Saúde

Alimentação ou exercício: o que faz mais diferença no ganho de peso e emagrecimento?

Novo estudo reacende um debate antigo, mas descobertas têm sido interpretadas de forma errônea por aí

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Alimentação e exercício no emagrecimento
Imagem de schantalao no Freepik

Se tem uma discussão que continua acalorada no campo da saúde é: o que pesa mais na balança quando o assunto é ganho de peso ou emagrecimento:alimentação ou o exercício? Esse debate parece sem fim, pois ainda temos grandes limitações técnicas para conseguir avaliar com precisão o quanto uma pessoa gasta e o quanto ela consome.

Imagine que se oferecermos o mesmo filé de frango a diferentes pessoas: para algumas ele seria considerado uma porção pequena; para outras, média; e, para uma terceira parcela, uma porção grande. Mesmo realizando treinamento de porções (o que os bons estudos fazem), existe também uma discrepância entre o que as pessoas acham que comem e o que de fato comem – em geral, elas tendem a relatar um consumo menor do que o real.

Esse fenômeno, chamado de sub-relato, é comum. Um ponto interessante é que, muitas vezes, isso não é intencional, ou seja, os pacientes não têm consciência do que consomem no seu dia a dia. Esse fator dificulta demais o trabalho do nutricionista – e da ciência – em obter dados confiáveis.

Quanto ao gasto calórico diário, temos boas ferramentas, mas as melhores – como a calorimetria direta e água duplamente marcada com isótopos – são caras e utilizadas apenas em estudos científicos.

Uma dessas metodologias, a água duplamente marcada, foi usada em um recente estudo que ganhou manchetes no mundo todo. Ele avaliou mais de 5 mil pessoas em 34 populações com diferentes níveis de desenvolvimento — de caçadores-coletores a moradores da Suécia — para investigar o impacto do nível de industrialização sobre o gasto energético. A pergunta era direta: será que pessoas inseridas em sociedades fisicamente mais ativas gastam mais energia do que aquelas que vivem em contextos mais sedentários?

Resultado do estudo: não. Na verdade, os autores verificaram que o gasto energético total foi mais elevado entre populações com nível econômico maior quando comparado a populações mais rurais e caçadores-coletores.

Como isso é possível? É que as pessoas nos países mais industrializados têm maior IMC (índice de massa corporal) e maior massa magra total. Sendo assim, mesmo tendo um estilo de vida menos ativo, elas gastam mais energia.

Agora, se as populações rurais se movimentam muito mais, como podem gastar menos? Simples: esses dados reforçam a teoria do “gasto energético limitado”, segundo a qual o corpo humano adapta o consumo de energia e cria um teto para o gasto calórico. Ou seja, mesmo com um nível de atividade física maior, o organismo não aumenta o gasto proporcionalmente. Ele faz uma compensação, reduzindo o gasto em outras funções corporais, como imunidade, reprodução, reparação, entre outros.

Essa adaptação é, do ponto de vista evolutivo, uma estratégia inteligente: imagine a dificuldade que nossos ancestrais teriam para sobreviver em ambientes hostis se eles precisassem consumir 6 ou 8 mil calorias por dia, dependendo exclusivamente de alimentos in natura. Seria impossível!

Ainda não sabemos exatamente em que ponto essa compensação começa nem como ela muda entre os indivíduos, mas sabemos que ela existe e varia bastante. E isso pode explicar por que pessoas com níveis semelhantes de atividade apresentam resultados tão diferentes, e por que determinada estratégia de perda de peso não funciona da mesma maneira para todo mundo.

Exercício é essencial

Mas, atenção: isso não tira a importância do exercício físico. Friso isso porque tal estudo tem sido usado por alguns como argumento para defender que o foco do combate à obesidade deve estar exclusivamente na alimentação.

Os próprios autores alertam para o perigo dessa leitura simplista: embora a alimentação seja, de fato, protagonista no processo de emagrecimento, o exercício também segue como peça-chave. Isso especialmente quando pensamos em saúde e na manutenção do peso perdido. Estudos mostram que pessoas fisicamente mais ativas conseguem manter melhor o novo peso.

Além disso, quem se exercita regularmente costuma apresentar maior sensibilidade aos sinais internos de fome, saciação e saciedade. A prática frequente ajuda o corpo a se autorregular melhor e até a descontar menos as emoções na comida. Se isso não for um fator modulador do comportamento alimentar, não sei o que seria.

Portanto, é um grande problema quando vemos manchetes como “Exercício não ajuda a emagrecer” fora do devido contexto. Isso pode desencorajar uma prática que, além de melhorar a qualidade de vida, é fundamental para a saúde física, emocional e, inclusive, ser coadjuvante para se ter uma alimentação mais saudável.

No fim das contas, questionar o que é mais relevante – comer ou se mexer mais – talvez nem faça sentido. Depende do seu objetivo, do seu histórico, da sua saúde e do seu corpo. O que a ciência mostra, cada vez com mais clareza, é que tratar o exercício e a alimentação como lados opostos de uma disputa é um erro. Eles não competem, eles se complementam.

Opinião por Desire Coelho para Estadão.