O Setembro Amarelo é conhecido mundialmente como o mês de conscientização e prevenção do suicídio. Criada no Brasil em 2013, a campanha reforça a necessidade de falar sobre o tema, considerado um problema grave de saúde pública.
De fato, os dados evidenciam uma epidemia silenciosa e multifatorial. A cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio em algum lugar do mundo, por diferentes causas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
No Brasil, os números também são preocupantes, com 12 mil casos anuais, de acordo com o Ministério da Saúde. Só em 2023, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou uma média diária de 31 casos, nos quais houve a intenção deliberada de causar danos a si.
Diante de uma realidade tão alarmante, a prevenção do suicídio passa, em grande parte, pela capacidade de ouvir e acolher. Seja vindo de um amigo, familiar ou especialista, o apoio, oferecido de forma empática e sem julgamentos, pode ser decisivo para que a pessoa encontre novas possibilidades de enfrentar a dor.
Foi com essa convicção que Ana Erler se tornou voluntária no Centro de Valorização da Vida (CVV), um serviço gratuito e nacional que oferece atendimento para quem apresenta pensamentos suicidas. Nos últimos 10 anos, Ana se tornou a ‘amiga temporária’ daqueles que não tem com quem desabafar.
Quando somos ouvidos com carinho e atenção, quando somos acolhidos, é como se a alma fosse abraçada. Acreditamos nesse poder de fala e de dividir a dor com alguém.
Ana Erler, voluntária CVV
Ao lado de mais de 3.000 outros voluntários, espalhados por todo o Brasil, Ana atende uma demanda crescente de pessoas em busca de acolhimento. Mais do que falar, ouvir se tornou uma ferramenta preciosa.
“A partir desse abraço e dessa escuta ativa, conseguimos ajudar o outro a diminuir um pouquinho a dor e a encontrar a sua vida mais plena.”
Uma realidade complexa
Durante seu tempo de voluntariado, Ana já atendeu pessoas de diversos perfis e idades diferentes, que demonstraram algum grau de ideação suicida. Os números reforçam essa pluralidade.
De acordo com dados do Ministério da Saúde divulgados em 2022, entre 2016 e 2021, houve um aumento de 49,3% nas taxas de mortalidade de adolescentes de 15 a 19 anos. Já nas faixas etárias entre 10 e 14 anos, o aumento foi de 45%.
No Brasil, as maiores taxas são registradas entre os homens. A estimativa é de que 12,6% a cada 100 mil homens morreram por suicídio. Para as mulheres, a taxa é de 5,4% a cada 100 mil.
Segundo a professora de Psicologia do Centro Universitário Faesa, Mônica Nogueira, é essencial entender que o cenário que leva ao suicídio é complexo. Diversas variáveis podem influenciar na tomada da decisão extrema.
Ela explica que, apesar de comumente associada, e de fato estar relacionada em alguns caos, a depressão não é o único fator.
Temos que chamar atenção para a saúde mental de uma forma geral. Principalmente, pós pandemia tivemos um aumento considerável das doenças mentais e é importante podermos falar que outros transtornos, além da depressão, podem trazer o pensamento ou até mesmo levar ao suicídio.
Mônica Nogueira, professora de Psicologia da Faesa
Além dos transtornos mentais, questões sociais também podem se tornar gatilhos. A professora ressalta que situações de abuso, violência doméstica ou emocional facilitam o desenvolvimento dos pensamentos suicidas. “Quanto mais desses fatores estão presentes, mais aumenta as possibilidades.”
Entretanto, ela reforça: as razões que levam uma pessoa a considerar o suicídio podem variar, mas a escuta ativa e o acolhimento são recursos fundamentais para reduzir riscos e abrir caminhos para o cuidado.
Escutar e não julgar
“A vida perdeu o sentido para mim. Eu não tinha mais vontade de viver”, foi o que descreveu Magda Verciane. Apesar da influenciadora não ter atentado contra a própria vida, o sentimento de desesperança, vivido por ela durante o estágio mais grave da depressão, é comum em quem desenvolve pensamentos suicidas.
De acordo com Mônica, antes de uma tentativa, muitas pessoas apresentam uma combinação de sinais. “A tendência ao isolamento e a desesperança podem ser sinais, assim como falar em ‘tom de despedida’. Muitas vezes, vemos as pessoas escrevendo nas redes sociais como se estivessem se despedindo de alguma forma”, complementou.
Estar atento a estes sinais também auxilia na hora de acolhimento. Muitas vezes, a pessoa em sofrimento mental acredita que está sozinho ou que não pode fazer nada para mudar sua realidade.
Algumas atitudes podem ser essenciais para mudar essa percepção. Segundo o Ministério da Saúde, se mostrar presente e disposto a ajudar pode ser o primeiro passo para a prevenção. Escutar sem interrupções e trocar frases como “vai passar” ou “isso não é nada” por “você não está sozinho”, já é um começo.
Também é importante controlar as reações diante do desabafo, evitando expressões de choque ou de muita emoção. Fazer comentários invasivos pode criar um ambiente hostil.
É importante ouvir atentamente, permanecer calmo e conversar com honestidade. O foco deve ser o sentimento da pessoa.
A importância dos locais de acolhimento
Outra estratégia que pode ser aliada na prevenção é a sugestão de espaços especializados disponíveis. É neste momento que locais de acolhimento se tornam refúgios para quem, há muito tempo, não se sentia seguro ou ouvido.
Pensando nisso, a clínica-escola da Faesa realiza atendimentos gratuitos para pessoas que estejam passando por sofrimento mental.
Segundo a professora Mônica, o serviço prestado por alunos do curso de psicologia é aberto a toda população por meio de inscrições gratuitas. “Os atendimentos são feitos por alunos finalistas, que estão no último ano do curso, e são supervisionados, diretamente, por um professor. A clínica é aberta para toda a população e temos atendimento para todas as faixas etárias através de um cadastro”.
Desde a implementação da clínica, há 23 anos, oito mil pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos, já receberam atendimentos. No local, são ofertados serviços de triagem e acolhimento inicial, plantão psicológico, psicodiagnóstico, psicoterapia (de diversas abordagens) e intervenção psicossocial.
Para Magda, que ainda segue em tratamento, receber ajuda das pessoas à sua volta e de profissionais especializados foi essencial para que voltasse, aos poucos, a se sentir melhor.
“Eu me emociono em falar desse olhar das pessoas. Esse ciclo de amizade e família é muito importante, porque a tendência é se isolar e quando as pessoas te acolhem, te abraçam, tudo muda. Às vezes, eu não sentia necessidade, vontade de sair, mas de ser ouvida. É uma dor muito grande, algo inexplicável, que só sabe quem vive.”
Atitudes que ajudam no acolhimento e na escuta ativa
- Evite julgamentos;
- Esteja atento durante as conversas;
- Mostre disposição em ajudar;
- Evite comentários invasivos ou sugestivos;
- Oriente a busca por auxílio profissional.
Para quem precisa de acompanhamento psicológico contínuo ou conhece alguém em situação de sofrimento social, as vagas para atendimento na Faesa variam de acordo com a disponibilidade das disciplinas. Entretanto, em casos de urgência, é possível marcar uma consulta durante o plantão.
Já o serviço do CVV está disponível 24 horas por dia, todos os dias, por ligação (por meio do número 188) ou outros canais disponíveis no site da organização.