
Algumas doenças desafiam o olhar tradicional da medicina e nos convidam a repensar o que entendemos por saúde e doença. O recém-reconhecido diabetes tipo 5 é um exemplo emblemático dessa nova compreensão.
Diferentemente dos tipos mais conhecidos, esse subtipo está relacionado não ao excesso de alimento, mas à falta — às carências nutricionais que marcam o início da vida, especialmente durante a gestação e a infância. Trata-se de uma forma de diabetes que nasce da privação e revela como a desnutrição precoce pode deixar consequências metabólicas duradouras.
O impacto da insuficiência alimentar
Enquanto o diabetes tipo 1 é resultado de um processo autoimune que destrói as células produtoras de insulina e o tipo 2 decorre da resistência à insulina associada geralmente ao excesso de peso, o tipo 5 surge de uma história de carência.
A insuficiência alimentar, principalmente de proteínas e micronutrientes essenciais, prejudica o desenvolvimento do pâncreas e compromete sua capacidade de produzir insulina adequadamente ao longo da vida. Nesse caso, o problema não está na resistência do corpo ao hormônio, mas em um organismo que nunca pôde produzi-lo plenamente.
Pesquisas recentes destacam que essa forma de diabetes tende a se manifestar em populações de baixa e média renda, onde a insegurança alimentar é comum. Jovens e adultos com histórico de desnutrição, baixo peso e sintomas clássicos de diabetes — como sede excessiva, urina frequente, cansaço e perda de peso — podem estar entre os milhões de casos ainda não reconhecidos.
O fato desses indivíduos geralmente não apresentarem obesidade nem resistência à insulina, dificulta o diagnóstico correto, levando a tratamentos inadequados e maior risco de complicações.
O papel da nutrição materna
Um aspecto importante, porém, muitas vezes negligenciado, é o papel da nutrição materna durante a gestação. Nos últimos anos, cresceu o número de gestantes que, movidas por padrões estéticos e modismos alimentares, limitam excessivamente a ingestão calórica e ganham menos peso do que o recomendado. Essa restrição pode parecer, à primeira vista, sinal de “cuidados com o corpo”, mas traz riscos significativos.
O feto em desenvolvimento, diante da escassez de nutrientes, adapta-se metabolicamente para sobreviver — priorizando órgãos vitais e reduzindo a formação de tecidos como o pancreático. Essa “programação metabólica” de economia energética, pode resultar, no futuro, em uma menor capacidade de produzir insulina e maior vulnerabilidade ao diabetes tipo 5. Assim, a preocupação excessiva com o corpo durante a gestação, pode paradoxalmente, favorecer doenças metabólicas na vida adulta da criança.
O reconhecimento desse novo tipo de diabetes amplia o debate sobre a relação entre pobreza, alimentação e saúde. Ele desmonta o mito de que o diabetes é uma doença exclusiva do excesso alimentar e reforça a necessidade de enxergarmos também o diabetes da escassez — aquele que nasce da fome, da carência nutricional e das desigualdades sociais.
Estudos estimam que entre 20 e 25 milhões de pessoas no mundo possam viver com esse subtipo, muitas delas sem diagnóstico. Onde falta comida, falta também a visibilidade das doenças que a fome produz.
Prevenção e tratamento
A prevenção do diabetes tipo 5 começa antes mesmo do nascimento. Garantir o acesso de gestantes a uma alimentação equilibrada, combater a desnutrição infantil e promover segurança alimentar, são medidas fundamentais não apenas para reduzir a mortalidade infantil, mas também para prevenir doenças crônicas na vida adulta.
A nutrição adequada no início da vida é uma das ferramentas mais poderosas de promoção da saúde. Isso exige políticas públicas integradas, que articulem saúde, educação e assistência social, assegurando que toda criança tenha o direito de se desenvolver plenamente — e não apenas sobreviver.
No tratamento, o desafio é igualmente complexo. Os protocolos tradicionais voltados aos tipos 1 e 2 não são suficientes para o tipo 5, pois esses pacientes apresentam necessidades específicas de recuperação nutricional. A reposição de proteínas, vitaminas e minerais, o fortalecimento do estado nutricional e o acompanhamento do ganho de massa corporal tornam-se tão importantes quanto o controle glicêmico em si.
O tratamento, portanto, deve considerar a reconstrução metabólica de um corpo que sofreu privações desde o início da vida.
Essencial para compreender doenças crônicas
Reconhecer o diabetes tipo 5 é um passo essencial para compreender que as doenças crônicas não surgem apenas de escolhas individuais, mas também de contextos sociais, econômicos e nutricionais.
É um chamado para olharmos a alimentação como eixo de equidade e justiça social. Cada refeição saudável garantida a uma gestante, cada política pública que assegura comida de verdade às famílias vulneráveis, representa uma forma concreta de prevenir adoecimentos futuros.
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O diabetes tipo 5 nos ensina, de forma contundente, que a fome também adoece o metabolismo. E que cuidar da nutrição — desde o ventre materno até a vida adulta — é uma das mais potentes estratégias de promoção da saúde coletiva. Investir em alimentação adequada, variada e acessível é investir em futuro, dignidade e vida.