Dia do médico
Imagem: Freepik

The Doctor, Luke Fildes, 1891. Essa é a tela com que inicio ou finalizo a maior parte das minhas aulas. Conta-se que o pintor teria sido convidado pelo pai da criança, retratada em primeiro plano, a imortalizar na tela o semblante do médico ao observar sua filha, já sem vida. Esse olhar do médico sempre me impressionou.

Estaria ele olhando fixamente nos olhos da morte para aprender uma última lição ou estaria juntando seus cacos para poder ser força para a família a quem deveria dar a triste notícia?

A morte é companheira inevitável na vida do médico. Anos atrás, perguntei aos acadêmicos que estagiavam comigo: “Qual o propósito da medicina?”.

Qual o propósito da medicina?

A maioria respondeu que era lutar contra a morte. Completei perguntando qual era o contrário de morte. Ouvi um uníssono “VIDA”! Tomei assento ao lado do mais convicto deles e propus outra abordagem: o contrário da morte é, na verdade, o nascimento. E o que fazemos entre este e aquela é o que chamamos de vida. O pacto que o médico faz é com a vida em todas as suas fases e, quando a morte se torna inexorável, nosso compromisso passa a ser confortar as vidas que essa morte deixará para trás.

Neste ano, quando me pediram que escrevesse sobre o Dia dos Médicos, pouco inspirada, fiquei inclinada a declinar o convite — até que li uma história que me tocou profundamente.

Uma baleia-orca nadou cerca de 1.600 km carregando seu filhote já sem vida sobre a cabeça. Morto logo após o nascimento, sua vida tangenciou a da mãe por algumas poucas horas, mas ela se recusava a vê-lo submergir nas águas do oceano e adiou essa despedida por 17 longos dias e noites, em que tentou eternizar a existência que a vida não permitiu durar.

Seu luto silencioso e prolongado me fez lembrar dessa conversa que tive com os alunos anos antes. O compromisso do médico com quem lhe confiou a vida não se encerra com a morte. Há vida nos arredores da morte — e precisamos enxergá-la.

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O médico que a sentencia protagonizará o pior dia da vida de alguém ao dar essa notícia. É preciso deixar a frustração por termos sido vencidos por ela e parar para acolher, ouvir e cuidar das vidas que ficaram para trás.

Só assim poderemos honrar o nosso juramento hipocrático: curar às vezes, mas confortar — obstinadamente — sempre.

Dra. Polyana Gitirana Guerra Rameh

Infectologista

Médica Infectologista, Graduada pela UFMG, Residência Médica HC-UFMG, Coordenadora do SCIH do Vitória Apart Hospital. Gestora SIASS UFES

Médica Infectologista, Graduada pela UFMG, Residência Médica HC-UFMG, Coordenadora do SCIH do Vitória Apart Hospital. Gestora SIASS UFES