
A Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) aprovou, nesta segunda-feira (15), um Projeto de Lei que proíbe a pesca com traineiras no mar territorial capixaba.
A nova legislação impede especificamente a pesca de cerco realizada por embarcações conhecidas como traineiras com arqueação bruta superior a 20, no trecho marítimo compreendido entre a divisa com o Rio de Janeiro e a divisa com a Bahia.
A proposta é de autoria do governo do Estado, por meio da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), e estabelece a vedação da modalidade nas 12 milhas náuticas da zona costeira.
A medida está respaldada em entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a competência concorrente dos Estados para legislar sobre pesca e proteção ambiental em seus mares territoriais.
Segundo o secretário de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Felipe Rigoni, a sanção da lei representa uma conquista histórica para os pescadores artesanais.
“Essa é uma pauta antiga, construída a partir das denúncias e da resistência dos próprios pescadores, que há anos alertam para os impactos severos dessa modalidade industrial sobre a fauna marinha e sobre as condições de trabalho e sobrevivência da pesca artesanal”.
Estudos técnicos
De acordo com o diretor-geral do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), Mário Louzada, a legislação é um avanço na proteção dos ecossistemas marinhos e da pesca artesanal.
O texto legal foi elaborado com base em uma nota técnica interinstitucional, que reuniu dados científicos, análises socioeconômicas e avaliações ambientais sobre a atuação das traineiras na costa capixaba.
O documento contou com a participação do Iema, Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), ICMBio, Ibama e da Secretaria de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag).
Impacto ambiental e social
Reconhecida na literatura científica como um método de alto impacto, a pesca de cerco com traineiras utiliza grandes redes circulares e tecnologia avançada, como sonares, capazes de capturar grandes cardumes.
Estudos indicam que esse tipo de embarcação pode pescar até 70 toneladas de peixe por dia, esforço considerado desproporcional em relação à pesca artesanal.
No Espírito Santo, o impacto é ampliado pelo fato de que a maioria das traineiras industriais não é registrada no Estado, operando a partir de Santa Catarina e Rio de Janeiro. Segundo dados apresentados pela Seama, essas embarcações retiram grandes volumes de pescado da costa capixaba sem gerar benefícios locais significativos.
De acordo com a assessora especial da Diretoria Técnica do Iema, Thaís Volpi, existem apenas três registros de traineiras artesanais no Estado, sendo que somente uma permanece ativa e seguirá autorizada por seu pequeno porte. Já as cinco traineiras industriais identificadas possuem potencial de captura cerca de 25 vezes maior do que toda a frota artesanal e industrial local somadas.
Relatos de pescadores e estudos científicos apontam consequências como redução drástica de espécies antes abundantes, queda da renda familiar, aumento de conflitos no mar, captura acidental de espécies não alvo e danos aos habitats marinhos.
Proteção ambiental e preservação cultural
Além dos impactos ambientais e econômicos, a nova lei também busca preservar o valor cultural da pesca artesanal no Espírito Santo. A proteção dos estoques pesqueiros contribui para a manutenção de tradições ligadas à identidade capixaba, como o preparo da moqueca, reconhecida como patrimônio cultural imaterial.
Para Rigoni, a legislação estabelece um marco de ordenamento pesqueiro sustentável, alinhado à capacidade dos ecossistemas marinhos.
Estamos protegendo os recursos naturais do Espírito Santo, respeitando os valores culturais dos pescadores artesanais e garantindo que essa atividade continue gerando renda e identidade para as futuras gerações.
Felipe Rigoni.
A lei define como princípios o uso sustentável dos recursos naturais, o incentivo a práticas de manejo responsável, a adoção de tecnologias não predatórias e a proteção de espécies nativas, especialmente aquelas ameaçadas ou sobre-explotadas.