O empresário capixaba Maikel Araújo dos Santos, criador do projeto cultural Macakids, e o montador de móveis Ronald Menezes viveram momentos dramáticos à deriva no mar, após mais de dois dias sem comunicação, sem água potável e quase sem alimentos. Resgatados por um navio mercante no litoral do Rio de Janeiro, eles sobreviveram graças ao racionamento de água e ao consumo de peixe cru — uma situação que levanta uma pergunta instigante: até quantos dias o corpo humano aguenta sem água e sem comida?
Em entrevista ao Folha Vitória, a nutricionista da Unimed Sul Capixaba, Adriana Sarzedas, descreve que a sobrevivência depende de fatores como: idade, estado de saúde, temperatura do ambiente, reserva de gordura corporal e prática de atividade física.
Podemos dizer que, sem comida somente aproximadamente 30 a 40 dias. Sem água somente por no máximo 5 dias, mas em condições extremas de calor e esforço físico até 2 dias. Quando em condições mais amenas de temperatura e repouso temos relatos de até 7 dias.
Adriana Sarzedas, nutricionista da Unimed Sul Capixaba
Entretanto, em casos ainda mais extremos, onde é registrada a privação de água e comida, a especialista destaca a média de 3 a 7 dias conforme as condições ambientais. “A água é muito mais essencial a curto prazo do que a comida”, ressalta.
“Corpo passa por série de adaptações fisiológicas”
O especialista em Clínica Médica pela Unimed Sul Capixaba, Vitor Brasileiro Fernandes, explica que durante a restrição de líquidos e alimentos, o corpo passa por adaptações fisiológicas, para tentar minimizar ou compensar o organismo.
Mesmo com as adaptações para a sobrevivência, a restrição pode gerar diversas consequências para o corpo humano.
A desidratação leva à hemoconcentração (aumento da concentração) de células sanguíneas, hipotensão, taquicardia, insuficiência renal e, eventualmente, choque circulatório por pouco líquido circulante (hipovolêmico).
Vitor Brasileiro Fernandes, especialista em Clínica Médica
Além disso, Vitor também descreve que a exposição ao sol intensifica a perda de líquidos por sudorese e evaporação. “Acelerando as alterações circulatórias e neurológicas.”
Reabilitação e reintrodução é necessária ao corpo
Diante dos dias no mar, Fernandes afirma que após o período nas condições críticas, a reintrodução de água e alimento deve ser feita de forma gradual e monitorada.
Para evitar a síndrome de realimentação, que pode causar distúrbios graves, insuficiência cardíaca e disfunção do fígado. O estudo citado na literatura médica mostra que, após privação prolongada, há alterações hormonais e metabólicas significativas.
Vitor Brasileiro Fernandes, especialista em Clínica Médica
A reabilitação do corpo também requer monitoramento rigoroso, reposição hídrica controlada e introdução progressiva de nutrientes. “Com atenção especial à função do fígado e ao risco de distúrbios metabólicos”, completa.
Entenda o caso
Resgatados após 50 horas à deriva, o empresário Maikel Araújo dos Santos e o montador de móveis, Ronald Menezes, contaram detalhes do drama que viveram antes do resgate em uma coletiva de imprensa nesta quarta-feira (1º).
A dupla saiu para mergulhar e pescar no domingo (28) pela manhã no barco de Maikel. O dia tinha tudo para ser perfeito. “Foi uma das pescarias mais abençoadas que eu já fiz. Tinha mais de 200 quilos, uns 250 quilos de peixe. Não cabia mais peixe no barco. Eu falei: graças a Deus, vamos embora. Que dia perfeito”, contou o empresário.
Por volta das 16 horas os dois amigos decidiram encerrar a pescaria e voltar para casa. O barco navegou por cinco milhas (cerca de oito quilômetros) e parou de funcionar. “A lancha deu uma pane que nunca tinha dado”, relatou Maikel.
Os pescadores jogaram as quatro âncoras do barco, mas mesmo assim a ventania começou a levar a embarcação para mais longe da costa. Eles conseguiram fazer contato com quatro barcos que estavam no entorno, mas antes que os pilotos respondessem, o rádio também parou de funcionar.
“Mas aí eu sinalizei vendo se algum deles me via e eles não estavam vendo. E aí escureceu. E eu já comecei a me preparar para passar uma noite bem longa.”
Pouca comida e água
Os pescadores passaram uma noite difícil, sem dormir quase nada. Havia pouca comida e pouca água. “Normalmente levávamos muita comida. Dessa vez, levamos apenas o básico: três pães, 100 gramas de muçarela e alguns biscoitos”, detalhou Maikel. De água, os dois tinham apenas um litro e meio, que foi racionado até o resgate.
No domingo, o barco estava a 30 milhas da costa. Na manhã de segunda-feira (29), o vento e a correnteza levaram a embarcação a sete milhas ao Sul. De Anchieta, onde embarcaram, os dois já haviam chegado na altura de São Francisco do Itabapoana, já no Rio de Janeiro.
Pedidos de socorro
Ao longo do período em que os pescadores estiveram à deriva, eles avistaram três rebocadores, tentaram pedir socorro, mas não foram resgatados. “Provavelmente, eles acharam que a gente estava pescando e simplesmente desviaram da gente e foram embora”, disse Maikel.
Já exaustos e com medo de nunca serem resgatados, os dois amigos avistaram mais uma esperança: o avião da Força Aérea Brasileira (FAB), que estava em busca dos pescadores desaparecidos. Mas a tripulação não viu o barco e seguiu em frente. “Foi um momento de muito desespero”, contou o empresário.
O resgate aconteceu na tarde desta terça-feira (30) por um navio mercante, a cerca de duas milhas náuticas do Porto de Açu, no Rio de Janeiro.