Uso do biocarvão na produção de café gera economia e ganho de produtividade

Uma tecnologia vem transformando a forma como a agricultura lida com seus próprios resíduos, e está colocando o Espírito Santo no mapa da inovação ambiental. Em Brejetuba, a palha de café que antes seria descartada passou a ser uma aliada no enfrentamento às mudanças climáticas e na melhoria da produtividade agrícola. No beneficiamento do café, toneladas de palha são geradas todos os anos. Sem destinação adequada, esse material pode causar impactos ambientais, mas hoje ele é matéria-prima para um processo de alto potencial climático: a produção de biochar.

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Pedro de Figueiredo, cofundador e CEO da NetZero, explica o conceito: “Nós pegamos algo que estava prejudicando a natureza e transformamos em algo que vai contribuir para a produção maior de alimentos, com mais produtividade, mais geração de resíduos, mais geração de biochar. E esse círculo é o círculo virtuoso.”

A palha passa por um processo de aquecimento em altas temperaturas, sem presença de oxigênio. O resultado é o biochar – um carvão vegetal estável, capaz de aprisionar carbono no solo por décadas.

Pedro detalha: “Quando a planta produz o fruto, ela absorve CO₂ e libera oxigênio. Esse carbono fica retido na palha do café, no bagaço da cana, na casca do cacau. Em vez de queimar e liberar esse carbono, passamos por um processo de pirólise. Ele retira todos os gases retidos e resta principalmente o carbono, resultando num produto parecido com o carvão tradicional, mas com características agronômicas especiais. Esse carbono fica retido por milhares ou até milhões de anos na natureza”.

Dentro da fábrica: como nasce o biochar

A palha armazenada nas tendas entra na indústria e segue para os reatores. O gerente de produção da NetZero, Thennyson Afonso, descreve as etapas:

“Pelo sistema de transporte que vem das tendas para os reatores, a palha é aplicada dentro dos equipamentos e acontece o processo de pirólise, onde ela é aquecida entre 600 e 700 graus. O resultado é o biochar, que depois retorna ao produtor para aplicação na lavoura.”

Na unidade de Brejetuba, são produzidas 3.700 toneladas de biochar por ano, com capacidade instalada para chegar a 4.000. Além de contribuir para a redução dos gases de efeito estufa, o produto melhora a retenção de água no solo, uma vantagem decisiva em períodos de estiagem.

Após a pirólise, o biochar passa por resfriamento para estabilização. Thennyson explica: “Ele recebe aproximadamente 70% de umidade de água. Sai bem úmido, e essa característica ajuda no desenvolvimento da planta.” Vale destacar que o biochar não é exclusivo da palha de café. “Podemos usar qualquer biomassa: casca de cana-de-açúcar, coco, cacau… todas têm potencial”, acrescenta Afonso.

Mais produtividade e resiliência nas lavouras de café

Os efeitos no campo já aparecem. O produtor rural Adriano Belisário começou a usar o biochar no plantio de café e constatou resultados significativos. “No primeiro experimento, vi que o produto ajuda. Tive um período muito seco de uns 50 dias. Onde plantei sem biochar, a mortalidade passou de 30%. Onde usei o biochar, não chegou a 5% de perda. É um produto muito útil na cafeicultura.”

Segundo Mateus Hastenreiter, analista agronômico da NetZero, os benefícios são múltiplos. “O principal é a retenção de água: o biochar consegue reter de três a cinco vezes o peso dele. Se aplico 1 kg, retenho de 3 a 5 litros de água no solo. Ele também melhora a eficiência da adubação, aumenta a disponibilidade de fósforo, reduz volatilização de nitrogênio e estimula a população de micro-organismos por causa da porosidade do material. E tem mais: é uma aplicação única, porque o biochar fica no solo para o resto da vida.”

Para o Espírito Santo, o avanço representa mais do que ganhos agronômicos, é também uma estratégia de posicionamento internacional. “Temos convicção de que a produtividade pode aumentar entre 20% e 40%. E podemos ser reconhecidos como um polo de produção de café com valor adicional, pelo uso do biochar e pelo sequestro de carbono”, destaca Pedro Figueiredo.

Expansão no Espírito Santo

A NetZero, que já opera em Brejetuba, tem projetos ambiciosos: construir 50 novas fábricas de biochar no estado nos próximos anos. O produto, também chamado de biocarvão, é feito a partir de resíduos do café e da cana-de-açúcar e funciona como condicionador de solo, aumentando produtividade e reduzindo fertilizantes.

No Brasil, a empresa já opera quatro unidades: Lajinha (MG), São João do Manhuaçu (MG), Paraguaçu (MG) e Brejetuba (ES). Neste ano, iniciou em Campina Verde (MG) a construção da primeira usina do mundo dedicada exclusivamente a transformar todos os resíduos da cana em biochar.

A estratégia envolve diversificação de culturas, impacto climático e ganho econômico. A companhia já removeu cerca de 10 mil toneladas de CO₂ de forma permanente e quer chegar a 5 milhões de toneladas até 2030. Estudos indicam que o biochar aumenta em média 20% a produção de café, e mais de 1.500 produtores rurais já participam dos programas, abrangendo biomas da Amazônia ao Cerrado.

Biochar: mais produtividade e resiliência nas lavouras de café
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