Imagem: Freepik
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Quero começar com algo que talvez você já tenha dito a si mesmo: “Deve ser da postura”, “É porque eu andei muito”, “Meu pé vive dormente, mas acho que é normal.” Essas frases são extremamente comuns. Mas a dormência não é um simples detalhe.

Ela é um sintoma neurológico e merece ser entendida com cuidado e curiosidade. Vamos conversar sobre isso juntos?

Quando a dormência vira rotina

Existem situações em que a dormência é apenas consequência da postura. Se você dorme sobre o braço, mantém as pernas cruzadas por muito tempo ou apoia o cotovelo na janela do carro durante uma viagem longa, a sensação que aparece e desaparece rapidamente costuma ser inofensiva. É temporária, dura poucos minutos e está relacionada à compressão momentânea de um nervo. Quase todo mundo já sentiu isso.

O problema começa quando alguém me diz: “Meu pé vive assim”, “Essa dormência nunca foi embora”, “Parece que está subindo”, “A região está esquisita há semanas.” Quando o sintoma vira rotina, ele muda completamente de significado.

As possíveis causas

Do ponto de vista neurológico, a dormência é sempre um fenômeno sensitivo, mas pode surgir em diferentes níveis do sistema nervoso, e é justamente essa localização que nos ajuda a entender suas causas. Conheça algumas causas:

1- Neuropatia periférica

Uma das mais comuns é a neuropatia periférica, em que os nervos vão perdendo sua função de forma lenta e progressiva.

Os pacientes descrevem sensações como “pisar em espuma”, “perder a textura do chão” ou ter os pés permanentemente adormecidos. As neuropatias podem surgir por diabetes, deficiência de vitamina B12, álcool, hipotireoidismo, doenças autoimunes, algumas infecções virais e até certos medicamentos. O padrão costuma começar nos pés, de maneira simétrica, e subir aos poucos.

2- Lesões focais de nervos

Há também as lesões focais de nervos, que produzem dormências com formatos bem específicos. A meralgia parestésica, por exemplo, causa dormência e queimação na lateral da coxa, especialmente em pessoas que ganham peso rapidamente ou usam roupas apertadas.

A compressão do nervo fibular na altura da cabeça da fíbula é um clássico em quem emagrece rápido, cruza as pernas com frequência ou permanece muito tempo agachado.

O paciente descreve formigamento na lateral da perna e uma sensação estranha no pé, podendo até desenvolver dificuldade de levantar o pé nos casos mais intensos. O nervo tibial comprimido no tornozelo provoca dormência na sola do pé e a impressão de que o chão está áspero ou colado.

3- Dormência nos membros superiores

Nos membros superiores, a dormência também é frequente. A síndrome do túnel do carpo provoca sensação de choque, queimação e dormência no polegar, indicador e médio, geralmente pior à noite. Já a compressão do nervo ulnar no cotovelo leva a dormência no quarto e quinto dedos, enquanto a compressão do nervo radial, muito comum em pessoas que dormem sobre o braço, pode deixar a mão fraca, dormente ou com dificuldade de estender o punho.

4- Radiculopatias

Quando o problema está na coluna, falamos em radiculopatias. A lombar costuma causar dormência nas pernas, às vezes acompanhada de dor em trajeto ou sensação elétrica. A cervical, por sua vez, leva a dormência no braço, antebraço ou mão, muitas vezes associada a dor no pescoço.

Cada nível da coluna corresponde a territórios sensitivos específicos, o que ajuda bastante na identificação do local da lesão.

5- Processos inflamatórios do sistema nervoso

Em alguns casos, processos inflamatórios do sistema nervoso periférico fazem a dormência surgir de forma súbita, dolorosa e assimétrica, como nas neuropatias inflamatórias ou nas vasculites.

Nessas situações, o paciente costuma relatar que o sintoma apareceu de um dia para o outro e que a dor é diferente, fugindo completamente do padrão postural ou progressivo.

Diagnóstico

Em meio a tudo isso, a eletroneuromiografia torna-se uma ferramenta decisiva. O exame analisa a condução elétrica dos nervos e o padrão de ativação muscular, permitindo identificar radiculopatias, polineuropatias, lesões focais de nervos e neuropatias inflamatórias.

Quando o exame está normal, mesmo diante de queixas persistentes, ele ajuda a direcionar a investigação para o sistema nervoso central, já que a ausência de alterações periféricas sugere que a origem do sintoma pode estar na medula ou no cérebro. É um exame que não apenas confirma diagnósticos, mas também exclui caminhos e orienta a investigação de forma precisa.

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É importante lembrar que, embora a maioria dos casos seja realmente periférica, a dormência também pode vir do sistema nervoso central. Quando isso acontece, o padrão muda. O paciente relata dormência em um lado inteiro do corpo, no tronco ou em áreas grandes e mal delimitadas. Podem surgir alterações de equilíbrio, visão ou coordenação. Isso ocorre em doenças como esclerose múltipla, mielites, compressões medulares e outras lesões estruturais.

Sinais de Alerta

Existem ainda sinais de alerta que aumentam a necessidade de avaliação médica. Entre eles estão:

  • Dormência acompanhada de fraqueza;
  • Alterações na marcha;
  • Dormência que afeta metade do corpo;
  • Sintomas no tronco;
  • Perda de visão
  • Progressão rápida ou persistência após cirurgias.

Esses são quadros que não devem ser atribuídos ao acaso.

Dormência não é “mania do meu corpo”

A mensagem final é simples: dormência não é “mania do meu corpo”, não é “coisa da idade” e não deveria ser ignorada. É um sinal do sistema nervoso, às vezes leve, às vezes insistente, às vezes mais importante do que parece.

Observar o padrão, a evolução e os sintomas associados muda tudo. O corpo sempre tenta conversar primeiro com sutileza. A gente só precisa aprender a escutar.

Dra. Camila Resende

Neurologista e Neurofisiologista

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende