Imagem: Freepik
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Quando falamos em disciplina positiva, muita gente imagina uma criação “muito leve”, sem limites, quase como se fosse sinônimo de permissividade. Mas nada poderia estar mais distante da realidade, e a neurociência nos mostra exatamente por quê.

Educar com firmeza e gentileza não é ser “bonzinho”, é ser estratégico. É ensinar o cérebro da criança a se organizar, regular emoções, pensar antes de agir e criar repertório para lidar com a vida real.

E tudo começa com uma verdade simples: criam-se habilidades, não instintos.

Cérebro seguro aprende melhor

A criança não nasce sabendo esperar, compartilhar, tolerar frustrações ou controlar impulsos. Isso requer maturação das funções executivas (atenção, planejamento, controle inibitório e flexibilidade cognitiva) que só ficam minimamente prontas entre 5 e 7 anos de idade, e continuam se aperfeiçoando até o início da vida adulta (por volta dos 25 anos).

Ou seja, quando uma criança “não obedece”, muitas vezes ela não está desafiando o adulto; ela está fazendo o melhor que o cérebro dela consegue naquele momento. A disciplina positiva conecta esse conhecimento ao cotidiano.

A firmeza entra como estrutura: regras claras, limites previsíveis, orientação consistente. O cérebro adora previsibilidade porque isso diminui a carga cognitiva e a ansiedade. Quando a criança sabe o que esperar, ela se sente segura — e cérebro seguro aprende melhor.

A gentileza, por sua vez, é o que mantém o vínculo. Não é suavizar o limite, é humanizar o processo. É dizer: “Eu estou com você, mesmo quando você erra.” Isso ativa redes cerebrais de apego seguro, reduz cortisol e favorece a autorregulação.

O que fazer na hora da “birra”

Por exemplo, diante de uma birra no parquinho:

“Eu entendi que você não quer ir embora, aqui é muito divertido mesmo. Dá vontade de ficar o dia inteiro. Mas agora precisamos ir. Eu posso te ajudar a se despedir do brinquedo”.

Perceba: o limite continua, vamos embora, mas o caminho até ele é mais gentil. A criança se sente vista, validada e acompanhada, e isso ajuda o cérebro a sair do modo “ameaça” e voltar ao modo “colaboração”.

A ciência nos mostra isso de forma elegante:

  • A coerência parental fortalece circuitos de autocontrole.
  • O afeto durante o limite preserva a integridade emocional da criança.
  • A linguagem emocional ensina o cérebro a nomear e modular estados internos.
  • A corregulação (o adulto que empresta calma) ajuda o sistema nervoso imaturo da criança a se organizar.

É como se o adulto funcionasse como um “cérebro externo” até que o dela esteja pronto para assumir o volante.

E por que tanta insistência na forma como falamos?

Porque, segundo a neurociência, o cérebro da criança aprende mais pelo tom, pela atitude e pela regulação que testemunha do que pelo conteúdo literal da bronca. Gritos, ameaças e humilhações não ensinam. Eles só disparam alarmes internos que fazem o cérebro entrar em modo de sobrevivência. Nesse estado, não há aprendizagem, apenas defesa.

A criança até pode “parar o comportamento” naquele momento, mas não porque aprendeu, e sim porque teve medo. A longo prazo, isso prejudica autoestima, flexibilidade emocional e confiança na relação.

Disciplina positiva não é ausência de consequência; é consequência com respeito.

Não é conversa interminável; é comunicação clara.

Não é ceder; é guiar.

Não é permissividade; é neurociência aplicada.

Construindo caminhos mais maduros para o cérebro

Quando educamos com firmeza e gentileza, ajudamos o cérebro da criança a construir caminhos mais maduros: controlar impulsos, reparar erros, lidar com frustrações e agir com responsabilidade — não por medo do adulto, mas porque faz sentido para ela.

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No fim das contas, educar é mais do que corrigir comportamentos: é formar cérebro, caráter e vínculo. E quando o adulto entende isso, a casa inteira respira melhor.

Se quisermos crianças mais calmas, seguras e cooperativas, precisamos de adultos mais conscientes do papel que exercem no desenvolvimento de um cérebro em construção. E a disciplina positiva, amparada pela neurociência, é exatamente essa ponte entre ciência e vida real, onde firmeza e gentileza andam de mãos dadas.

Psi. Renata Bedran

Neuropsicóloga

Psicóloga Clínica e Neuropsicóloga, pós-graduada em Neuropsicologia e Educação Positiva. Apaixonada por compreender o funcionamento da mente e das emoções, atua com avaliação neuropsicológica e psicologia clínica de crianças e adultos. Seu trabalho é voltado para o autoconhecimento, o desenvolvimento emocional e a orientação de pais e educadores em práticas mais conscientes e respeitosas.

Psicóloga Clínica e Neuropsicóloga, pós-graduada em Neuropsicologia e Educação Positiva. Apaixonada por compreender o funcionamento da mente e das emoções, atua com avaliação neuropsicológica e psicologia clínica de crianças e adultos. Seu trabalho é voltado para o autoconhecimento, o desenvolvimento emocional e a orientação de pais e educadores em práticas mais conscientes e respeitosas.