*Artigo escrito por Rivelino Amaral, advogado criminalista e professor de Processo Penal
Mais de cinco anos se passaram desde a criação do chamado “pacote anticrime” no Brasil e, na prática, o impacto sobre a sociedade foi quase nulo. A promessa era ambiciosa: reduzir os índices de criminalidade, endurecer penas, tornar o sistema penal mais eficaz. Na realidade, o que se viu foi mais uma medida com apelo popular, mas com pouca ou nenhuma efetividade real para quem mais precisa de segurança: a população.
Entre as principais promessas, destacavam-se o aumento da pena máxima de prisão de 30 para 40 anos, a execução imediata da pena após condenação pelo tribunal do júri — especialmente para crimes graves, como homicídio e feminicídio — visando reduzir o sentimento de impunidade.
O projeto previa, ainda, mudanças em regras de progressão de regime prisional, endurecendo a saída de regimes mais rigorosos para os mais brandos de acordo com o tipo de crime cometido e a reincidência, além de revisões em acordos de delação premiada e na definição da legítima defesa
É evidente que as leis precisam acompanhar a evolução dos tempos. Os crimes mudam, os criminosos se adaptam, e a legislação não pode permanecer ancorada no passado. No entanto, a forma como nossas leis são feitas continua profundamente questionável.
Basta lembrar que, em determinado momento, tínhamos entre os legisladores figuras como Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca — eleito quatro vezes deputado federal, mesmo assumindo publicamente que desconhecia a função do cargo.
Seus bordões, como “Vote em mim que eu te conto” e “Pior do que tá, não fica”, talvez resumissem bem o espírito de como parte da política brasileira ainda funciona: no improviso, na ironia e, muitas vezes, na completa ausência de preparo técnico.
Enquanto isso, seguimos com um Código Penal da década de 1940, lidando com uma sociedade que pouco — ou nada — se parece com a daquela época. Hoje lidamos com crimes que sequer existiam no passado, como a importunação sexual, que se tornou recorrente nos noticiários e nos tribunais. Mas a estrutura legal permanece a mesma: lenta, engessada e, muitas vezes, ineficaz.
O pacote anticrime é o retrato disso. A despeito do nome impactante e da expectativa que gerou, sua efetividade concreta é questionável. O cidadão comum não percebe melhora no combate ao crime organizado, ao tráfico de drogas ou às milícias. E não se trata de uma simples impressão — é uma constatação social.
A crença de que penas mais longas e regimes mais duros resolvem o problema da violência não se sustenta na prática. Se fosse assim, já viveríamos em um país mais seguro.
A redução da criminalidade exige algo muito mais complexo: políticas públicas bem estruturadas, investimento em educação, emprego, renda, oportunidades. Exige, sobretudo, dignidade.
Hoje, o Brasil é o terceiro país com maior população carcerária do mundo, com mais de 800 mil pessoas presas. No Espírito Santo, por exemplo, há 37 presídios abarrotados. O sistema tem capacidade para cerca de 13 mil presos, mas abriga mais de 25 mil. Um preso custa, em média, R$ 4 mil por mês aos cofres públicos.
O pacote anticrime, vale lembrar, obrigou os juízes a reavaliar, a cada 90 dias, a necessidade de manutenção das prisões. Mas, na prática, a medida virou formalidade: as prisões continuam, e o encarceramento segue em ritmo crescente. Como numa progressão geométrica, seguimos encarcerando — ao infinito e além.
Enquanto isso, a sociedade paga a conta, literalmente. Pagamos com dinheiro, com insegurança, com o desgaste de um sistema que parece funcionar apenas para prender mais, sem resolver as causas reais da violência.
O problema é estrutural. E, enquanto continuarmos tratando a segurança pública como um jogo político, feito de slogans fáceis e soluções simplistas, seguiremos nesse ciclo vicioso. Não há pacote — anticrime ou não — que resolva o que só uma reforma profunda, séria e responsável pode mudar.