
Muitas vezes, quando uma criança perde um dente de leite, esse pequeno pedaço de “memória infantil” acaba jogado fora ou guardado como lembrança. Mas a ciência vem mostrando que o interior desses dentes — em especial a polpa — pode abrigar células-tronco mesenquimais com grande potencial para regeneração de tecidos.
Essas células são chamadas de SHED (do inglês Stem cells from Human Exfoliated Deciduous teeth, ou seja, células-tronco de dentes decíduos esfoliados).
O que são essas células e por que são especiais?
São células-tronco “adultas” ou “somáticas”, ou seja, não vêm de embrião. Elas têm capacidade de autorrenovação (gerar novas cópias de si mesmas) e multipotência, isto é, podem diferenciar-se em diferentes tipos celulares — ossos, cartilagens, células nervosas, vasos sanguíneos etc.
Em comparação com células-tronco obtidas de outras fontes (como medula óssea ou gordura), as SHED parecem ter uma taxa de proliferacão mais rápida e potencial de sobrevivência maior.
Outro ponto favorável é a coleta pode ser feita de forma minimamente invasiva ou mesmo natural (quando o dente cai sozinho), sem necessidade de procedimentos agressivos.
Como funciona a “coleta” e conservação
As células devem ser obtidas logo após a queda ou extração do dente. Se o dente ficar tempo demais fora do organismo, as células podem perder viabilidade.
Já o transporte deve ser feto em meio especial, imediatamente após a remoção. O dente deve ser imerso num meio de preservação (solução especial estéril) para proteger as células vivas, e então enviado ao laboratório/tipo banco de células.
No laboratório, a polpa dentária é isolada e as células-tronco são extraídas, cultivadas e multiplicadas. Depois, são submetidas à criopreservação (congelamento em temperaturas muito baixas) para armazenamento a longo prazo.
Assim como bancos de sangue de cordão umbilical, hoje já existem empresas (“bancos de dentes”) que oferecem armazenar essas células por muitos anos, mediante taxas periódicas.
Aplicações e promessas médicas
Embora ainda em fase de pesquisa, há várias aplicações interessantes sendo estudadas:
- Regeneração de tecidos dentários: por exemplo, reconstruir a polpa de dentes lesionados ou regenerar dentina danificada.
- Terapia óssea e regeneração de ossos craniofaciais: usar as SHED para reparar defeitos ósseos perto da boca.
- Aplicações não odontológicas: estudos em laboratório e modelos animais sugerem benefícios em lesões nervosas, doenças renais, fígado e modulação imunológica.
Apesar das expectativas, vale destacar que a maioria dos resultados ainda está em fases pré-clínicas (laboratório, animais) ou em estudos iniciais. Alguns ensaios clínicos começam a surgir, mas a transição para uso rotineiro ainda exige superar desafios técnicos, regulatórios e de segurança.
Limitações, desafios e cuidados
- Viabilidade celular: se o dente não for preservado ou processado rapidamente, as células morrem.
- Risco de rejeição ou efeitos adversos: como em qualquer terapia celular, há riscos imunológicos, de formação de tumores ou impactos indesejados nos tecidos — embora as SHED pareçam ter baixa imunogenicidade.
- Padronização dos protocolos: é necessário uniformizar protocolos de coleta, cultivo e estocagem para garantir qualidade, segurança e eficiência.
- Custo: manter um “banco de dentes” pode ter custo elevado, o que pode limitar o acesso.
- Publicidade exagerada: algumas empresas promovem promessas de cura para doenças como autismo, diabetes ou outras condições sem respaldo científico adequado. Um relato recente destacou práticas de empresas que fazem propaganda enganosa para pais.
Afinal, vale investir nessa “garantia biológica”?
A coleta de células-tronco em dentes de leite é uma fronteira promissora da medicina regenerativa. Há muitos indícios de que as SHED têm características muito atrativas: coleta simples, alta proliferação, capacidade de diferenciação e secreção de fatores reparadores. No entanto, ainda estamos na etapa de maturação científica e regulatória.
LEIA TAMBÉM | Saiba quando o colesterol precisa estar abaixo de 40
Para famílias interessadas, vale verificar com rigor a reputação do laboratório ou banco que oferece o serviço, exigir transparência dos protocolos e entender que, até o momento, não há garantia de uso futuro clínico comprovado para todas as doenças anunciadas.