Foi durante um momento de autocuidado, enquanto passava hidratante pelo corpo, que a radioterapeuta Anne Kiister Leon sentiu o nódulo em um dos seus seios. Médica há mais de dez anos e atendendo pacientes oncológicos diariamente, ela sabia que aquele era um sinal que não poderia ser ignorado.
O resultado veio pouco tempo depois, em julho de 2024: câncer de mama. Segundo Anne, receber o diagnóstico foi difícil, principalmente por levar uma vida saudável e ser médica. De repente, a especialista precisou estar do outro lado da cadeira do consultório.
Foi um choque. Eu, que sempre cuidei dos outros, de repente precisei aceitar ser cuidada. Você pode ser médica, ter uma vida ativa, praticar atividade física… tudo isso reduz o risco, mas não impede. Ninguém está totalmente livre.”
Anne Kiister Leon, radioterapeuta do Hospital Santa Rita
Após o diagnóstico, Anne ainda precisou esperar 20 dias até descobrir que se tratava de um tumor em estágio inicial, com maiores chances de cura. De acordo com ela, esta foi uma das etapas mais difíceis do tratamento.
Mãe de dois filhos, Anne conta que o seu principal medo era deixar as crianças. Entretanto, foi desse sentimento que nasceu a força para seguir o tratamento.
“A primeira coisa que vem à cabeça são os filhos. A gente pensa: ‘Se eu morrer, como eles vão ficar?’ Mas isso também me deu forças para conseguir passar pela quimioterapia, pela mastectomia (cirurgia de remoção de uma das duas mamas) e, depois pela reconstrução da mama”, disse.
De médica a paciente
Com o câncer também veio uma decisão difícil. Anne precisou escolher entre os colegas de profissão quem seria o responsável pelo seu tratamento.
Em sua especialidade, na qual utiliza radioterapia para tratar câncer e outros tipos de doença, ela conheceu e trabalhou com diversos médicos. Mas, desta vez, seria mais do que uma colega de profissão.
“Tive que escolher quem iria me tratar, dentre muitos colegas excelentes. Tive que escolher a quem eu iria entregar a minha vida, principalmente durante a cirurgia, um momento em que eu estaria completamente impotente”, relembrou.
Depois da escolha, Anne precisou aprender a entrar no consultório de uma forma diferente. O hábito de ser a pessoa quem trata fez com que ela fosse, em suas próprias palavras, “uma paciente difícil”.
“Eu queria opinar em tudo. Tinha dias que chegava na consulta e já começava a falar o que devíamos fazer e quais seriam os próximos passos, mas nessas horas os médicos falavam: ‘Anne, aqui você é a paciente'”.
Apesar disso, ela conta que ser médica também ajudou a lidar melhor com o câncer. “Eu já conhecia as etapas e sabia o que precisava fazer. Para mim, foi mais fácil”, explicou.
A vida depois do câncer
O diagnóstico veio em julho, em agosto passou pela mastectomia, em setembro deu início à quimioterapia — seis ciclos no total — e em abril fez a reconstrução. Hoje, a médica está em remissão.
O câncer não impactou somente sua saúde ou a vida pessoal. Anne conta que a experiência também mudou seus atendimentos e como ela lida com os pacientes. “Depois de tudo, aprendi a acolher melhor meus pacientes e a enxergar o ser humano por trás da doença.”
Para ela, falar sobre seu diagnóstico ajuda tanto seus pacientes quanto seus colegas de profissão.
Os pacientes acham que médico não adoece, que médico não tem fome, não sente dor. Mas somos gente como qualquer um. Todo mundo está sujeito a adoecer, precisamos aprender isso, assim como também precisamos aprender a ser cuidados.
Anne Kiister Leon, médica radioterapeuta