes-ES) e primeiro secretário da Federação Nacional das Apaes (Feapaes), Vanderson Gaburo, a lei tem muitos problemas e deve ser revista.
Vanderson explicou que há escolas no Brasil que oferecem o currículo da escola regular a estudantes com deficiência e que, até então, a legislação nacional vigente permitia que esses alunos estivessem matriculados apenas nessas instituições, chamadas de Escolas Especiais.
Gaburo esclareceu que no Espírito Santo não há escolas especiais e que as Apaes oferecem um suporte adicional, obrigando que o estudante com deficiência esteja matriculado em uma escola comum e faça as atividades complementares na Apae ou outra instituição de AEE.
O problema, segundo o diretor, é que há escolas especiais em outros estados do Brasil e que cerca de 120 mil pessoas com deficiência estão matriculadas nessas instituições. A partir da vigência do decreto, as famílias desses estudantes passam a ser obrigadas a matriculá-las em escolas regulares.
Vanderson Gaburo postou um vídeo onde explica seus três principais pontos de discordância com o Decreto nº 12.686. Confira:
Para o diretor, a lei prejudica alunos que possuem deficiências mais agudas.
Uma parcela dessa população não está se beneficiando desse processo. E aí nós estamos falando de uma parcela pequena de pessoas com alto grau de suporte, um autista nível três de suporte, por exemplo. Para essa pessoa com deficiência, talvez a oferta de uma escola especializada seja o melhor caminho. Nós deveríamos estar debatendo isso.”
Vanderson Gaburo, diretor da Feapaes-ES
Decreto 12.686 não altera funcionamento das Apaes
Desde que o decreto foi publicado, posts nas redes sociais sugerem que a lei, na prática, decreta o fim das Apaes. Mas o Ministério da Educação alegou que a lei não altera o funcionamento dessas instituições.
“O Decreto não interfere nas atribuições e no financiamento das entidades filantrópicas e comunitárias atuantes na educação especial como as Apaes, Pestalozzis e congêneres, que seguem garantidos. Seu objetivo é complementar e fortalecer as políticas públicas existentes em consonância com os princípios da educação inclusiva e da colaboração federativa”, afirmou o ministério, em um texto publicado em seu site.
Um segundo ponto da lei que é criticado por Gaburo é a formação mínima exigida dos professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Em seu artigo 13, o decreto estabelece que o professor que atua no AEE deverá possuir formação inicial que o habilite ao exercício da docência e, preferencialmente, formação específica para a educação especial inclusiva com carga horária de, no mínimo, 80 horas.
Para o diretor, a formação exigida é insuficiente:
“Como é que você qualifica um professor para fazer educação especial com 80 horas? Um cursinho de final de semana. É muito pouco. A gente deveria ter, pelo menos, a exigência de que a pessoa tivesse uma especialização na temática. Imagina um filho meu, seu, sendo atendido por um professor que acabou de fazer um cursinho de final de semana para lidar com deficiência. Isso precariza a formação, a especialização. Do ponto de vista do aluno, é muito ruim”, defendeu.
Já o Ministério da Educação, defendeu que esse ponto da lei é, na verdade, um avanço, já que até 2022, menos de 6% dos professores da educação básica com estudantes que fazem parte do público da educação especial tinham formação mínima de 80h.
O ministério também destacou que o novo decreto regulamenta a atuação do profissional de apoio escolar, que deverá ter pelo menos o ensino médio e as mesmas 80 horas de formação específica em educação especial que os professores precisam ter.
Diretor da Feapaes critica falta de clareza sobre financiamento
O terceiro ponto criticado por Gaburo na lei é a falta de apontamento da fonte de financiamento da educação especial.
O novo decreto substitui o Decreto 7.611, de 17 de novembro de 2011, que previa no artigo 9º que, para efeito da distribuição dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), seria admitida a dupla matrícula dos estudantes da educação regular da rede pública que recebem atendimento educacional especializado.
Já o novo decreto não é específico quanto à fonte de financiamento. Em seu artigo 22, diz apenas que “as despesas decorrentes da execução do disposto neste Decreto correrão à conta de dotações orçamentárias consignadas ao Ministério da Educação, observada a disponibilidade orçamentária e financeira.”
O diretor acredita que a falta de clareza sobre esse ponto é um problema do decreto, o que reforça a necessidade de revisão ou revogação. “Nós não podemos ter um decreto que fale de educação especial sem reforçar a necessidade do financiamento”, sustenta.
A secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do MEC, Zara Figueiredo, afirmou que a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva, instituída pelo novo decreto, tem previsão orçamentária própria.
“A Rede tem previsão de orçamento novo. Esse recurso se soma aos demais investimentos federais realizados na educação especial inclusiva, tanto àqueles realizados por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola Equidade – Sala de Recursos Multifuncionais (PDDE-SRM) e do PDDE Básico — que alcançam inclusive instituições privadas de educação especial—, quanto aos recursos transferidos às redes de ensino municipais e estaduais por meio da complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb”, explicou.
Obrigatoriedade da matrícula em escolas comuns já é realidade no ES desde 2016, afirma Sedu
A Secretaria da Educação do Espírito Santo (Sedu) informou que o Estado implementa, desde 2010, a Política Estadual de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, garantindo que 100% dos estudantes do público da educação especial estejam matriculados em classes comuns das redes públicas de educação, com os apoios necessários e oferta complementar do Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Além disso, a obrigatoriedade da matrícula de 4 a 17 anos já está em vigor desde 2016, para estudantes com e sem deficiência, conforme informou o órgão.
A Sedu destacou ainda que como o Estado não possui escolas especializadas e consolidou gradualmente sua política entre 2008 e 2010, com formação continuada, suporte técnico e profissionais especializados, o novo decreto federal deve ter pouco impacto na rede estadual.
“A Sedu reforça também que o AEE não substitui a frequência em classes comuns e que a orientação permanece pautada na equidade e inclusão”, informou a pasta, por meio de nota.