Em 2023 a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou uma Comissão Internacional para combater uma nova epidemia: a solidão. Na época, a entidade afirmou que a falta de conexão social impacta diretamente a saúde e o bem-estar.
Segundo a própria comissão, em relatório divulgado em junho deste ano, a população está ficando cada vez mais solitária, especialmente jovens e pessoas de baixa e média renda. Entre 17% e 21% dos jovens de 13 a 29 anos relataram se sentir solitários, já entre pessoas de países de baixa renda, a taxa chega a 24%.
A solidão afeta uma em cada seis pessoas no mundo e causa aproximadamente 871 mil mortes por ano, entre 2014 e 2019, de acordo com a organização
As pessoas estão mais solitárias?
A OMS define conexão social como a relação das pessoas entre si e a solidão como um sentimento doloroso que surge da falta dessas conexões reais. Já o isolamento social é a falta objetiva de conexões sociais suficientes, mas ao contrário do que muitos pensam, não está necessariamente ligado aos hábitos adotados durante a pandemia do Covid 19.
Segundo o médico de família e comunidade da Bluzz Saúde, Luan Lessa, a solidão e a decisão de se isolar podem ter diversas causas, tanto sociais quanto emocionais.
A solidão é efeito de uma série de desequilíbrios que promovem adoecimento nos indivíduos, sendo um estado mais grave. Já o isolamento social, ou o querer estar sozinho, corresponde a um estado não necessariamente nocivo, por vezes de opção circunstanciada. Mas, apesar de não indutor de adoecimento, pode evoluir para solidão efetiva.
De acordo com Sheila de Salles, médica pós-graduada em psiquiatria, explica que o excesso de telas também pode contribuir para a solidão, mas não é só isso. Outro grupo já é mais solitário naturalmente: os idosos.
“Hoje em dia, os perfis mais vulneráveis à solidão são as crianças, adolescentes e idosos — principalmente devido ao acesso excessivo às telas. Os idosos, em especial, já são solitários porque ‘dão trabalho’. Muitas vezes os filhos não querem cuidar dos pais ou dos avós, e isso leva ao abandono”, explica.
É possível estar acompanhado e ainda se sentir solitário
Os especialistas explicam que uma pessoa pode experimentar a solidão, mesmo quando está acompanhada por outras pessoas ou em ambientes que promovem a interação.
Essa sensação pode surgir da dificuldade em estabelecer conexões significativas e em se identificar com os demais, levando a um sentimento de exclusão. “Uma pessoa pode sentir-se só e isolada apesar de estar presente em ambientes como faculdade, escola ou igreja, rodeada por outras pessoas”, afirma Sheila de Salles.
Os impactos da solidão na saúde
Lucas Lessa explica que há uma circularidade quando se fala da relação entre solidão e saúde. Segundo ele ora a solidão causando problemas físicos, mentais ou sociais, ora os problemas físicos, mentais e sociais causando solidão.
“Segundo a OMS, problemas físicos, psicológicos e a falta de serviços públicos aumentam os riscos de isolamento e solidão nos indivíduos. Por outro lado, o isolamento e a solidão aumentam o risco de mortalidade, doenças cardíacas e de diabetes tipo 2, de depressão e ansiedade. É um ciclo vicioso”, disse.
Sheila de Salles ressalta que, quando falamos de saúde física, a solidão e a fobia de estar com outras pessoas podem impedir a realização de atividades cotidianas, diretamente ligadas à manutenção de uma vida saudável.
A longo prazo, a solidão pode provocar medo e pânico de pessoas, taquicardia em situações simples do dia a dia, o que faz a pessoa se isolar. Com isso, a pessoa deixa de ter contato com os outros, de ir à academia, de ir à praia, de fazer uma caminhada.
Como identificar e tratar os efeitos da solidão
Ambos os especialistas destacam que nem todos os momentos de solidão são preocupantes, já que algumas situações podem causar e até exigir um certo afastamento. A preocupação deve aparecer quando ela se torna prolongada e impacta nas vivências pessoais e em comunidade.
Por isso, é essencial estar atento aos sinais de sofrimento alheio e até aos próprios sentimentos. “Às vezes nos deparamos com casos de suicídio e pensamos: ‘Mas ela estava tão bem…’ — e não estava. Ela fingia estar bem porque vivemos em uma sociedade muito individualista”, afirma Sheila.
Nesses casos, Lucas Lessa explica que o autoconhecimento, e o apoio externo são essenciais para evitar a piora de quem se sente só.
“A terapia – ou a psicoterapia – é uma forma individual, mas também coletiva de se lograr melhoras em desequilíbrios e disfuncionalidades da nossa alma. Já a família, escola e outras unidades sociais são determinantes da taxa de conexão social”, completa.