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Sortear arma em igreja é legalizado? Saiba o que dizem os especialistas

Tema virou polêmica na internet após uma igreja evangélica da Serra anunciar o sorteio de uma espingarda calibre 12, avaliada em R$ 12 mil

Iures Wagmaker

Redação Folha Vitória
Foto: Reprodução
Arma idêntica ao modelo a ser sorteado

Uma igreja evangélica de Laranjeiras, na Serra, está realizando uma "Ação entre Amigos" em prol da reforma do templo. O que causou polêmica e dividiu opiniões nas redes sociais é o fato de que o prêmio é uma espingarda calibre 12, avaliada em R$ 12 mil.

De acordo com publicação nas redes sociais da instituição, será sorteado também o processo de registro de CR (Certificado de Registro) CAC (Colecionador, Atirador e Caçador). O certificado será para o segundo ganhador. Ou seja, dois prêmios distintos.

Ainda segundo as regras do sorteio, qualquer pessoa pode participar da ação, mesmo sem o registro de CR — certificado que concede à pessoa o direito de efetuar atividades de caça, coleção de armas e tiro desportivo. Neste caso, o vencedor deverá realizar todo o processo necessário para que a transferência da arma seja realizada de forma legal.

Já o ganhador do registro deverá cumprir com as normas pré-estabelecidas pelo Exército Brasileiro para aquisição do CR, segundo as regras do sorteio.

Regras de sorteio atendem às normas

O tenente-coronel Rodrigo Penalva de Oliveira, do 38º Batalhão de Infantaria do Exército, explicou que as regras do sorteio estão corretas e dentro das normas, pois há condicionantes para que o prêmio seja entregue ao sorteado.

"Existe um procedimento legal para que alguém tenha uma arma. Suponhamos que esse processo tenha sido feito corretamente. O sorteado é habilitado? Tem a documentação? Está legalizado? Pode ser que sim e precisa estar. Não posso pegar uma arma e entregar para qualquer um. Estando legalizado, existe um processo de transferência. Quanto a transferência, terá que procurar o Exército para isso", esclareceu.

Segundo o tenente-coronel, estando a arma legalizada, ela pode ser vendida, doada e até sorteada. Neste caso, é preciso que o novo proprietário esteja habilitado.

"O armamento, por ser um produto controlado, tem suas condicionantes. Se eu tenho uma arma e se estiver tudo legalizado, posso doar, vender e até sortear. Mas para passar a arma para outra pessoa, tem que ter as condicionantes. Não é uma rifa simples, de uma caneta, por exemplo. Neste caso, existem normas para que o ganhador receba o prêmio", explicou.

O tenente-coronel Penalva ainda deixou claro que, para que uma pessoa consiga o registro para ter uma arma, é preciso estar em condições e atender aos requisitos necessários, de acordo com as regras.

"Se eu quisesse comprar uma arma, a primeira coisa que preciso fazer é eu estar em condições em ter uma arma. Existem processos e passos a seguir. No Espírito Santo, esse processo é administrado pelo 38º BI. O cidadão precisa estar legalizado, autorizado. Existe uma série de requisitos, como bons antecedentes criminais, precisa ter um termo de aptidão psicológica para portar arma de fogo. Se ele não estiver apto, não consegue o registro", esclareceu.

Sortear armas é ilegal

Se por um lado, as regras determinadas pela igreja atendem as normas de armamento exigidas pelo Exército Brasileiro, por outro o sorteio é ilegal. Isso porque há uma lei que proíbe que alguns objetos sirvam como prêmios de promoção. Entre eles está a arma de fogo.

"É do conhecimento da igreja a vedação a que se refere o artigo 10, inciso III, do Decreto nº 70.951, de que não pode ser objeto de promoção, mediante distribuição de prêmios, armas e munições?", questiona a advogada Suzanne Mergar.

A lei citada pela especialista é de 09 de agosto de 1972, que dispõe sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propaganda, e estabelece normas de proteção à poupança popular.

Art 10. Não poderão ser objeto de promoção, mediante distribuição de prêmios, na forma deste Regulamento:
I - Medicamentos;
III - Armas e munições, explosivos, fogos de artifício ou de estampido, bebidas alcoólicas, fumo e seus derivados;
IV - Outros produtos que venham a ser relacionados pelo Ministro da Fazenda.

A advogada ainda destacou que qualquer sorteio somente pode ser realizado mediante prévio certificado de autorização, emitido pelo Ministério da Economia, conforme determina o artigo 4º, da Lei nº 5.768/1971.

"Estamos muito orgulhosos disso", diz pastor

Em uma publicação nas redes sociais da igreja, o pastor Dinho Souza se manifestou após a repercussão do sorteio. Ele explicou que a arma é fruto de doação e servirá para investir no Ministério Infantil da instituição.

"Estamos muito orgulhosos disso. Nossa igreja está se mudando para outro local e comunicamos aos amigos se eles tivessem algum tipo de oferta ou algo que pudéssemos vender. Foi aí que, então, um amigo querido sugeriu a possibilidade de ele doar uma escopeta calibre 12 para estarmos sorteando. Obviamente, aceitamos essa oferta e estamos fazendo uma rifa. Esta arma será para investir no Ministério Infantil", disse.

Ao defender o armamentismo, o pastor disse que "o armamento é para o cidadão de bem, seja ele ímpio ou cristão". Afirmou ainda que a igreja incentiva "a todo homem de bem que tenha uma arma na sua casa para defesa da sua família".

"Aquele que negligencia a defesa de sua família não pode ser chamado de homem. Infelizmente, as pessoas não conseguem compreender essa mentalidade. Essa arma não é para bandido. Ela vai para o cidadão de bem para que ele possa se defender dos bandidos", disse.

O jornal online Folha Vitória tentou contato com a igreja para questionar sobre as leis citadas pela advogada, mas não obtivemos retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para atualizações.

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